O Pensamento de Buda

Por Ananda Coomaraswamy (s/d) Martins: São Paulo

Abreviações:
A. - Angutara – Nikaya; AA. - Comentário do Angutara; BG. – Baghavadgita; BU. - Brhadaranyaka – Upanishad; Com. – Comentário; D. - Digha – Nikaya; DA. - Comentário do Digha; Dh. – Dhammapada; E.R.E. - Enciclopédia da Religião e da Ética; G.S. - Gradual Sayings; HJAS. - Harvard journal of Asiatic Studies; It. – Itivuttaka; ItA. - Comentário do Itivuttaka; J. – Jataka; K.S. - Kindred Sayings; M. - Mojjhima – Nikaya; MA. - Comentário do Mojjhima; Mil. – Milindapanha; Min. Anth. - Minor Anthologics of the Pali Canon; S. - Samyutta Nikaya; SA. - Comentário do Samyutta; Sn. – Suttanipata; Ud. – Udana; Uda. - Comentário do Udana; Up. – Upanishad; Vin. - Vinaya – Pitaka; Vism. - Visuddhimagga
As referências às obras em Páli dizem respeito às edições da Pali Text Society, exceto no caso da Vinaya e da Jataka. [introdução omitida]


EXTRATOS DE TEXTOS BUDISTAS
I. TEXTOS QUE PODEM SERVIR DE INTRODUÇÃO
Outrora, Ãnanda, havia neste lugar uma cidade rica e florescente onde se comprimia uma grande população; e perto desta cidade, Ananda, residia o senhor Kassapa (30), o perfeito, o totalmente desperto. E Gavesin (31) era um discípulo de Kassapa, mas não observava os hábitos morais (32). Ora, devido a Gavesin, havia muitos ouvintes leigos que testemunhavam e, que estavam interessados, mas não observavam os hábitos morais. Então veio-lhe esta idéia: "Eu servi bem êstes numerosos ouvintes leigos sendo o primeiro a me interessar; mas nem êles nem eu observamos os hábitos morais. Dêste modo, há uma exata igualdade [entre nós] que não deixa a sombra de qualquer outra coisa. Vamos! Estou disposto a mais alguma coisa!" Então Gavesin foi ao encontro dos outros e lhes disse: "Sabeis que a partir de hoje sou um cumpridor dos hábitos morais". Então, Ãnanda, os outros pensaram cada um de per si: "Se êste mestre Gavesin se torna cumpridor dos hábitos morais, por que não o seríamos nós também?". Gavesin pensou ainda: "Dêste modo ainda, há uma exata igualdade (entre nós) que não deixa a sombra de qualquer outra coisa. Vamos! Estou disposto a mais alguma coisa!" e lhes disse: "Sabeis que a partir dêste dia sou um companheiro de Brahma, um que vive isolado, que se abstém da vida sexual". E êles pensaram: "Por que não o faremos também?" Gavesin pensou ainda: "Dêste modo ainda, há uma exata igualdade (entre nós) que não deixa a sombra de qualquer outra coisa. Vamos! Estou disposto a mais alguma coisa! e lhes disse: "Sabei que a partir dêste dia só tomarei uma refeição por dia, abster-me-ei de me alimentar à noite e de comer a horas impróprias". (33) E êles pensaram: "Por que não o faremos também?" O Ãnanda, Gavesin refletindo em tudo o que fizera, e os outros também, pensou: "Dêste modo há verdadeiramente uma exata igualdade (entre nós), que não deixa sombra de qualquer outra coisa. Vamos! Estou disposto a mais alguma coisa”. E solicitou ao senhor Kassapa o exílio (34) (na ordem monástica) em sua presença, e a ordenação. E os outros fizeram o mesmo; todos receberam o exílio e a ordenação, e pouco depois Gavesin tomou-se um Perfeito. (35) Pensou então: "E um fato que eu possa obter esta beatitude suprema da liberdade, à minha vontade, facilmente, sem dificuldade. Possam somente êsses outros monges a obter também!" E pouco tempo depois, os monges recolhidos, fervorosos, ardentes, resolutos, com Gavesin à frente, esforçando-se peja elevação em atingir maiores alturas, e pelas suas forças, forças mais poderosas, chegaram a realizar a liberdade suprema. Por isso, Ãnanda, é que vos deveis exercitar assim: do que é alto ao que é mais alto, de uma força a outra, esforçar-nos-emos para avançar e chegaremos a realizar a liberdade suprema. "Em verdade, Ãnanda, é assim que vos deveis exercitar". [A. III, 215-218]
[30. O Buda que precedeu Gotama].
[31. Este nome significa literalmente "aquêle que procura suas vacas". É, pois, "o que procura"].
[32. Ver o capítulo dos hábitos morais].
[33. Entre o meio-dia e o nascer do Sol].
[34. Pabbajjã].
[35. Arahant, V, pág. 66].
A viagem com Brahma foi perfeitamente exposta, está aqui e agora, é não-temporal. [Sn. 567].
Pela viagem com Brahma toma-se um brâmane. [Dh. 655].
No mundo são "brâmanes" os que são sem especilhos e despertos. [Ud.4].
Ó monges! Esta viagem com Brahma não se realiza para enganar ou iludir os indivíduos. Não há nela preocupação de obter lucros, vantagens ou a notoriedade. Não há nela preocupação de um dilúvio de falatórios nem de idéias. "Que as pessoas me conheçam por êste ou aquêle nome." Não, meus monges, esta viagem com Brahma se realiza com a finalidade de abandono, com a finalidade de impassibilidade, com a finalidade de fazer cessar. O senhor ensinou a viagem com Brahma e não por rumores; a abstinência é sua finalidade, o abandono é sua finalidade; ela conduz à imersão no Nirvâna. É a Via seguida pelos grandes Sêres, os grandes santos. Os que seguem como o ensinou o Desperto, falando a vontade do Mestre, porão termo ao mal. [A. II, 26, It. pág. 28].
[Um brâmane, Sangãrava, dirigiu estas palavras a Buda:] "Permite-me que te diga, excelente Gotama, que os brâmanes oferecem sacrifícios e conseguem que outros façam o mesmo. É por isso, excelente Gotama, que aquêle que consegue que outros façam o mesmo, todos êsses fazem uma obra meritória que é útil a muitos e que é devida ao sacrifício. Mas aquêle, que, desta ou daquela família, abandonou seu lar para viver sem lar, êsse só doma um único eu (36), só acalma um único eu, só faz atingir o absoluto Nirvâna (37) a um único eu. Ele realiza pois uma obra meritória que é útil a uma única pessoa e que é devida à sua saída [do mundo]". "Eu responder-te-ei, brâmane, formulando-te uma pergunta. Que pensas tu? Um Descobridor da Verdade (38) surge neste mundo, um Perfeito, um totalmente Desperto, dotado de conhecimento e de boa conduta, caminhando bem, conhecendo os mundos, incomparável condutor (39.) dos homens que é preciso domar, mestre dos devas e dos homens, desperto, senhor. Ele diz isto: "Vinde: eis a Via, eis a estrada que eu trilhei até o momento de a fazer conhecer, tendo realizado pelo eu próprio conhecimento superior à inigualável imersão na união com Brahma. Vinde, vós também, segui igualmente (a Via) a fim de que tendo realizado pelo vosso próprio conhecimento superior à inigualável imersão na união com Brahma, aí possais permanecer. É assim que o próprio Mestre ensina o dhamma, e outros o seguem para atingir êste estado. Além do mais, êstes são em número várias centenas, vários milhares, várias centenas de milhares. Que pensas disto, brâmane? Sendo assim, a obra meritória que se acumula trará benefícios a um único ou a muitos? - "Numa vez que é assim, excelente Gotama, a obra meritória que se acumula, como conseqüência da saída (do mundo) traz benefícios a muitos." [A. I, 168.169].
[36. "Um eu" como no Dh. 103: "Comparado àquele que na batalha é vencedor de mil vêzes mil homens, é o maior dos vencedores da batalha o que só vence um único eu (o seu). Cf. D. III, onde é dito que os monges só domam... etc. "um único eu", ao contrário, do rei que a muitos domina. Ver o capo do Sacrifício, pág. 150"].
[37. parinibbãpeti].
[38. tathãgata].
[39. J. VI, 252: "O Eu é o condutor do carro"; S. I, 33: "Dhamma é o condutor do carro"; Dh. 151: "Os carros apodrecem, não o Dhamma; S. III, 120: "Aquêle que vê o Dhamma me vê"].

II. O FUNDADOR E OS ARAHANTS
1. GOTAMA: PASSAGENS AUTOBIOGRAFICAS
Outrora, meus monges, eu residia em Uruvelã, sobre a margem de Neranjarã, sob o Banyan dos Cabreiros; foi logo depois de ter alcançado o grande Despertar; meditando na solidão, pensava: "É um mal viver sem respeitar nem obedecer. Que eremita, que brâmane existe junto do qual eu poderia viver rendendo-lhe homenagem e respeito?" Visando tomar perfeita a soma total dos hábitos morais, da contemplação, da sabedoria, da liberdade ainda não perfeita, eu quereria viver junto de um outro eremita ou brâmane rendendo-lhe homenagem e respeito. Mas no mundo com seus devas, Mãras, Brahmãs em toda a raça - eremitas, brâmanes, devas ou homens - não vejo nenhum outro eremita ou brâmane mais perfeito nestes ramos do estudo que não o seja eu mesmo e junto do qual, por esta razão, poderia viver rendendo-lhe homenagem e respeito.
Então pensei: "Este dhamma no qual recebi o despertar total, se eu vivesse junto dêste dhamma rendendo-Ihe homenagem e respeito?” Sobre isto, meus monges, Brahmã Sahampati, tendo desaparecido do mundo de Brahma, se apresentou diante de mim e disse: "É bem assim ó Altíssimo! bem assim, é bom viajante! Os que outrora foram Perfeitos, totalmente despertos, êstes Altíssimos, êles também, só viveram junto do dhamma, honrando-o e respeitando-o. Os altíssimos que virão no futuro farão o mesmo. Que o Altíssimo, senhor, que é agora um Perfeito, mu totalmente Desperto, só viva junto do dhamma, honrando-o e respeitando-o". E Brahmã Sahampati acrescentou ainda isto:
“Os Budas perfeitos que se foram
os Budas perfeitos que virão
O Buda perfeito do presente
e que para numerosos sêres baniu o sofrimento
todos viveram honrando o verdadeiro dhamma.
vivem e viverão: Tal é o seu Caminho.
Assim aquêle a quem o Eu é precioso
e que deseja ardentemente o Grande Eu,
deve prestar homenagem ao dhamma
lembrando-se da palavra de Buda (40)
[A, II, 12-20, cf. S. I, 138].
[40. A tradução da estância está de acôrdo com SS. II, 12, exceto que substituímos por "o verdadeiro dhamma", "seu dhamma"].
Quando estais reunidos, ó monges, de duas coisas uma podeis fazer: seja falar do dhamma, ou guardar o silêncio ariano. (41) Estas, monges, são as duas buscas: a busca ariana (42) e a busca não-ariana. Em que consiste a busca não-ariana? Tomai o caso de um homem que, sujeito ao nascimento, devido ao eu, busca o que é igualmente sujeito ao nascimento: uma mulher e filhos, escravos de ambos os sexos, ovelhas, cabras, galos e porcos, elefantes, gado, cavalos e égua, ouro e prata; e que, sujeito à velhice, ao declínio, à morte, à dor, à impureza, sempre devido ao eu, busca o que está igualmente sujeito a êstes estados [enumeração como esta acima, exceto o ouro e a prata que são omitidos dos casos de declínio, de morte, e de dor]. Eis aí a busca não-ariana. E qual, é, então, a busca ariana? Neste caso um homem sujeito ao nascimento devido ao eu, mas tendo percebido o perigo no que é igualmente sujeito ao nascimento, busca o não-nascido, a mais absoluta segurança contra a escravidão (43), o nirvâna. Um homem, sujeito à velhice devido ao eu...busca o que não envelhece, a mais absoluta segurança contra a escravidão, o nirvâna. Um homem sujeito, à dor devido ao eu... busca o que não conhece a dor, a mais absoluta segurança contra a escravidão, o nirvâna. Um homem sujeito à impureza devido ao eu, tendo visto o perigo no que é igualmente sujeito à impureza, busca ó imaculado, a mais absoluta segurança contra a escravidão, o nirvâna. Eis aí a busca ariana.
Eu também, monges, antes do meu total despertar, quando era ainda bodhisatta, não totalmente desperto, e pelo fato de que estava sujeito ao nascimento, devido ao eu, buscava o que estava igualmente sujeito ao nascimento, etc. Veio-me esta idéia: Por que, sujeito ao nascimento devido ao eu, busco o que é igualmente sujeito ao nascimento?.. etc. Se [sendo] sujeito ao nascimento devido ao eu, tendo percebido o perigo no que é igualmente sujeito ao nascimento, buscasse o não nascido, a segurança absoluta contra a escravidão, o nirvâna; E se, sujeito à velhice, à morte, à dor, à impureza devido ao eu, tendo percebido o perigo no que está igualmente sujeito a êstes estados, eu buscasse o que é sem velhice, sem morte, sem dor, sem mácula, a segurança absoluta contra a escravidão, o nirvâna?
Então abandonei meu lar para viver sem lar, em busca do que é bom, buscando a incomparável vereda da paz. Eu me dirigi primeiro para junto de Alãra Kãlãma, depois para Uddaka Rãmaputta; mas do dhamma e da disciplina dêstes dois [mestres] compreendi o seguinte: êste dhamma não conduz à indiferença, à impassibilidade, à cessação, à tranqüilidade, ao conhecimento superior, ao despertar, ao nirvâna, mas somente com Alãra, até o plano de aniquilamento do eu; com Uddaka, até o plano de nem percepção nem não percepção. Então, buscando o que é bom, buscando a incomparável vereda da paz, e percorrendo a pé o Magadha, terminei por chegar a Uruvelã, a Povoação do Campo. Ali eu vi uma deliciosa extensão de terreno plano, um bosque encantador, um rio que corria com águas bem claras; não muito longe havia uma aldeia onde era possível viver. (44) Pensei: a um jovem que está resolvido a fazer esforços, que mais necessitaria para seus esforços? Sentei-me, pois, ali, achando o local conveniente para meus esforços. Então, ó monges, sujeito ao nascimento devido ao eu, tendo percebido o perigo no que está igualmente sujeito ao nascimento, e procurando o não-nascido, a segurança absoluta contra a escravidão, o nirvâna, encontrei meu caminho até o não nascido, até a segurança absoluta contra a escravidão, o nirvana... procurando o que não envelhece... o que não morre... o que é sem dor... encontrei meu caminho até o que não conhece nem velhice, nem morte, nem dor. Então sujeito à impureza devido ao eu, tenho percebido o perigo no que está igualmente sujeito à impureza, buscando o imaculado, a segurança absoluta contra a escravidão, o nirvâna, consegui o imaculado, a segurança absoluta contra a escravidão, o nirvâna. Conhecimento e visão surgiram em mim: inabalável é minha liberdade, êste meu último nascimento, não mais existe nôvo porvir. [M. I, 161-167].
[41. Ud. 31].
[42. Isto é, nobre, correto, no sentido de que pertence a êste dhamma, a esta disciplina].
[43. Yogakkhema: geralmente é a imunidade contra os dado, fornecidos pelos seis sentidos (o intelecto é o sexto sentido); literalmente: "repouso, cessação de aplicação"; é antes uma "recompensa do trabalho" do que a prática do domínio dos sentidos].
[44. Onde poderia mendigar seu alimento].
Os que dizem, ó Vaccha: o eremita Gotama é onisciente, tudo vê; êle tem a pretensão de um conhecimento e de uma visão que tudo abarcam; êle pensa: "Caminhando ou imóvel, adormecido ou desperto, eu disponho contínua e perpetuamente do conhecimento e da visão: êsses não falam de mim com exatidão; êles me descrevem mal, em traços que são falsos e não de acôrdo com os fatos”. Se tu dissesses, ó Vaccha: "O eremita Gotama é um homem de triplo conhecimento", explicando-me assim tu falarias com exatidão, não me descreverias em traços não de acôrdo com os fatos; tu me explicarias de conformidade com o dhamma, e um frade em religião não teria lugar de fazer uma exposição sectária para o refutar. Pois, Vaccha, eu me lembro de muitas moradas anteriores tão longe quanto quero no passado, isto é, de um nascimento ao precedente, com todos os seus detalhes e todos seus traços. Depois, Vaccha, eu vejo com a visão purificada dos devas, que supera a dos homens, criaturas morrendo [aqui] e surgindo [alhures]. Enfim, Vaccha, pela destruição dos fluxos, (45) tendo realizado neste mundo e desde agora, graças a meu próprio conhecimento superior, a liberdade do coração e a liberdade do espírito que são sem fluxos, é nesta liberdade que permaneço. (46) [D. III, 28].
[45. ãsava].
[46. A noção destes três “conhecimentos” se encontra mais desenvolvida alhures].
Do comêço das coisas, em última análise, eu tenho a presciência, ó Bhaggava: tenho a presciência daquilo e de mais do que aquilo. Tenho esta presciência, a ela não concedo importância. Não lhe concedendo importância, conheço subjetivamente esta calma que é tal que, conhecendo-a intuitivamente o Descobridor da Verdade não cai em nenhum êrro. [D. III, 28].
"A Roda que eu pus em movimento, diz o Senhor,
a roda do dhamma, ó Sela, sem igual,
e Sãriputta que continua a fazê-la girar.
É êle o herdeiro nascido ao Assim-vindo. (47)
Tôdas as coisas próprias a serem conhecidas, são por mim conhecidas, próprias a serem abandonadas, são por mim abandonada.
Assim estou eu desperto, ó brâmane!
Dissipa tuas dúvidas a meu respeito, inclina teu coração.
É de longe em longe, bem raramente, que se vêem os Despertos.
Dêstes homens raros, raramente vistos no mundo, eu sou um; médico sem igual,
plenamente desperto, ó brâmane, tornado
tal como Brahma, superior a tôda comparação.
Todos os inimigos foram abatidos,
esmagadas as hostes de Mãra, e sem medo eu me regozijo”. (48)
[Sn. 557-561].
[47. Tathágata que em outro lugar traduzimos também por “Descobridor da Verdade”].
[48. Tradução inglêsa por E. M. Hare, Woven Cadences. Trata- se ainda em outra parte da questão de Sãriputta fazendo girar a roda do dhamma].
Minha idade está agora madura, minha vida chega a seu término; eu vos deixo, eu me vou; é ao Eu que tomei por refúgio. [D. II, 120].
O brâmane Dona aborda o Mestre e lhe pergunta:
- O venerável deseja tornar-se deva?
- Não, em verdade, brâmane, não desejo tornar-me deva.
- O venerável deseja tornar-se gandharva?
- Não, em verdade, brâmane, não desejo tornar-me grandharva.
- Yakkha, talvez?
- Não, em verdade, brâmane, também não yakkha. - O venerável deseja tomar-se um ser humano?
- Não, em verdade, brâmane, não desejo tornar-me um ser humano.
- Quem, por gôsto, deseja tornar-se o venerável?
- Brâmane, êstes fluxos que, se não fôssem abandonados, far-me-iam tomar deva, êstes fluxos em mim estão abandonados, extirpados na raiz, tomados iguais a um cêpo de palmeira, inexistentes, não suscetíveis de reaparecer no futuro. Estes fluxos que, se não fôssem abandonados, far-me-iam tornar gandharva, yakkha, ou ser humano... todos êsses fluxos em mim estão abandonados...não suscetíveis de surgirem no futuro. Da mesma maneira, ó brâmanes, que um lótus, azul, vermelho ou branco, se bem que nascido na água, se ergue quando atinge a superfície acima dela, sem ser maculado pela. água, também, ó brâmane, embora nascido no mundo, embora tendo crescido no mundo, eu venci o mundo e permaneço não maculado pelo mundo. Reconhece, ó brâmane, que eu estou desperto. (49)

Os fluxos pelos quais poderiam nascer
um deva, um gênio do ar
um gandharva; ou pelos quais eu mesmo
poderia atingir o estado de yakkha,
ou bem ir nascer no seio de uma mulher:
êste fluxos agora estão por mim
aniquilados, destruídos, extirpados.
Como um lótus, puro, admirável, pelas águas não é contaminado,
eu não sou contaminado pelo mundo,
é por isso, brâmanes, que eu estou desperto. (50)
[A. II, 38-39].
[49. Buddha, como na passagem procedente do Sn. Ou, se se deseja "o Desperto por excelência"].
[50. Seguimos F. L. Wood Ward, GS. II, 44-45, mas traduzimos ãsava pelos "fluxos" e Buddha por "despeito"].
Depois de ter ensinado, despertado, incitado e reconfortado a assembléia falando-lhe o dhamma, entrei no estado de fogo, (51) e me elevei acima do solo à altura de sete palmeiras; após ter produzido uma chama que ardia e fumegava à altura de sete outras palmeiras, eu tomei a descer à sala dos Pinhões no Grande Bosque. [D. III, 27].
[51. Tejadhãtu samápajjítva. Tejas é o calor, o fogo, ou a energia ardente. Esta passagem parece provir de alguma lenda apresentando Buda como uma coluna de fogo].

2. ALGUMAS PROFECIAS ATRIBUÍDAS A GOTAMA
Houve um tempo, ó monges, em que êste monte Vipula levava o nome de Tortuoso: as pessoas daqui se chamavam Rohitassas, e a medida de sua vida era de trinta mil anos. Eram-lhes preciso três dias para escalar o monte Tortuoso e três dias que dêle tornar a descer. O venerável Konãgama tinha nesta época surgido no mundo e tinha por dois principais discípulos Bhiyyosa e Uttara: um belo par. Mas eis que o nome desta colina desapareceu, esta população morreu, e êste venerável atingiu o absoluto nirvâna. Tal é a impermanência, tal é o caráter efêmero, a pouca solidez de tudo o que é construído. Houve um tempo em que êste monte Vipula levava o nome de Linda Colina e a população daqui se chamava os Suppiyas, e a medida de sua vida era de vinte mil anos. Eram-lhes preciso dois dias para escalar o monte Linda Colina e dois dias para dêle tornar a descer. O venerável Kassapa tinha surgido no mundo nesta época, e tinha por dois principais discípulos Tissa e Bhãradvàja: um belo par. Mas eis que o nome desta colina desapareceu e esta população morreu, e o venerável atingiu o absoluto nirvâna. Tal é a impermanência, tal é o caráter efêmero, a pouca solidez de tudo o que é construído. E agora a êste monte Vipula vem de ser dado o nome de Vipula, e a esta população vem de ser dado o nome de Mãgadhis; a medida de sua vida é pequena, breve, efêmera, e aquêle que vive muito tempo, vive cem anos ou um pouco mais. As pessoas de Magadha escalam o monte Vipula em pouco tempo e dêle tomam a descer em pouco tempo. E eu surgi no mundo, o Perfeito, o totalmente Desperto. E por meus dois principais discípulos tenho Sariputta e Moggallãna: um belo par. Virá um tempo em que o nome desta colina desaparecerá e em que esta população morrerá, e eu atingirei o absoluto nirvâna. Tal é a impermanência, ó monges, tal é o caráter efêmero, a pouca solidez de tudo o que é construído. Tanto basta, ó monges, ser indiferente, ser impassível, ser livre a respeito de tudo o que é construído. [S. II, 191-193].
Outrora, ó monges, os Dãsarahas possuíam um tambor chamado o Convocador. Como começava a rachar, os Dãsarahas nêle cravavam sempre novas cavilhas: chegou o momento em que o tambor original do Convocador tinha desaparecido: só restava uma armadura de cavilhas. É assim, ó monges, que sucederá aos monges do futuro. Estes discursos pronunciados pelo Descobridor da Verdade, profundos, profundos de significação, falando de um outro mundo tratando do vácuo: êles não escutarão mais tais como são pronunciados, não prestarão atenção, não voltarão seus pensamentos para o profundo saber, e não sustentarão que êsses são ensinamentos dignos de ser estudados e possuídos. Mas os discursos, Ó monges, que são feitos pelos poetas, que pertencem à poesia, que são uma pluralidade de palavras e de expressões, que são estranhos. (52) que são as palavras de discípulos: eis o que êles ouvirão tais como são pronunciados e sustentarão que êsses são ensinamentos dignos de ser estudados e possuídos. É por esta razão que os discursos pronunciados pelo Descobridor da Verdade, profundos, de significação, falando de um outro mundo, tratando da vacuidade, acabarão por desaparecer. [S.II, 266-267]
Na época, ó monges, em que os homens viverem até a idade de oitenta mil anos, surgirá no mundo o Perfeito, o totalmente desperto, o senhor chamado Metteyra, (53) dotado de saber e de boa conduta, caminhando no bem, conhecendo os mundos, incomparável condutor de homens que devem ser domados, mestre dos devas e dos homens, o Desperto, o senhor - da mesma maneira que eu, no presente, surgi Prefeito, dotado de saber e de boa conduta, caminhando no bem, conhecendo os mundos, incomparável condutor de homens que devem ser domados, mestres dos devas e dos homens, o Desperto, o Senhor, Esse, pelo seu conhecimento superior, compreenderá e fará conhecer êste mundo com seus devas, seus Mãras, seus Brahmãs, esta criação com eremitas e brâmanes, com devas e homens, da mesma maneira que eu, no presente, pelo meu conhecimento superior, os compreendi e fiz conhecer. Ele ensinará o dhamma, êle proclamará o caminhar com Brahma, admirável no princípio, admirável no meio, admirável no fim, com sua finalidade e sua significação, completamente realizados, absolutamente puros como o faço no presente. Ele ficará à frente de uma ordem que- compreenderá vários milhares de religiosos, da mesma maneira que eu, no presente, estou à frente de uma ordem que- compreende várias centenas de religiosos. [D. III, 76]
[52. Isto é, exteriores ao ensinamento de Buda].
[53. Este nome significa “amizade”].
- Quem são êstes homens, Ãnanda, empenhados em construir uma cidade fortificada em Pãtaligãma?
- Sunidha e Vassakãra, senhor, principais ministros de Magadha, estão empenhados em construir uma cidade fortificada em Pãtaligãma para repelir os Vajiis.
- Fazendo, ó Ãnanda, como se êles o tivessem deliberado com os devas dos Trinta e três; é assim Ãnanda, que- Sunidha e Vassakãra, principais ministros do Magadha, constroem uma fortaleza em Pãtaligãma para repelir os Vajiis. Ora, eu, Ãnanda, levantando-me no fim desta noite, na proximidade da aurora, pela minha visão de deva purificado e superando a dos homens, vi muitas devatãs ocupando lugares em Pãtaligãma. Ora, em uma região em que poderosas devatãs ocupam lugares, elas inclinam o espírito dos reis poderosos e de seus principais ministros a construir aí habitações; em uma região em que as devatãs de [poder] médio- ocupam lugares, elas inclinam o espírito dos reis de [poder] médio e de seus principais ministros a construir aí habitações; em uma região em que as devatãs de [poder] medíocre ocupam lugares, elas inclinam o espírito dos reis de [poder] medíocre e de seus principais ministros, a construir aí habitações. O Ãnanda, tão longe como se [estende] a região ariana, tão longe como se estende o comércio, haverá agui uma cidade dominante, Pãtaliputta, (54) [ali onde havia] a ruptura das cápsulas de sementes. Mas, Ãnanda, três perigos ameaçarão Pãtaliputta: o do fogo, o da água, o das disputas intestinas”. [Vin. I, 228; Ud. 88; D. II, 87]
[54. A moderna Patna. Segundo Waddell (E. R. E., sub o. Patna) a árvore pãtali é a bignomia suaveolens. Uma tradição afirma que a aldeia de Pãtaligãma foi assim chamada porque os troncos de patali surgiram do solo no dia em que se fundou a aldeia; é ao que fazem alusão as palavras "a ruptura das cápsulas de sementes"].

3. O ARAHANT (55)
Eu o chamo homem sereno; indiferente aos desejos (56) Sem um único vinculo, êle transpôs a lama sórdida. Nem filhos, nem bois, nem campos, nem bens lhe pertencem; Nada encontra para tomar ou rejeitar. Desaparecidas a inveja e a aspereza para os lucros, o sábio não diz "alto nem "baixo", nem "igual"; não procura o tecido do tempo e nada tece. Aquêle que nada possui neste mundo, nem se aflige por perder, nem abraça uma opinião, êste merece ser chamado homem sereno. (57) [Sn. 857 - 858, 860 – 861].
[55. Homem de valor que se tomou perfeito].
[56. Kãma, traduzido em outro lugar por "prazeres dos sentidos"].
[57. E. M. Hare, Woven Cadences].
Aquêle, ó monges, em que a paixão não é abandonada, em que o ódio não é abandonado, em que a ilusão não é abandonada, é dito escravo de Mãra; os laços de Mãra o envolvem e suceder-lhe-á o que o Mau quiser. Aquêle, ó monges, em que a paixão é abandonada, é dito não escravo de Mãra; os laços de Mãra não o retêm, e não lhe acontecerá o que quer o Mau. Aquêle que a paixão, o ódio e a ignorância abandonaram Diz-se que êle realizou o Eu, Que êle se tomou Brahma, que êle é o Descobridor da Verdade, um Desperto, que passou ao lado do mêdo e do terror, um que tudo abandonou. [It. págs. 56-57].
"Aquêle do qual nem devas nem homens nem gandharvas não poderiam dizer os limites, o homem de valor purificado dos fluxos, é a êle que eu chamo um brâmane”. (58) [Sn. 644; Dh. 420].
[58. Cf. na passagem sôbre as opiniões justas e heresias].
Não se pode seguir a carreira dêstes monges que são homens de valor, em que os fluxos são destruídos, que viveram largamente, que fizeram o que havia a fazer, depositaram seu fardo, atingiram seu objetivo, destruíram completamente os obstáculos do porvir, e se libertaram no conhecimento correto e profundo. [M. I, 141].
Vêde, Upasiva, (responde).
Como a chama, projetada pela fôrça do vento,
Voa para seu fim, atinge o que ninguém
poderia contar, o sábio silencioso, liberto
do nome e forma, caminha para seu objetivo
e atinge os estados que ninguém poderia contar.
Saiba, Upasiva, (diz então)
que não se pode medir o homem
que atingiu o objetivo; não se poderia dizer
que sua medida é esta ou aquela; isto não se aplica.
Quando todas as condições são afastadas,
todos os modos de computar são afastados. (59) [Sn. 1074, 1076].
[59. E. M. Hare, Woven Cadences].

III. A ASCESE
1. A ASCESE E O PROGRESSO
Levantai-vos (da ociosidade) sentai-vos (em meditação).
Para que vos hão de servir os sonhos? Que sono existe para os aflitos,
varados, feridos por uma ponta?
Levantai-vos, erguei-vos.
Exercitai-vos depressa na tranqüilidade;
Que o rei da morte não vos encontre no orgulho, nem faça de vós papalvos e súditos.
Os desígnios pelos quais
devas e homens permanecem ligados,
passai por cima de tôdas as suas rêdes. Não deixai passar o "instante", (65)
pois o "instante" frustrado, nós o lamentamos,
encerrados no inferno Niraya.
A ociosidade é apenas poeira;
o gôsto da ociosidade é poeira; pelo zêlo, pelo saber,
retirai o aguilhão do eu.
[Sn. 331-334].
[65. Este "instante" é o Eterno Agora].
Pois bem, cabe a ti afligir-te (66)
Dhotaka (respondeu o Senhor),
Se tu és aqui prudente, atento,
uma vez que aqui mesmo aprendes o que é isto, prepara-te para o nirvâna do eu.
[Sn. 1062].
[66. a. Dh. 276, pág. 202].

Ativamente, Upasiva, busca
o estado do homem que nada é;
auxiliado pelo pensamento de que "nada é"
tu atravessarás a corrente; noite e dia
livre de desejos, as dúvidas dissipadas, tu verás cessar a apetência
Sim, Upasiva (diz em seguida)
Quem põe fim à paixão dos prazeres
ajudado pelo estado do homem que nada é,
livre de tudo, liberto na última
libertação dos sentidos, quererá permanecer
imutável, sem empecilhos, neste estado, (67)
[Sn. 1070, 1072].
[67. E. M. Hare, Woven Cadences].

A fé é a semente, a austeridade a chuva;
a sabedoria meu jugo e meu arado;
minha liteira é a modéstia, meu espírito a correia, e eu estou atento
à relha e ao aguilhão. Moderado em atos e palavras, temperado no comer,
eu limpo as ervas com a verdade; (68) plena de beatitude é minha libertação.
Da segurança contra a aflição se aproxima passo a passo
meu vigor, minha canga sob o jugo;
êle avança sempre, êle não recua: caminha
para o lugar onde não existe o sofrimento.
E é assim que a lavoura é lavrada
e dela resultará o fruto que não morre;
e aquêle que faz este trabalho com perfeição,
está liberto de todos os males (69)
[Sn. 77-80; S. I, 172].
[68. Ou: A Verdade é a colheita que eu faço a ceifa].
[69. E. M. Hare, Woven Cadences].
Ó monges, eu não louvo que se permaneça imóvel, e ainda muito menos que se decaia nos estados que são bons. Eu louvo, ó monges, o progresso nos estados que são bons, em lugar de aí permanecer imóvel, em lugar de aí decair. E como se pode aí decair em lugar de permanecer imóvel e de progredir? Tomai o caso de um monge que faz esforços na fé, nos hábitos morais, no entendimento da doutrina, na renúncia, na sabedoria, na eloqüência. Suponde que êstes bons estados não permanecem imóveis, mas não mais progridem nêle. Eis ai, monges o que eu chamo de cair nos estados que são bons, sem permanecer imóvel, sem progredir. E como se pode permanecer imóvel nos estados que são bons, sem decair, sem progredir? Tomai o caso de um monge que faz esforços nos estados já mencionados. Suponde que êstes estados não decaiam, mas não mais progridam nêle. Eis ai o que eu chamo permanecer imóvel nos estados que são bons, sem declínio, sem progresso. E como se pode progredir nos estados que são bons, sem permanecer imóvel, sem decair? Tomai o caso de um monge, que faz esforços na fé, nos hábitos morais, no entendimento da doutrina, na renúncia, na sabedoria, na eloqüência. Suponde que êstes estados não permanecem imóveis e não decaiam nêle. Eis ai, monges, o que eu chamo o progresso nos estados que são bons, sem permanecer imóvel, sem decair. Assim, ó monges, há um progresso nos estados que são bons, sem permanecer imóvel, sem decair. [A. v, 96].
Eu não digo, brâmane, que tudo deva ser cultivado: eu não digo também que tudo não seja cultivado. Se resulta do que foi cultivado que a fé aumenta, que os hábitos morais aumentam, que o saber aumenta, que a renúncia aumenta, que a sabedoria aumenta, eu digo que essa coisa deve ser cultivada. [M. II, 180].
Príncipe, existem cinco fatôres de esforço. Quais são? Eis um religioso de fé no Despertar do Descobridor da Verdade; êle pensa: "Em verdade, êste senhor é um Perfeito, um totalmente Desperto, dotado de saber e da boa conduta, caminhando no bem, conhecendo os mundos, incomparável, condutor dos homens que devem ser domados, mestre dos devas e dos homens, é o Desperto, é o Senhor". O religioso é sem doenças, sem indisposições; dotado de uma boa digestão que não é fria nem muito aquecida, mas média, favorável aos esforços. Ele não é nem velhaco nem enganador, mostra-se tal como é verdadeiramente a seu mestre ou a um companheiro inteligente no caminhar com Brahma. Segue seu caminho empregando energia para afastar os maus estados e para estabelecer bons; é fiel, poderoso no esforço, perseverante na busca dos estados que são bons. Chega a ser sábio, dotado de uma sabedoria que é ariana, do discernimento no que concerne à origem e ao término, e isto leva à destruição completa de todo o mal. Tais são, ó príncipe, os cinco fatôtes do esfôrço. Dotado dêstes cinco fatôres do esfôrço, o religioso que toma o Descobridor da Verdade por guia, que compreendeu pelo seu saber superior êste fim supremo do Caminhar com Brahma, para o qual os jovens têm razão de abandonar o lar e de se tomarem sem lar, êste religioso, afirmo, pode caminhar para o seu objetivo. [M. II, 95, 128].
Eu não digo, ó monges, que a obtenção do conhecimento profundo venha de uma vez; contudo ela vem por uma ascese progressiva, fazendo progressivamente o que há a fazer, por um curso progressivo. (77) A êste propósito, um homem que ao mesmo tempo se aproxima, vem muito perto; êle dá ouvidos, ouve o dhamma e o aprende de cor; examina o alcance das coisas assim aprendidas, está em êxtase a respeito delas; um forte desejo nêle surge, êle se anima, êle pesa o todo, se esforça como sua resolução é tomada, compreende em seu corpo a mais alta verdade; depois êle a penetra pela sabedoria, êle a vê. Eu vos exporei uma quádrupla proposição e vós compreendê-la-eis de meus lábios. Mesmo um mestre que dá importância a coisas materiais, que delas faz seu patrimônio, que vive associado a elas, mesmo êsse mestre não se o abordará por regateios, estipulando que seus adeptos farão ou não farão certas coisas segundo que elas lhe agradem ou não.. Conseqüentemente, como delas se trataria junto do Descobridor da Verdade que vive longe das coisas materiais? Para o discípulo que tem fé no ensinamento do Mestre, que é uníssono com seu ensinamento, será logo um princípio que "O Mestre é um senhor, eu sou um discípulo; o senhor sabe, eu não sei". Para um tal ser o ensinamento do Mestre será em pouco um auxiliar de seu desenvolvimento, uma fonte de fôrça. Para um tal ser será logo um princípio [pensar]: “Eu seria feliz de ser reduzido a pele, a tendões e a esqueleto, de ver a carne e o sangue do meu corpo se dissecarem, se se produzisse um turbilhão de energia para o que não foi ainda obtido pudesse ser obtido pela fôrça humana, pela energia humana”. [M. I, 497-481].
[77. Cf. Vin. II, 238].
Eu não digo que para cada um dos monges haja qualquer coisa a fazer pelo zêlo no domínio dos seis sentidos. Mas, de outra parte, eu não digo também que para cada um dos monges não haja qualquer coisa a fazer pelo zêlo no domínio. dos seis sentidos. Para aquêles que são tornados perfeitos, que fizeram o que havia afazer, que estão libertos com um conhecimento completo e profundo, para êsses eu digo que nada há a fazer pelo zêlo no domínio dos seis sentidos. Mas daqueles que ainda aprendem, esforçando-se diligentemente em obter a absoluta segurança contra a escravidão; dêsses eu digo que êles podem fazer qualquer coisa pelo zêlo no domínio dos seis sentidos. É por isso que, para cada um dos seis órgãos de sentidos, há dados que são deleitáveis ou repugnantes mas se bem que êles voltem muitas e muitas vêzes a impressionar o espírito, não é inevitável que êles dêle tomem posse nem que êles persistam. Se se consegue empregar uma energia inquebrantável estabelece-se uma atenção lúcida, o corpo está tranqüilo, sem perturbações, o espírito é contemplativo, e [concentrado] numa única direção. É por isso que eu, que constato êste fruto de zêlo, digo a respeito dêstes discípulos que êles podem fazer qualquer coisa pelo zêlo no domínio dos seis sentidos. [S. IV, 124-125; cf. M. I, 477].
Quando o nome e a forma (O número e o fenômeno) tiverem sido completamente compreendidos, então eu digo que lada mais resta a realizar. [S. II, 100; cf. S. IV, 124].
Ó monges há cinco temores para o futuro; contemplando- os o religioso sincero, ardente, resoluto, habitante da floresta, deve viver de modo a atingir o que não é atingido, a se tornar senhor do que não possui, a realizar o que não é realizado. Quais são os cinco temores? Tomai o caso de um religioso, habitante da floresta, que faz esta reflexão: "Eu estou agora inteiramente só na floresta, e enquanto vivo só na floresta uma serpente poderia-me morder, ou então um escorpião, ou então uma centopéia; e como eu poderia morrer, isto seria um obstáculo imprevisto. Vamos! Eu vou empregar energia para atingir o que não é atingido, para me tornar senhor do que não possuo, para realizar o que não é, realizado." Eis o primeiro temor. Ou então um religioso, habitante da floresta, faz esta reflexão: "Eu poderia tropeçar e cair: a comida que tomei poderia-me tornar doente; a bílis poderia-me dar convulsões; a fleuma pode-me sufocar; um vento lancinante no interior me sacudir; e como eu poderia morrer, isto seria um obstáculo imprevisto. Vamos! Eu vou empregar energia...para realizar o que não é realizado". Eis ai o segundo temor. Ou então faz esta reflexão: "Enquanto estou sozinho na floresta, posso encontrar animais selvagens: um leão, um tigre, um leopardo, um urso, uma hiena; êles poderiam-me privar da vida, e como eu poderia morrer, isto seria um obstáculo imprevisto. Vamos! Eu vou empregar energia... para realizar o que não é realizado". Eis ai o terceiro temor. Ou então faz esta reflexão: "Enquanto estou sOzinho na floresta, posso encontrar ladrões. Eles poderiam-me privar da vida, e como eu poderia morrer, isto seria um obstáculo imprevisto. Vamos! Eu vou empregar energia. .. para realizar o que não é realizado. Eis ai o quarto temor. Ou então, ó monges, um religioso, habitante da floresta, faz esta reflexão: "Estou agora inteiramente só na floresta, e há sêres não humanos, muito ferozes, na floresta; êles poderiam-me privar da vida, e como eu poderia morrer, isto seria um obstáculo imprevisto. Vamos! Eu vou empregar energia...para atingir o que não é atingido, para me tornar senhor do que não possuo, para realizar o que não é realizado". Eis ai, ó monges, o quinto temor para o futuro. Contemplando-os, o religioso sincero, ardente, resoluto, habitante da floresta, deve viver de modo a atingir o que não é atingido, a se tornar senhor do que não é possuído, a realizar o que não é realizado. [A. III, 100-102].
A contemplação da morte, ó monges, quando a realizamos, quando se faz grande caso, termina por ser de um grande fruto, de uma grande vantagem; há então a imersão no que não morre, a consumação do que não morre. Como assim? Tomai o caso de um religioso que no fim do dia, ao cair da noite, faz esta reflexão: "Numerosos em verdade são os riscos que eu corro de morrer. Uma serpente, um escorpião, uma centopéia poderia-me picar: se disto sucedesse que eu morresse seria um obstáculo imprevisto para mim. (84) Eu poderia tropeçar e cair; o alimento que tomei poderia-me adoecer; a bílis poderia me dar convulsões, a flegma poderia-me sufocar; um vento lancinante no interior me sacudir; ou ainda sêres humanos poderiam-me atacar; se isto sucedesse que eu morresse, isto seria um obstáculo imprevisto para mim".
[84 O Comentário explica: "no meu prosseguimento da Via"].
Ó monges, há cinco objetos que deve contemplar freqüentemente uma mulher, ou um homem, um membro de um lar ou aquêle que é saído (do lar para viver sem lar). Quais são êstes cinco objetos? Eu estou sujeito à velhice; eu não venci a velhice; isto deve ser contemplado freqüentem ente por uma mulher ou um homem, por um membro de um lar ou por aquêle que saiu do lar. Eu estou sujeito à doença; eu não venci a doença. Eu estou sujeito à morte; eu não venci a morte. Entre tudo o que me é próximo e me é caro, há a mutabiIidade, há a separação. Eu sou o resultado de meus próprios atos, herdeiro de atos; os atos são a matriz [que me trouxe], os atos são meu parentesco; os atos recaem sôbre mim; qualquer ato que eu realize, bom ou mau eu dêle herdarei. (85) Eis o que deve contemplar freqüentemente uma mulher ou um homem, o membro de um lar ou aquêle que saiu do lar. Ó monges, a que fim convêm que o pensamento "eu sou sujeito à velhice, eu não venci a velhice" seja freqüentemente meditado pelo homem, a mulher, o membro de um lar ou por aquêle que dêle saiu? Ó monges, na juventude dos sêres, há o orgulho da juventude; embriagados dêste orgulho êles vão fazendo o mal pelo" corpo, o mal pela palavra, o mal pelo pensamento. Aquêle que meditar freqüentemente neste assunto, tão forte como possa ser em sua juventude o orgulho da juventude, êste orgulho é completamente afastado ou ao menos diminuído. Ó monges, é a êste fim que convém que êste assunto seja meditado freqüentemente. Ó monges, a que fim convém que o pensamento: "Eu estou sujeito à doença; eu não venci a doença" seja meditado freqüentemente...(86) Ó monges, na saúde dos sêres há o orgulho da saúde; embriagados dêste orgulho, êles vão praticando o mal pelo corpo... pela palavra... pelo pensamento... Aquêle que me medita freqüentem ente sôbre êste assunto, tão forte como possa ser na saúde o orgulho da saúde, êste orgulho é completamente afastado ou ao menos diminuído. Ó monges, é a êste fim... etc. Ó monges, a que fim convém que o pensamento: "Eu estou sujeito à morte, eu não venci a morte", seja meditado freqüentemente? Ó monges, na vida dos sêres há o orgulho da vida: embriagados por êste orgulho, êles vão praticando o mal pelo corpo... pela palavra... pelo pensamento... Aquêle que medita freqüentemente neste assunto, tão forte como possa ser na vida o orgulho da vida, êste orgulho é completamente afastado ou ao menos diminuído. Ó monges, é a êste fim...Ó monges, a que fim, convém que o pensamento: "Entre tudo o que me é próximo e me é caro, há a mutabilidade, há a separação", seja freqüentemente meditado?.. Há, ó monges, entre os sêres um desejo apaixonado das pessoas e das coisas que são próximas e caras; embriagados desta paixão êles vão praticando o mal pelo corpo, a palavra e o pensamento. Aquêle que medita freqüentemente neste assunto, tão grande como possa ver seu desejo apaixonado daqueles que são caros, êste desejo é completamente afastado ou ao menos diminuído. Ó monges, a que fim convém que o pensamento: "Eu sou o resultado de meus próprios atos, eu tenho os atos por matriz, atos por parentesco; os atos recaem sobre mim, qualquer ato que eu realize, bom ou mau, dêle eu herdarei", seja freqüentemente meditado pela mulher ou pelo homem? Há, ó monges, entre os sêres uma prática do mal pelo corpo, uma prática do mal pela palavra, uma prática do mal pelo pensamento. Aquêle que medita freqüentemente neste assunto... a prática do mal é completamente afastada ou ao menos diminuída. Ó monges, é a êste fim que o pensamento: "Eu sou o resultado de meus próprios atos, o herdeiro dos atos. .. qualquer ato que eu cumpra, bom ou mau, dêle eu herdarei" deve ser freqüentemente meditado pela mulher ou pelo homem, pelo membro de um lar ou daquêle que saiu. Ó monges, o discípulo ariano faz esta reflexão: "Eu não sou o único que está sujeito à velhice, que não venceu a velhice; pois por tôda parte onde há idas e vindas, mortes ou nascimentos de sêres, todos os sêres são sujeitos à velhice; êles não venceram a velhice. Eu não Sou o único que está sujeito à doença... sujeito à morte... eu não sou o único para quem, entre tudo o que me é próximo e caro, há mutabilidade e separação... eu não sou o único que é o resultado de seus próprios atos... enquanto êle meditar freqüentemente neste assunto, o Caminho abrir-se-á este Caminho, êle o segue, êle o transforma, êle o desenvolve; e fazendo isto, os empecilhos (87) são rejeitados, as tendências (88) são afastadas.
Afetado destas coisas: doença, velhice e morte, como êles, assim como os homens - repugnante o pensamento ao [homem médio] seria inoportuno que eu tivesse aversão pelas criaturas que dêles são afetadas, embora eu mesmo leve minha vida não diferente da dêles. Enquanto eu vivia aqui, fiquei conhecendo o dhamma que não tem nenhum substrato. Eu que me orgulhava de saúde, juventude e vida, eu venci todo o orgulho, e com segurança contemplei. a renúncia. Em meus esforços para o nirvâna, a fôrça me veio. Jamais doravante poderei me entregar aos desejos dos sentidos. Eu me tornarei aquêle que não volta para trás, que segue seu caminho no caminhar com Brahma. [A. III, 71-75. (As estâncias se encontram em A. I, 147, com algumas lições diferentes)].
[85. Ver a seção dos “Atos e a da Transmigração”].
[86. O texto se repete in extenso como em tôdas as passagens análogas].
[87 D. II, 2,84 enumera os dez empecilhos da seguinte maneira: opinião errônea sôbre o que acompanha o corpo; crença na eficácia dos ritos e dos costumes; desejo dos prazeres sensuais, malevolência, desejo de (renascimento nos estados de) a forma, do informal, orgulho, agitação, ignorância].
[88 D. III, 254 enumera sete espécies: a paixão pelos desejos sensuais, a hostilidade, a falsa opinião, a dúvida, o orgulho, a paixão do porvir (do renascimento), a ignorância].
2. A FÉ
A fé é neste mundo a melhor riqueza do homem;
o dhamma seguido traz a felicidade;
a verdade é de uma doçura sem igual.
A vida sabiamente vivida é, diz-se, o melhor dos bens.
Pela fé nós atravessamos a torrente, pela sinceridade o mar
pelo vigor nós passamos o mal [sãos e salvos] pela sabedoria o mal é purificado.
Tendo esta fé que os homens de valor
podem atingir o refrescamento (93) por meio do dhamma,
aquêle que é sincero e desejoso de aprender
obterá ao mesmo tempo conhecimento e sabedoria. [Sn. 182, 184, 186].
[93. nibbãna].
Do mesmo modo que Vakkalin, Ãlavi - Gotama
e Bhãdravudha obtiveram pela fé
a libertação, pela fé tu também obterás
a libertação, e tu, Ó P'ngiya, tu irás
no além, do outro lado do reino da morte. (94) [Sn. 1146].
[94. E. M. Hare, Woven Cadences].
Ó monges, não há invasão do mal enquanto a fé é fixada nas coisas boas; mas se a fé desapareceu, a incredulidade se introduz e permanece; então há invasão do mal. Não há invasão do mal enquanto a boa vontade conscienciosa...o temor de ser censurado... a energia... a sabedoria é fixada sôbre as coisas boas; mas se a sabedoria desapareceu, a falta de sabedoria se introduz e permanece; então há invasão do mal. [A. III, 5].
Quase todos os sêres, ó monges, se deleitam com os prazeres dos sentidos; e do jovem que depôs a foice é o pingo, que saiu do lar para viver sem lar, é justo dizer: "é pela fé que êste jovem saiu". Por que isto? Os prazeres dos sentidos, ó monges, se experimentam na juventude: prazeres de tôdas as sortes. Além disso, ó monges, os prazeres baixos, os prazeres médios, os prazeres elevados, são todos simplesmente contados como prazeres dos sentidos. Monges, suponde que um menino, uma tôla criancinha, deitada de costas, enfia, pela negligência de sua ama de leite, um pedaço de madeira ou um eixo na bôca. Com que presteza extrema, ela se ocuparia logo para o retirar! E se ela não o conseguisse da primeira vez, passaria sua mão esquerda em volta da cabeça da criança, e com a mão direita, de um dedo recurvado, retiraria a pedra, mesmo ao risco de fazer correr o sangue. Por quê? Monge, é que um tal acidente é perigoso para a criança; eu vos asseguro que não é anódino. Além disso, ó monges, é o dever da ama de leite agir assim por amor, pelo bem da criança, por piedade, por compaixão. Mas quando êste menino tiver atingido idade e compreensão, ela não o vigiará mais, sabendo que êste menino é agora seu própria guardião, que cessou de ser negligente. Exatamente da mesma maneira, ó monges, enquanto as coisas boas a fazer não são feitas por êste religioso por feito da fé, da consciência, do temor de ser censurado, da energia e da sabedoria, é necessário que eu vele por êste monge mas quando as coisas boas são assim feitas, eu não me ocupo mais dêle sabendo que êste monge é seu próprio guardião, que cessou de ser negligente. (95) [A. III, 5].
[95. Tradução muito aproximada daquela do G. S. III, 4].

3. OS HÁBITOS MORAIS
Ãnanda, os bons hábitos morais têm a ausência de má consciência por fim e por resultado; a ausência de má consciência tem a deleitação por fim, e por resultado: a deleitação tem a alegria, a alegria tem a calma, a calma tem a comodidade; a comodidade tem a contemplação; (96) a contemplação tem o saber e a intuição do que realmente se produziu; o saber e a intuição do que realmente se produziu têm a impassibilidade que é devida ao desprêzo [do conhecimento empírico]; a impassibilidade devido ao desprêzo [do conhecimento empírico] têm o conhecimento e a intuição da libertação por fim e por resultado. É assim, ó Ãnanda, que os bons hábitos morais se encadeiam até o mais alto. [A. v, 2].
[96. Cf. adiante].
É somente de coisas sem importância, ó monges, de coisas insignificantes, de hábitos morais, que uma personalidade ordinária poderia falar fazendo o elogio do Descobridor da Verdade. Em seu elogio, êle diria por exemplo: "Renunciando à violência contra as criaturas, abstendo-se dela, o eremita Gotama vive como um homem que depositou o bastão e o gládio; é escrupuloso, bom, amigável, e compassivo por tudo o que respira, por tôdas as criaturas. Renunciando a tomar o que não é dado, abstendo-se disso, o eremita Gotama vive como um homem que só toma o que lhe é dado, que espera que se lhe dê; vive, não pelo furto, como um Eu tornado puro. (97). Renunciando à luxúria, o eremita Gotama, é casto, permanece longe da luxúria, abstém-se de ter relações com mulheres. Renunciando às palavras caluniosas, o eremita Gotama a delas se abstém: tendo ouvido qualquer coisa aqui êle não é homem de repeti-Io adiante para criar a discórdia; nem tendo ouvido qualquer coisa adiante, de repeti-Io aqui para criar a discórdia. Assim êle é o reconciliador das pessoas que não estão de acôrdo, êle aproxima os que são amigo. A concórdia é seu prazer, seu deleite, sua alegria; a concórdia é o móvel de sua palavra. Renunciando às palavras duras, Gotama delas se abstém. A palavra que é doce, agradável ao ouvido, afetuosa, que vai direita ao coração, que é cheia de urbanidade, de ameinidade, que é agradável às pessoas, eis aí a palavra que êle pronuncia.
[97. Cf. A. II, 221: "Como um Eu tornado Brahma"].
"Renunciando à tagarelice frívola, o eremita Gotama dela se abstém; êle fala no momento preciso, êle diz o que é, fala do objetivo, fala do dhamma, fala da disciplina; diz palavras dignas de serem conservadas, com comparações nos momentos precisos, palavras cheias de discernimento, com referência ao objetivo". Eis aí de que modo, ó monges, falaria um homem ordinário fazendo o elogio do Descobridor da Verdade. [D. I, 3-5].
Aquêle que ataca os sêres vivos, que diz mentiras,
toma o que não se lhe dá, se aproxima da mulher
de seu vizinho; aquêle que é dado às bebidas capitosas, aqui mesmo
neste mundo, cava na raiz do eu (98)
[Dh. 246-247].
[98. Mesma interpretação aproximada na tradução da Sra. Rhys Davids na Min. Anth, I].
Ó monges, a prática, a violência contra as criaturas, se se a continua, exercendo se se a realiza, se ela vos interessa muito, leva ao inferno, a uma matriz animal, ao reino dos mortos. O resultado muito desprezível da violência contra as criaturas, é que ela encurta a vida do homem, ó monges, o roubo, se se continua exercendo... leva ao inferno... O resultado muito desprezível é a perda dos bens. Ó monges, as concupiscências carnais, se se continuam exercendo, levam ao inferno... O resultado muito desprezível, é a rivalidade e o ódio de um outro. - Ó monges, a mentira, se se a pratica, leva ao inferno... O resultado muito desprezível, é a calúnia e a duplicidade. Ó monges, a maledicência, se se a pratica... leva ao inferno. O resultado muito desprezível é a ruptura- de tôdas as amizades. Ó monges, as palavras duras, se se as praticam... levam ao inferno... O resultado muito desprezível, é uma disputa desagradável. Ó monges, a tagarelice frívola, se se a pratica... leva ao inferno... O resultado muito desprezível é uma palavra que ninguém aceita. Ó monges, o uso de bebidas fortes, se se o pratica... se se realiza, se interessam muito levam ao inferno, a uma matriz animal, do reino dos mortos. O resultado muito desprezível do uso de bebidas fortes, é a loucura. [A. IV, 247].

4. O QUE SE DEVE FAZER, O QUE NÃO SE DEVE FAZER
Ãnanda, eu afirmo expressamente que a má conduta do corpo, da palavra e do pensamento é coisa que se deve evitar. Fazendo-se isto que se deveria evitar, pode-se esperar o seguinte perigo: certamente o Eu censura o eu; (99) os sábios tendo constatado (que o sujeito agiu mal), o censuram; uma má fama circula a seu respeito; êle morre no êrro; depois da decomposição de seu corpo, em seguida à morte, êle surge no deserto, no mau Destino, na Queda, no inferno do Niraya. Ãnanda, eu afirmo expressamente que a boa conduta do corpo, da palavra e do pensamento é coisa que deve ser adotada. Fazendo o que se deve adotar, pode-se esperar a seguinte vantagem: certamente o Eu não censura o eu; os sábios tendo constatado [que o sujeito agiu bem] o louvam; uma fama amável circula a seu respeito; êle não morre no êrro, depois da decomposição de seu corpo em seguida à morte êle surge no Bom Destino, no mundo celeste. Renunciai ao que é mau. É possível a êle renunciar. Se não fôsse possível renunciar ao que é mau, eu não diria "renunciai a êle." Mas porque é possível, eu digo: Renunciai ao que é mau”. Realizai o que é bom. É possível fazer realizar o que é bom. Se não fôsse possível realizar o que é bom, eu não diria "realizai o que é bom." Mas porque é possível, eu digo; Realizai o que é bom. [A. I, 57-58].
[99. Cf. A. v, 88. Por exemplo, quando Buda vê seu estômago se revoltar diante do resto de comida de que se lhe dá esmola, "o Eu censura o eu", J. I, 66. Nos casos dêste gênero, o "Eu" é análogo ao Daimon socrático (o Yakkha) búdico ou à nossa consciência"].
Rãhula, quando desejas realizar uma ação pelo corpo, a palavra e o pensamento, tu deves refletir: leva ela a prejudicar a si mesmo, a prejudicar a outrem, a prejudicar a si e a outrem? É ela errônea, produtora de mal, má em seu resultado? Se tu sabes que realmente a ação leva a se prejudicar ou a prejudicar a outrem, ou a si e a outrem, e que ela é errônea, então, Rãhula, uma ação como essa não deve, tanto quanto possível, ser cometida por ti. Tu deves dela te desviar, tu a deves confessar, revelá-Ia para dela te abster daí por diante. Mas se após a reflexão tu sabes que uma ação do corpo, da palavra ou do pensamento que tu desejas fazer não leva a se prejudicar, a prejudicar a outrem, ou a prejudicar a si e a outrem, e que ela é correta, produtora do bem, boa em seu resultado, então, Rãhula, uma ação como essa deve ser realizada por ti! Disto resultará que tu caminharás na alegria e no deleite, exercitando-se dia e noite nos estados dos que são corretos. [M. I, 415-417].

5. A MEDITAÇÃO E A CONTEMPLAÇÃO.
Ó monges, desembaraçando-se de seis coisas, toma-se capaz de entrar na primeira [etapa da] meditação (100) e aí permanecer. Quais são as seis coisas? O desejo dos prazeres sensuais, a malevolência, a preguiça e o torpor, a agitação e a preocupação, a dúvida; desde aí o perigo que ameaça entre os prazeres sensuais é nitidamente percebido pela sabedoria correta, tal como é. Ó monges, desembaraçando-se de uma [nova] série de seis coisas, toma-se capaz de penetrar na primeira [etapa-da] meditação. Quais são as seis coisas? A preocupação dos prazeres sensuais, da malevolência, da malignidade; a consciência dos prazeres sensuais, da malevolência, da malignidade. [A. III, 248].
[100. samãdhi].
Há na meditação, ó monges, quatro etapas. Quais são elas? Na primeira, ó monges, um religioso [que se mantém] acima dos prazeres dos sentidos, acima dos estados errôneos de espírito, penetra na primeira etapa da meditação e aí permanece; ela comporta a análise e o inquérito, ela nasce da posição superior [aos prazeres, etc.]; ela é êxtase e felicidade. Suprimindo a análise e o inquérito, com sua fé interior, o espírito concentrado e voltado numa única direção, êle penetra na segunda [etapa da] meditação e aí permanece; ela é sem análise e sem inquérito, ela nasce da contemplação; ela é êxtase e felicidade. O êxtase se atenuando, êle permanece indiferente, vigilante, pensativo, experimenta a comodidade do corpo, de tal modo que, penetrando na terceira [etapa da] meditação, aí permanece um ser do qual os arianos dizem: "Ele é indiferente, vigilante, permanece na comodidade". Desfazendo-se da felicidade, desfazendo-se do sofrimento, pela diminuição de suas antigas alegrias e dores, êle entra na quarta [etapa da] meditação, e aí permanece, ela é sem sofrimento e sem alegria; ela é a pureza absoluta da vigilância, que é diferente. Tais são, ó monges, as quatro [etapas da] meditação. Ó monges, da mesma maneira que o rio Ganges se dirige, desliza, e gravita para o Leste, da mesma maneira, ó monges, quem realiza as quatro [etapas] da meditação, torna-se aquêle que a aprecia, que se dirige, desliza e gravita para o nirvana.[S. v, 307-308].
Estas quatro [etapas da] meditação são chamadas a contemplação (101) correta. [S. v, 10].
[101. jhãna].
No momento, ó monges, em que o religioso, [se mantendo] acima dos prazeres sensuais atinge a primeira [etapa da] meditação, lhe vem êste pensamento: "Procurando refúgio contra o que é temível, eu permaneço agora unicamente no Eu e não tenho mais relação com Mãra". E a Mãra, o Mau, lhe vem também êste pensamento: "Este religioso que procura refúgio contra o que é temível, permanece agora unicamente no Eu, e não tem mais contactos comigo". E o mesmo se dá, ó monges, quando o religioso atinge a segunda, a terceira e a quarta [etapa da] meditação. No momento, ó monges, em que o religioso, passando completamente além da percepção da forma, abafando as percepções da repugnância, não prestando nenhuma atenção às percepções diversas, pensa: "O éter não tem fim", atinge a esfera do Éter infinito. Ó monges, êste religioso é chamado Aquêle que cegou Mãra, o Sem-traços, aquêle que tendo destruído a vista de Mãra marcha invisível ao Mau. No momento, ó monges, em que o religioso, passando completamente além da esfera do ter infinito, pensa: "A consciência não tem fim", atinge a esfera da consciência infinita. Passando completamente além desta, se êle pensa: "Nada existe", atinge a esfera do aniquilamento do eu. (102) Passando completamente além desta, atinge a esfera [onde não há] nem percepção nem não-percepção. Tendo passado completamente além desta, êle atinge a interrupção da percepção, do conhecimento, de sensação, e, porque êle viu com sabedoria, os fluxos são inteiramente destruídos. Ó monges, chama-se êste religioso. Aquêle que segou Mãra: sem traços, tendo destruído a vista de Mãra, marcha invisível ao Mau, e transpõe as cidades do mundo. [A. IV, 433; cf. M. I, 159-160].
[102. ou da "niilidade"].
Um dia, um monge entrou na sua cela, sentou-se observando o silêncio, e não quis ajudar os outros monges no momento em que era preciso se fazer roupas: o Mestre lhe perguntou a razão da sua atitude. "Eu faço, Senhor, o que tenho a fazer", respondeu êle. Então o Mestre tendo conhecido em seu espírito o espírito do monge, disse aos religiosos: Ó monges, não fiqueis irritados contra êste monge. É um [religioso] que obtém à vontade, sem dificuldade, sem- trabalho, as quatro [etapas] da meditação, que são moradas na beatitude dêste mundo e desde agora, e quem pertence ao espírito. Tendo realizado neste mundo e desde agora, pelo seu conhecimento superior direto, esta incomparável consumação do caminhar com Brahma, que é o objetivo pelo qual Os jovens têm razão de deixar o seu lar para viver sem lar, êle aí permanece. Nem aquêle que é dado ao relaxamento, nem aquêle que tem pouca força, poderia atingir o nirvâna, a libertação de todos os males. Mas êste jovem monge, êste homem excelente entre os homens, traz agora seu último corpo, tendo triunfado de Mãra e de seu séquito. [S. ll, 278].
Eu vos ensinarei o dhamma, ó brâmanes; escutai, estai atentos, eu falarei. Representai-vos quatro homens colocados nos quatro cantos da Terra, cada um dotado de uma velocidade extrema, de um extremo comprimento de passos, como a flecha que o arqueiro hábil, exercitado, destro, bom atirador, pode atirar fàcilmente através da sombra de uma palmeira: suponde-vos dotados de uma velocidade semelhante: e de um comprimento de passos como êste: [a distância] do mar ocidental ao mar oriental. Imaginai que aquêle que se mantém no quadrante Leste [da terra] fala assim: "A fôrça de caminhar eu atingirei o fim do mundo." Mesmo se a duração da vida humana fôsse de cem anos, mesmo se êle vivesse cem anos, se êle caminhasse durante cem anos - exceto para comer, beber, trincar, mastigar, satisfazer as necessidades naturais e dissigar a fadiga descansando - êle morreria antes de ter atingido o fim do mundo. Imaginai que aquêle que se mantém no quadrante Oeste... ao quadrante Norte... ao quadrante Sul dizem igualmente... êles poderiam caminhar cem anos - exceto para comer, etc...- êles morreriam antes de ter atingido o fim do mundo. Por quê? Ó brâmane, eu não digo que uma tal viagem permita alcançar, ver atingir o fim do mundo; e portanto, eu afirmo, ó brâmanes, que sem atingir o fim do mundo não se poderia pôr fim ao sofrimento. Ó brâmanes, as cinco meadas de prazeres sensuais, são chamadas "mundo", na disciplina ariana. Quais são? São as formas perceptíveis pelo ôlho, desejadas, sedutoras, agradáveis, amáveis, ligadas aos prazeres dos sentidos, causando excitação; os sons perceptíveis pela orelha, os cheiros perceptíveis pelo nariz, os sabores perceptíveis pela língua, as coisas tocadas perceptíveis pelo corpo, desejadas, sedutoras, agradáveis, amáveis, ligadas aos prazeres dos sentidos, causando excitação. Ora, considerando um monge, ó brâmanes, que se mantendo acima dos prazeres dos sentidos, atingiu a primeira [etapa da] meditação e aí permanece. Diz-se que êle atingiu o fim do mundo, que êle aí permanece. Alguns dizem dêle: "Ele está ainda ligado ao mundo: êle ainda não deixou o mundo". Eu também digo: "Esse está ainda ligado ao mundo, êle ainda não deixou o mundo." Considerai ainda um monge, ó brâmanes, que penetra na segunda, na terceira, na quarta [etapa da] meditação e aí permanece, na esfera do éter infinito, a esfera da consciências infinida, da nülidade, do nem-perceber nem não-perceber. Em cada um dêstes casos diz-se que êste foi ao fim do mundo, que êle permanece no fim do mundo. Alguns dizem dêle... (como acima). Eu também digo: "esse está ainda ligado ao mundo, êle ainda não deixou o mundo". Mas, ó brâmanes, eis um monge, que passando inteiramente além da esfera do nem-perceber nem não-perceber, entra na interrupção da percepção e aí permanece, conhecendo o sentido; no que viu, pela sabedoria, que os fluxos são cedo inteiramente destruídos. Brâmanes, diz-se dêste monge que "tendo chegado ao fim do mundo, êle pennanece no fim do mundo, que transpôs as armadilhas do mundo." (103) [A. IV, 429-432].
[103. Quase a mesma tradução é dada por E. M. Rare, G. S; r 288-291].
Ó monges, eu vos ensinarei a realizar a correta contemplação ariana em cinco artigos. Escutai com cuidado, prestai atenção, e eu falarei. Quais são os cinco artigos? Ó monges, tomai o caso de um religioso que, afastado dos prazeres dos sentidos, afastado dos estados de espírito errôneos, penetra na primeira [etapa da] meditação e aí permanece, aquela que comporta a análise e o inquérito, que é o zêlo e a comodidade nascidos do afastamento. Ele embebe, impregna, enche, penetra êste corpo mesmo do zêlo e da comodidade que são nascidos do afastamento, de modo que não há parte de todo o seu corpo que não seja penetrada do zêlo e da comodidade que nascem do afastamento. Ó monges, da mesma maneira que um banhista hábil, ou seu aprendiz, tendo espalhado o pó do banho num vaso de bronze poderia aí verter pouco a pouco a água, de modo que a bôlha do sabão absorvendo a umidade, bebendo a umidade, se penetraria de parte em parte de umidade sem delas deixar escorrer gôtas: também, Ó monges, o religioso embebe, impregna, enche, penetra êste corpo mesmo do zêlo e da comodidade nascido do afastamento. Isto, ó monges é o primeiro modo de realizar a correta contemplação ariana em cinco artigos. Em seguida, ó monges, um religioso suprimindo a análise e o inquérito, possuindo a fé interior, o espírito concentrado num único ponto, sem análise, sem inquérito, penetra na segunda [etapa da] meditação e aí permanece, aquela que é o zêlo e a comodidade nascidos da contemplação. Ele embebe, impregna, enche, penetra o próprio corpo... do zêlo e da comodidade nascidos da contemplação. Ó monges, da mesma maneira que um lago que tem uma fonte, mas nenhuma adutora de água nem a Leste nem a Oeste, nem ao Norte nem ao Sul, e na qual o deva [da chuva] não faz cair aguaceiros de vez em quando, entretanto pelo fato que águas frescas brotam neste lago, o lago estaria de tal modo molhado, impregnado, cheio, penetrado de água fresca que nenhuma parte do tanque inteiro não penetrada de água fresca, do mesmo modo! Ó monges, o religioso embebe, impregna, enche, e penetra êste corpo mesmo do zêlo e da comodidade nascidos da contemplação, de modo que não há nenhuma parte do corpo inteiro que não seja penetrada do zêlo e da comodidade nascido da contemplação. E em seguida, ó monges, o religioso, o zêlo se amenizando, permanece indiferente, vigilante, senhor de si, experimenta esta comodidade do corpo que faz dizer aos homens que aquêle é indiferente, vigilante, que permanece na comodidade; e êle penetra na terceira [etapa da] meditação. Ele embebe, impregna, enche, penetra êste mesmo corpo de uma comodidade que é sem zêlo, de modo que não há nenhuma: desta parte do corpo inteiro que não seja penetrada desta comodidade sem zêlo. Ó monges, da mesma maneira que em um lago de lotos vermelhos, em um lago de lotos azuis, em um lago de lotos brancos, alguns lotos de cada lago são nascidos na água, crescem na áglla, sem jamais se elevar acima da água, mas, florescendo embaixo, são embebidos, impregnados, cheios, penetrados desde a raiz até a extremidade [do talo] pela água fresca, de modo que não há nenhuma parte de todos êstes lotos vermelhos, azuis e brancos que não seja penetrada de água fresca; da mesma maneira, ó monges, o religioso embebe, impregna, enche e penetra êste corpo mesmo da comodidade que é sem zêlo, de modo que não há nenhuma parte do corpo inteiro que não seja penetrada desta comodidade sem zêlo. Em seguida, ó monges, o religioso se desfazendo da comodidade, desfazendo-se do mal, pela diminuição de suas antigas alegrias e dores, penetra na quarta [etapa da] meditação que sendo sem comodidade, sem mal, é a absoluta pureza da indiferença e da vigilância. Quando, tendo penetrado êste corpo mesmo de um espírito que é purificado e limpo, retoma seu lugar, não tem nenhuma parte de seu corpo inteiro que não seja penetrada de um espírito purificado e limpo.
Como no caso de um homem que se sentasse, tendo revestido mesmo a cabeça de um pano branco, não haveria nenhuma parte de seu corpo inteiro não penetrada do pano branco; da mesma maneira, ó monges, o religioso, tendo penetrado êste corpo mesmo de um espírito que é purificado e limpo, quando retoma seu lugar, não há nenhuma parte de seu corpo inteiro que não seja penetrada por um espírito purificado e limpo. Em seguida, ó monges, um objeto a considerar é em breve corretamente escolhido pelo religioso; corretamente estudado, corretamente meditado, corretamente penetrado de sabedoria. Ó monges, é como se considerasse uma outra pessoa: como um homem em pé consideraria um homem sentado, como um homem sentado consideraria um homem deitado; da mesma maneira, ó monges, um objeto a considerar será logo... penetrado de sabedoria. Isto, ó monges, é o quinto modo de realizar a correta contemplação ariana em cinco artigos. Ó monges, quando o religioso a realizou e se empenhou na correta contemplação ariana em cinco artigos, êle inclina seu espírito para a realização pelo seu conhecimento superior, do estado qualquer que deve ser realizado pelo conhecimento superior, de modo que, em cada caso, chega a testemunhar tal ou tal faculdade...
Assim, se êle tem êste desejo: "Possa eu, de um que sou, me tornar muitos: de muitos que sou, tornar-me um", (100) em cada caso, chega a testemunhar tal ou tal faculdade.. . Se tem êste desejo: "Possa eu pelo meu espírito ter conhecimento de outras coisas, de outros homens, de espíritos apaixonados como tais; de espíritos sem paixão, como tais; de espíritos odiosos como tais; de espíritos sem ódio como tais; de espíritos estúpidos como tais; estúpidos sem estupidez como tais; espíritos congestionados como tais; espíritos difusos como tais; espíritos liberais como tais; espíritos sem liberalidade como tais; espiritos inferiores como tais; espíritos não inferiores como tais; espíritos contemplativos como tais; espíritos não contemplativos como tais; espíritos libertos como tais; espíritos não libertos como tais; em cada caso a testemunhar tal ou tal faculdade. Se tens êste desejo: "Possa eu me lembrar muitas diversas moradas anteriores, tais é, em um nascimento... e morrendo lá eu surja de nôvo aqui (107)"; em cada caso, chega a testemunhar tal ou tal faculdade. Se tem êste desejo: "Possa eu ver os sêres pela vista dos devas, que é purificado e que supera a dos homens. . ." .. êsses, quando a dissolução do corpo, surgem no Bom Destino, no mundo celeste"; em cada caso chega a testemunhar tal ou tal faculdade. Se tem êste desejo: "Possa eu, pela destruição dos fluxos, tendo realizado neste e desde agora, pelo próprio conhecimento superior a liberdade do espírito, a liberdade da sabedoria que são sem fluxo, possa eu permanecer nêles"; em cada caso chega a testemunhar tal ou tal faculdade. [A. III, 25-29].
[106. Como pág. 125, seção das Maravilhas].
[107. Cf. seção da Transcendência].

6. NÃO SE FIAR NOS RUMÔRES
Escuta, Kalãmas. (108) Não sêde enganados. pelo que é relação, tradição ou rumôres. Não sêde enganados pela posse (oral) das compliações. (109) nem pelas simples lógica e dedução, nem após ter considerado as razões, nem após ter refletido sôbre uma opinião e a ter aprovado, nem porque ela convém ao porvir, nem porque o eremita [do qual é a opinião] é o vosso mestre. Mas quando souberdes por vós mesmos: "Estas coisas não são boas, estas coisas são errôneas, estas coisas são condenadas pelas pessoas inteligentes, estas coisas executadas ou compreendidas, levam a perdas e a dores", então rejeitai-as. [A, I, 189: II, 191].
[108. No A. II, 191, o conselho é dado a Bhaddiya].
[109. Pitaka: os “cestos de adágios sôbre Dhamma (Sutta-pitaka), sôbre a disciplina (Vinayapitaka), sôbre o Dhamma Anterior (abhi-dhamma pitaka)”].
Ó monges, eu vos farei conhecer as quatro grandes autoridades. Escutai, prestai bem atenção, e eu falarei. Ó monges, quais são as quatro grandes autoridades? Aqui, ó monges errantes, um brâmane (110) diz isto: "face a face com o Senhor, Venerável, eu o ouvi: face a face com êle eu o recebi. É o dhamma, é a disciplina, é o ensinamento do Mestre". Ora, as palavras dêste religioso não são -nem a acolher nem a desprezar; é necessário examiná-Ias de perto, justapô-Ias aos discursos, compará-Ias à disciplina. Se elas não estão em conformidade e de acôrdo, vós deveis disto tirar esta conclusão: "Certamente não é a palavra dêste senhor, do Perfeito, do totalmente Desperto; ela foi mal compreendida por êste religioso". Portanto rejeitai-a. Mas se as palavras dêste religioso estão em conformidade e de acôrdo com os discursos e a disciplina, vós dela tirareis esta conclusão: "Certamente é bem a palavra dêste Senhor, ela foi corretamente compreendida por êste religioso". Guardai isto no espírito, é a primeira grande autoridade. Ou ainda um religioso poderia dizer: "Em tal e tal habitação reside uma ordem de monges com um ancião que é dela o chefe. Face a face com esta ordem, eu o ouvi...", etc... Guardai isto no espírito, é a segunda grande autoridade. Ou ainda um religioso poderia dizer: "Em tal ou tal habitação reside um grupo de monges idosos que muito ouviram, a quem a tradição foi transmitida, que são versados em dhamma, versados em disciplina, versados nos Sumários, Face a face com êstes monges idosos, eu os ouvi..." vós disto tirareis a conclusão que tal era bem a palavra dêste Senhor e que ela foi corretamente compreendida por êstes anciãos. Guardai isto no espírito, é a terceira grande autoridade. Ou ainda um religioso poderia dizer: "Em tal e tal habitação reside um monge idoso, solitário, que muito ouviu, a quem a tradição foi transmitida, que é versado em dhamma, versado em disciplina, versado nos Sumários. Face a face com êste ancião, eu o ouvi..." Mas se as palavras dêste ancião estão em conformidade e de acôrdo com os Discursos e a disciplina, vós tirareis a seguinte conclusão: "Certamente é a palavra dêste senhor, do Perfeito, do totalmente Desperto, e ela foi corretamente compreendida por êste ancião. Guardai isto no espírito, ó monges; é a quarta grande autoridade. [A. II, 167-170; D. II, 124-126].
[110. O budismo em seus primórdios conservou a palavra brâmane, dando-lhe a acepção de “excelente”, “o melhor”, O comentário. (AA. Ill. 61) o explica nesta passagem por khinãsava, aquêle cujos fluxos estão “destroídos”, o que equivale a arahany homem de valor, Um Perfeito].

IV. RELAÇÕES COM O PRÓXIMO
1. OPINIÕES CORRETAS E HERESIAS
Em verdade, a Verdade é uma, não há uma outra. [Sn.884].
Esta liberdade (do conhecimento da destruição de todo o mal), baseada na verdade termina por ser inabalável. Aqui- lo é falsidade que é por natureza falsa. Aquilo é verdade que não é falsa por natureza, que é nirvana. Isto, ó monges, é a mais alta verdade dos arianos: é dizer o que não é falso por natureza, o que é nirvana. [M. III, 245].
O nirvana não é da natureza da falsidade: eis o que os arianos conhecem por verdade. [Sn. 758].
Ó monges errantes! As quatro verdades bramânicas, eu as fiz conhecer após tê-Ias realizado pelo meu próprio conhecimento superior. Quais são elas? Aqui, ó monges, um religioso poderia dizer: "Não se deve fazer mal a nenhum ser vivo". Falando isto o brâmane diz uma verdade e não uma falsidade. Ele não pensa, dizendo isto, no "eremita" ou no "brâmane"; êle não se diz "Eu sou melhor, ou igual ou inferior. (111) Além disso, compreendendo plenamente esta verdade, êle se torna um ser que caminha cheio de piedade e de compaixão para com as criaturas" Ou ainda, ó monges errantes, um brâmane diz isto: "Todos os prazeres dos sentidos são impermanentes, maus, sujeitos a mutação". Falando assim, o brâmane diz uma verdade, não uma falsidade; isto dizendo êle não pensa...etc. Além disso, compreendendo plenamente esta verdade, êle se torna um ser que caminha para a indiferença, para a impassibilidade em relação aos prazeres dos sentidos, e [disposto] a neles por t^rrmo. Ou ainda, ó monges errantes, um brâmane diz isto: "Todos os porvires são impermanentes, maus, sujeitos à mudança". Falando assim, o brâmane diz uma verdade, não uma falsidade; dizendo isto êle não pensa...etc. Além disso, compreendendo plenamente esta verdade êle se torna um ser que caminha para a indiferença, para a impassibilidade em relação aos porvires, [disposto] a nêles pôr têrmo. Ou ainda, ó monges errantes, um brâmane, diz isto: "Eu não sou nada de ninguém, em parte nenhuma; não há em parte nenhuma, nada [que seja] meu". Falando assim, o brâmane diz uma verdade, não uma falsidade. Isto dizendo êle não pensa "eremita" “brâmane" [êle não se diz] "eu sou melhor, igual ou inferior". Além disso, compreendendo plenamente esta verdade, êle se torna um ser que caminha para a prática do aniquilamento do eu. Tais são, ó monges errantes, as quatro verdades bramânicas que eu fiz conhecer, após tê-Ias realizado pelo meu próprio conhecimento superior. [A. II, 176-177].
[111. Cf. 143 e segs].
Ó monges, há seis ordens de fatos que é preciso conservar presentes ao espírito; êles causam a afeição, causam o respeito, êles levam à harmonia, à ausência de rivalidade, à concórdia, à unidade. Quais são? Se os atos do corpo de um religioso são devidos ao amor para os seus companheiros de jornada com Brahma. tanto em público como particularmente (112) é uma ordem de fatos que é preciso conservar presentes ao espírito, que levam a... etc. Se os atos em palavras de um religioso são devidos ao amor... Se os atos em pensamento são devidos ao amor... Sejam ainda estas aquisições legítimas, legitimamente adquiridas, quando não fosse que pelo que foi depositado na tigela de esmolas: se o religioso se põe a repartir estas aquisições, a aproveitá-Ias em público e em particular com seus companheiros de jornada com Brahma, que tem o hábito moral, isto igualmente é uma ordem de fatos... etc. que levam...à unidade. Sejam ainda êstes hábitos morais que são sem lacunas, sem defeitos, sem mácula, sem censuras, libertadores, louvados pelos sêres inteligentes, sem obscurecimento, que favorecem a contemplação; se um religioso vive dotado dêstes hábitos na sociedade de seus companheiros de jornada com Brahma, tanto em público como em particular, isto é igualmente uma ordem de fatos... etc. Ou ainda, tudo que é opinião [correta] ariana, salvadora, que leva aquêle que a mantém à total destruição do mal: se um religioso vive dotado destas opiniões perante seus companheiros de jornada com Brahma, tanto em público como em particular, isto igualmente é uma ordem de fatos que é neces- sário ter presente ao espírito; que causam a afeição, que causam o respeito e que levam à harmonia, à ausência de rivalidade, à concórdia e à unidade. Tais são, ó monges, as seis ordens de fatos que é necessário conservar presentes ao espírito... e que conduzem... à unidade. Destas seis ordens de fatos que se devem conservar presentes ao espírito esta é a principal, esta é o rome, esta é a cúpula: isto é a opinião que é ariana, salvadora, e que leva aquêle que a mantém à total destruição do mal. Ó monges, como no caso de uma casa com seu acabamento êste é o seu principal, êste é o cume, êste é a cúpula, ou seja, o acabamento; pois destas seis ordens de fatos que é preciso conservar ao espírito, esta é a principal, esta é o cume, esta é a cúpula: a saber, a opinião que é ariana, salvadora, que leva aquêle que a mantém à total destruição do mal. [M. I, 322; cf. A. III 289; D. III, 245].
[112 M. A. II, 395: “Tanto diante dêles como diante dos outros”].
Ó chefe de família Quais são os três modos de caminhar no dhamma, de caminhar na igualdade por meio do espírito? É caso em que um homem se torna livre de inveja, nao mais inveja o bem do vizinho, não mais se diz: "Se isto que pertence a outrem fôsse meu!" A característica de seu espírito torna-se benevolente, seus desígnios não são malevolentes; êle pensa: "Possam êstes sêres, livres de hostilidade, livres de opressão, na segurança, na comodidade, tomar cuidado como o eu". A opinião correta torna-se uma vista não pervertida [que inspira êstes pensamentos]: "Há esmolas, há o sacrifício, há a ablação, há o fruto e o resultado dos atos bons e dos atos maus, há êste mundo, há o mundo do além, há a mãe, há o pai, há a geração espontânea dos sêres, há eremitas e brâmanes que caminham e vivem na igualdade, e que tendo compreendido êste mundo e o mundo do além, pelo seu próprio conhecimento superior, os fazem conhecer". [M. I, 288; cf. A. v, 267].
Se bem que não encarando diretamente o surgir e a interrupção da consciência, nem a via que leva à interrupção da consciência, é essa a razão da infinita diversidade de opiniões (113) que surgem no mundo: por exemplo, que o mundo "é eterno" ou "não é eterno"; que o corpo "é a vida" ou "é outra coisa que a vida"; que um "Descobridor da Verdade" "continua após a morte"; ou "não continua" ou "continua ao mesmo tempo que não continua", ou "nem continua nem não continua". [S. III, 262-263].
[113. As opiniões dos filósofos, ou melhor, dos sofistas, das quais nenhuma é adotada por Buda. Perante tôdas as alternativas, ele ensina um caminho do Meio].
Ó monges, eu não discuto com o mundo, mas o mundo discute comigo. Nenhum homem que professa o dhamma, ó monges, não discute com o mundo. Lá onde os sábios do mundo estão de acôrdo para dizer: "Isto não é", eu também digo, ó monges: "Isto não é". Lá onde os sábios do mundo estão de acôrdo para dizer: "Isto é", eu digo também, ó monges: "Isto é". E qual é esta coisa da qual os sábios do mundo estão de acôrdo para dizer: "Isto não é", e da qual eu digo. "Isto não é"? É que a forma material é permanente, estável, eterna, não sujeita à mudança: os sábios do mundo estão de acordo que isto não é, e eu digo também que isto não é. Da mesma maneira para o sentimento, a percepção, as construções, a consciência. E qual é, ó monges, esta coisa da qual os sábios do mundo estão de acôrdo para dizer: "Isto é" da qual eu digo "Isto é"? É que a forma material está sujeita à impermanência, ao sofrimento, à mudança; os sábios do mundo estão de acôrdo em dizer "isto é" e eu -também digo "isto é." O mesmo se dá com a sensação... a consciência. Há neste mundo, uma condição do mundo que um Descobridor da Verdade compreende a fundo, capta a fundo; e quando êle a compreendeu e a captou fundo, êle a proclama, a ensina, a promulga, a estabelece, a abre, a analisa e a torna clara. A forma material é uma destas condições do mundo; tal é também a sensação, tal a percepção, tais são as construções, tal é a consciência. Se êle é um homem que, ouvindo, proclamar, ensinar, promulgar, estabelecer, abrir, analisar e tornar claro isto, não o sabe, não o vê, êsse, ó monges, é um homem ignorante, comum, cego, sem vista, que não quer nem saber nem ver: e não faço dêle caso. Ó monges, da mesma maneira que um loto azul, vermelho ou branco, se bem que nascido na água, tendo mergulhado na água, surge atingindo a superfície sem ser maculado pela água, também um Descobridor da Verdade, embora tendo crescido no mundo, (114) supera o mundo e vive não maculado pelo mundo. [S. III, 138-140]
[114. Aqui as palavras "nascido no mundo" não se encontram como no extrato de A. II, 38-39].
[Um brâmane conta a Gotoma que outrora um jovem brâmane, chamado Sonakãyana, lhe diz:] "O eremita Gotama dá por regra uma interdição a respeito de todos os atos. Mas dando esta regra, êle anuncia o aniquilamento do mundo, pois a verdade sôbre os atos, é que o mundo dura graças aos atos". - "Mas eu, ó brâmane, eu não conheço mesmo de vista êste jovem brâmane Sonakayana. Então de onde tira êle êste propósito (que me atribui)?”[A. II, 232].
Ó brâmanes chefes de família já que não tendes mestre favorito, deveríeis empreender e praticar êste impecável dhamma. Qual é? Há, ó chefes de família, eremitas e brâmanes, que falam desta maneira, que sustentam esta opinião: "Não há esmolas, sacrificios, nem oblações; não há frutos dos atos bons nem maus, não há o mundo presente, não há o mundo do além, não há pai nem mãe, não há geração espontânea dos sêres, não há no mundo eremitas ou brâmanes que caminham e vivem "igualmente"; nem que, tendo compreendido êste mundo e o mundo do além pelo seu próprio saber superior, os declaram". Mas outros dizem exatamente o contrário dêstes e declaram que tudo isso existe. Dos que sustentam a primeira série de opiniões pode-se esperar isto: tendo rejeitado as três boas condições - a conduta correta do corpo, da palavra e do pensamento - êles adotam e praticam as três más condições: a conduta errônea do corpo, da palavra e do pensamento. Estes eremitas e brâmanes não vêem o perigo, a grosseria, corrupção das condições más, nem a vantagem que teriam em renunciar a elas a favor das boas condições, o que seria qualquer coisa como uma purificação. Mas, uma vez que de fato existe um mundo além, se um homem pensa: "Não há mundo do além", se esta é sua opinião, é uma opinião errônea. Já que de fato existe um mundo do além, se êle decide: "Não no mundo do além", é uma, decisão errônea. Uma vez que de fato... etc., êle pronuncia estas palavras: "Não há mundo do além", são palavras errôneas. Uma vez que de fato..., diz: "Não há mundo do além" êle contradiz os Perfeitos que conhecem o mundo do além. Uma vez que de fato... se êle persuade a outrem que; não há mundo do além, esta persuasão não pertence ao dhamma correto e por esta persuasão que não pertence ao dhamma correto, êle se exalta a si mesmo e despreza os outros. É como se sua antiga boa conduta fôsse destruída e substituída pela má conduta. E esta falsa opinião, falsa decisão, falsa palavra, esta contradição [oposta] aos arianos, esta persuasão que não pertence ao dhamma correto, esta exaltação de si mesmo, êste desprêzo dos outros, todos, êstes diversos estados errôneos tomam nascimento decorrente da falsa opinião. Tomai o caso em que um homem inteligente faz esta reflexão: "Se não há mundo do além, êste digno indivíduo! tomará o seu eu por garantia quando seu corpo se decompor; é mas se há um mundo do além quando seu corpo se decompor após sua morte, êle reviverá na Queda o Mau Destino, o Abismo, o Inferno. Se se diz que não há mundo do além e se é o dogma verdadeiro dêstes eremitas e brâmanes, então nosso indivíduo se encontra neste mundo e desde agora condenado pelos homens inteligentes que o declaram errôneo em seu hábito moral, errôneo em suas opiniões, e negador. Se há um mundo do além, nosso indivíduo perde sôbre os dois tablados, pois êle é condenado neste mundo e desde agora pelos homens inteligentes e quando da decomposição de seu corpo após a morte êle ressurgirá na Queda, no Mau Destino, no Abismo, no Inferno. Assim o impecável dhamma é por êle mal adotado e mal praticado; êle dêle só tocou um lado, êle negligencia a ocasião do bem. Mas dêstes eremitas e brâmames que dizem: "Existem as esmolas, os sacrifícios e as oblações, existe o fruto dos atos bons e maus, existe êste mundo, existe o mundo do além, exisae pai e mãe, existe a geração espontânea, existem eremitas e brâmanes que caminham e vivem "igualmente" e que tendo compreendido êste mundo e o mundo do além pelo seu próprio saber superior os declaram"; nêsses pode-se esperar que tendo rejeitado as três condições más: a má conduta do corpo, da palavra e do pensamento, êles adotarão e praticarão as três condições boas; a boa conduta do corpo, da palavra e do pensamento. Qual é a razão disto? é que êstes eremitas e brâmanes vêem o perigo, a grosseria e a corrupção das condições más e a vantagem que êles têm de a êles renunciar a favor das condições, o que será qualquer coisa como uma purificação. Atendendo que existe de fato um mundo do além, se [nosso sujeito] pensa: "Existe o mundo do além", se esta é ;" a sua opinião é uma opinião correta... uma decisão correta... uma palavra correta. Atendendo que existe de fato um mundo do além, se êle diz: "Existe um mundo do além", êle não contradiz os Pedeitos que conhecem o mundo do além. Atendendo que existe de fato um mundo do além, se êle persuade a outrem que existe o mundo do além, essa persuasão pertence ao dhamma correto, e por esta persuasão que pertence ao dhamma correto, êle nem se exalta a si mesmo, nem desacredita aos outros. É como se sua antiga má conduta fôsse destruída e substituída pela boa conduta. E esta opinião, decisão e palavra correta, esta não-contradição dos arianos, esta persuasão que pertence ao dhamma correto, esta não-exaltação de si mesmo, esta não-crítica dos outros, tôdas essas diversas boas condições tomam nascimento decorrentes da opinião correta. Tomai o caso em que um homem inteligente faz esta reflexão: Se existe um mundo do além, êste digno indivíduo, quando da decomposição do seu corpo após a morte vai viver em um bom Destino, num mundo celeste. Se se diz que o mundo do além existe e se êste dogma dos eremitas e brâmanes é a verdade, nosso indivíduo se encontra neste mundo e desde agora glorificado pelos homens inteligentes que o declaram bom em seu hábito moral, correto em sua opinião, afirmadora do que é. Se existe de fato um mundo do além, êste indivíduo ganha sôbre os dois tablados; uma vez que êle é glorificado pelos homens inteligentes neste mundo e desde agora, e já que, quando da decomposição de seu corpo após a morte, êle ressurgirá em um bom Destino, no mundo celeste. Assim êste impecável dhamma é por êle bem praticado, êle tocou os dois lados, êle negligencia a ocasião do mal. Há eremitas e brâmanes que falam como segue, e que sustentam a seguinte opinião: "O mal é feito pelo agente, nem o mal nem o mérito produzem resultado". Outros têm uma opinião contrária. Dos primeiros pode-se esperar a mesma coisa que daqueles que pretendem que não existe o mundo do além. Pois de fato existe um "o que se deve fazer", se um homem pensa que não existe uma "qualquer coisa que é preciso "fazer", se essa é sua opinião, é uma opinião errônea... uma decisão errônea... uma palavra errônea... uma contradição [oposta] aos Perfeitos, que afirmam que a existência de um "o que se deve fazer". Atendendo que existe de fato um "o que é preciso fazer", se êle persuade a outrem que não há um "o que se deve fazer", sua antiga conduta fôsse destruída e substituída por esta persuasão que não pertence ao dhamma correto, êle se exalta a si mesmo e critica os outros. É como se a sua antiga conduta fôsse destruída e substituída por uma conduta errônea. E esta opinião, decisão e palavra errôneas, esta contradição dos arianos, esta persuasão que não pertence ao dhamma correto, esta exaltação de si mesma, esta crítica dos outros, todos êstes diversos estados errôneos nascem decorrentes da opinião-correta. (O parágrafo seguinte como na discussão do "mundo do além" substituindo o têrmo pelo "qualquer coisa que se deve fazer").
Tomai o caso em que um homem inteligente faz essa reflexão: Se existe um "o que se deve fazer", êste digno indivíduo, quando da decomposição do seu corpo após a morte, surgirá num Bom Destino, num mundo celeste. Se se diz que existe um "o que se deve fazer" e se dêste dogma dos eremitas e brâmanes é a verdade, nosso indivíduo se encontra neste mundo e desde agora exaltado pelos homens inteligentes que o declaram bom em seu hábito moral, correto em sua opinião, afirmador de alma coisa que se fazer. Se existe de fato um "o que se deve fazer", êste indivíduo ganha sôbre os dois tablados, uma vez que êle é glorificado pelos : homens inteligentes neste mundo e desde agora, uma vez que quando da decomposição de seu corpo após a morte êle surgirá num Bom Destino, num mundo celeste. Assim êste , impecável dhamma é bem dotado e bem praticado por êle, êle tocou os dois lados, êle negligencia a ocasião do mal. Há eremitas e brâmanes que falam como segue, que mantêm a seguinte opinião: "Não há causa, não há razão para depravação nem para pureza dos sêres: os sêres são depravados ou puros sem causa, sem razão. Não há fôrça, não há energia, não há perseverança humana, não há esfôrço humano; todos os sêres, tudo o que respira, tôdas as criaturas, tôdas as coisas vivas são sem poder, sem fôrça, sem energias, amadurecida em seu porvir pelo efeito da necessidade, encontrando o prazer ou a dor em [uma das] seis classes de sêres". Outros eremitas e brâmanes sustentam opiniões exatamente opostas. Uma vez que a causa existe de fato, se êle pensa: "Não há causa", se tal é sua opinião, é uma opinião falsa (a continuação como para opinião: "Não há mundo do além"...). Tomai o caso de um homem inteligente que faz esta reflexão: "Se não há causa, êste digno indivíduo; quando da decomposição de seu corpo fará do eu sua garantia; se há uma causa, êste digno indivíduo quando da decomposição de seu corpo após a morte, surgirá de nôvo em Queda, no Mau Destino, no Inferno. Se se diz que não há causa, e se êste dogma dos eremitas e brâmanes é a verdade, êste indivíduo se encontra neste mundo e desde agora condenado pelos homens inteligentes, que o declaram errôneo no hábito moral, errôneo em sua opinião, afirmador do sem causa"... Tomai o caso de um homem inteligente que faz esta reflexão: "Se há uma causa, êste digno indivíduo quando da decomposição do corpo após a morte, sobreviverá no Bom Destino, em um mundo celeste. Se se diz que há uma causa, se é um dogma verdadeiro dêstes eremitas e brâmanes, então êste indivíduo se encontra neste mundo e desde agora glorificado pelos homens inteligentes que o declararam bom em seu hábito moral, correto em sua opinião, afirmador da causa". Se de fato existe a causa, êste indivíduo ganha sôbre os dois tablados, atendendo a que êle é glorificado pelos homens inteligentes neste mundo e desde agora, e que quando da decomposição do corpo após a morte êle surgirá em um Bom Destino, em um mundo celeste. Assim êste impecável dhamma é bem adotado e bem praticado por êle; êle dêle tocou os dois lados, êle negligencia a ocasião do mal. [M. I, 401-410].
Ó monges, vós podereis possuir qualquer coisa que fôsse permanente, estável, eterna, não sujeita à mudança, que duraria como o que é eterno. Mas onde vêdes uma posse dêste gênero? Eu não vejo nenhuma. Queríeis-vos possuir a noção do "eu", tal que não se produziria nem desgôsto, nem dor, nem sofrimento, nem lamentação, nem desespêro. Mas onde vêdes uma tal posse? Eu não vejo nenhuma. Vós quereríeis um fundamento das opiniões tal que não se produziria nem desgôsto, nem dor, nem sofrimento, nem lamentação, nem desespêro. Mas onde vêdes um tal fundamento? Eu não vejo nenhum. Ó monges, se existisse um eu, haveria em mim alguma coisa da natureza do eu? E se existisse alguma coisa da natureza do eu haveria em mim um eu? Mas se eu e tudo o que pudesse ser da natureza do eu e mesmo quando estão presentes, permanecem incompreensíveis, não é uma completa loucura tomar fundamento, destas opiniões [esta idéia]: "de uma parte o mundo, de outra parte o eu que eu vou tornar-se ulteriormente, permanente estável, eterno, não sujeito à mudança, e que duraria como o que é eterno?" Portanto, se a forma material é efêmera, e se o que é efêmero está sujeito ao sofrimento, vós não podeis considerar o que é efêmero, sujeito ao sofrimento e à mudança [pensando] : "Isto é meu, eu sou isso, isso é meu Eu". O mesmo se dá para com a sensação, a percepção, as construções, a consciência. Daí resulta que tôdas as formas materiais, sensações, percepções, construções, tôda a consciência passada, futura ou presente, subjetiva ou objetiva, grosseira ou sutil, vil ou excelente, próxima ou remota, devem ser consideradas [pensando]: "Isto não é meu, eu não sou isso, isso não é meu”.Reconhecendo assim tôdas essas coisas, o discípulo esclarecido dos arianos, é indiferente às formas materiais e a todo o resto; pela indiferença êle é impassível; pela impassibilidade êle é libertado; se êle é liberto, êle terá em breve o conhecimento de que êle está liberto, êle terá em breve o conhecimento de que êle está liberto e a presciência que: “O nascimento é destruí do, a vida com Brahma é vivida, o que havia a fazer foi feito, não resta mais a ser êste ou aquêle”.[M. I, 187-189; cf. S. III, 68].
Quando o coração do religioso está assim liberto, nem mesmo lndra, ou Brahmã, ou Pajãpati com seus devas não conseguiriam tomar a encontrar esta consciência discriminante que é própria ao Descobridor da Verdade. Por quê? Eu digo, ó monges, que um Descobridor da Verdade é neste mundo o desde agora, impossível de tomar a encontrar. Se bem que seja isso o que eu afirmo e o que eu prego, certos eremitas e brâmanes me acusam de um modo errôneo, vão, falso, contrário aos fatos, de ser um desviador, de promulgar a supressão, a destruição, a extirpação da entidade existente. E é isso precisamente, ó monges, o que eu não ensino absolutamente, por conseguinte, êstes eremitas e brâmanes me acusam de modo errôneo, vão, falso e contrário aos fatos. Outrora, como agora, ó monges, o que eu declarei é: somente o mal e a interrupção do mal. Se outros aí encontram motivos de denunciar e injuriar o Descobridor da Verdade, êste não experimentará nem ressentimento nem zanga. Se outros ainda o reverenciam e o honram êle não experimentará nem prazer nem satisfação. é preciso que o mesmo se dê convosco: Sôbre esta questão é preciso que isto se dê convosco? o que está bem compreendido é que tais atos foram outrora aqui praticados por nós. [M. I, 140].
- Ora, excelente Gotama, o sofrimento é feito por nós mesmos?
- Certamente que não, Kassapa.
- O sofrimento é feito por um outro?
- Certamente que não, Kassapa.
- O sofrimento é feito por nós e por um outro?
- Certamente que não, Kassapa.
- Mas êste sofrimento, que não é feito nem por nós nem por um outro, tem sua origem no acaso?
- Certamente que não Kassapa.
- Isto quer dizer, excelente Gotama, que o sofrimento não existe?
- Não é, Kassapa, que o sofrimento não exista; pois, Kassapa, o sofrimento existe.
- Então o excelente Gotama não conhece o sofrimento, não o vê?
- Não é, Kassapa, que eu não conheça o sofrimento, que eu não o veja; pois, Kassapa, eu conheço o sofrimento, eu o vejo.
- Mas, excelente Gotama, a tôdas as minhas perguntas tu respondestes: "Certamente que não, Kassapâ”. Tu disseste que o sofrimento existe e que tu o conheces, tu o vês. Senhor, queira o senhor me explicar o que se passa com o sofrimento; senhor, queira o senhor me instruir a respeito do sofrimento.
- Aquêle que age é aquêle que sofre [o resultado de sua ação]: o que disseste para começar, Kassapa, êste "sofrimento causado por nós mesmos", conduz à teoria etemalista. Mas dizes: "Um age, é um outro que sofre" - ou então esgotado pela emoção se pensa: "O sofrimento é causado por um e outro", isto conduz à teoria aniquilacionista.
Sem ir para uma ou para outra destas conclusões sem saída, o Descobridor da Verdade te ensina o dhamma pelo caminho do meio, Kassapa; condicionadas pela ignorância são as construções... etc. (122) Assim se produzirá a interrupção de todo êste conjunto de males. [S. II, 19-20]
[122. Cf. adiante a cadeia causal]
- Ora, senhor em que consistem a velhice e a morte, e de que o envelhecimento e a morte são o resultado? - A pergunta está mal formulada, responde o senhor. Que um monge diga isso, ou que um monge diga: "Envelhecimento e morte são uma coisa, mas envelhecimento e morte são o resultado de uma outra" as duas questões têm o mesmo alcance, só sua forma difere. Se um monge é de opinião que o princípio vital e o corpo só constituem uma coisa, não se produzirá [nêle] a vida com Brahma. Como também se o religioso é de opinião que o princípio vital é uma coisa e que o corpo é uma outra. Sem ir para uma nem para outra destas conclusões sem saída, o Descobridor da Verdade vos ensina o dhamma pelo Caminho do Meio: o envelhecimento e a morte são condicionados pelo nascimento. [os monges interrogam em seguida o Mestre sôbre cada um dos fatôres da "cadeia causal"; a cada pergunta êle responde como acima e termina citando o fator que está em causa.] "Em verdade, ó monges, é pelo desaparecimento completo e pela interrupção da ignorância que as deformações, desinteligência, brutalidades de tôda a espécie, e todos os apoios dêste gênero acabam por serem abandonados, cortados rente à raiz, tornados semelhantes a um tronco de palmeira, destruídos a tal ponto que êles não poderiam regressar à existência". [S. II, 60-62].

2. AS MARAVILHAS
Há estas três maravilhas. Quais são elas? A maravilha dos podêres psíquicos, a maravilha da leitura do pensamento, a maravilha do ensinamento. Em que consiste a maravilha dos podêres psíquicos? Neste caso, um religioso goza de diversas espécies de podêres psíquicos e de diferentes modos. De um que era, se tornou diversos: de diversos, um; manifesto ou invisível, êle passa sem resistência através de um muro, através de uma muralha, através de uma montanha, como se passasse através do ar: êle mergulha na terra e torna a subir à superfície como o faria na água; caminha sôbre a água sem a separar como se caminharia sôbre terra firme; circula nos ares, sentado nas pernas cruzadas, como um pássaro que voa. Mesmo esta Lua e êste Sol, tão possantes, tão majestosos, êle os maneja e os acaricia com a mão. Até no mundo de Brahma êle tem poder; sôbre seu corpo. É a isso que eu chamo maravilha dos podêres psíquicos. Em que consiste a maravilha da leitura do pensamento? Neste caso, um religioso pode, por um indício, declarar:"Tal é vosso espírito. Isto ou aquilo está em vosso espírito, Tal é vosso pensamento." E por pouco numerosas que sejam suas revelacões isto será exatamente assim e não de outro modo. Tal outro, talvez, não diz tudo isso por um indício ou por tê-Io ouvido sêres humanos ou não humanos ou devas, mas devido a algum som que êle ouve, por uma afirmação inteligentemente feita por alguém que raciocína inteligentemente. Ouvindo, êle declara: “Tal é vosso espírito. Isto ou aquilo está em vosso espírito. Tal é vosso pensamento", E por numerosas que sejam suas revelações, isto será exatamente assim e não de outra maneira. Ou ainda, responde que um [adivinho] não faça suas revelações por algum dêsses meios pode acontecer que tendo chegado à contemplação, estando ôco de reflexão e de intelecto, êle saiba com antecedência, êle capte plenamente o pensamento [de outro] por seu pensamento: "Segundo que o funcionamento mental dêste homem Fulano será dirigido para aqui ou para ali, aplicará o raciocínio de seu espírito imediatamente a isto ou aquilo". E por numerosas que sejam suas revelações, isto será exatamente assim e não de outra maneira, Eis o que se chama a maravilha da leitura do pensamento. Em que consiste a maravilha do ensinamento? Neste caso, um [religioso] ensina por exemplo: "Raciocinai desta maneira e não daquela. Aplicai vosso espírito desta maneira e não daquela, Abandonai êste estado, adquiri êste outro estado e nêle permanecei". Eis o que eu chamo a maravilha do ensinamento, Tais são as três maravilhas. [A. I, 170; cf. D. I, 212].
[Mas as duas primeiras maravilhas poderiam ser postas em dúvida nestes têrmos:] Um homem de pouca fé, incréu, poderia dizer a um homem de grande fé, a um crente: "Há, senhor, um sortilégio chamado Gandhãri. é graças a êste sortilégio que êle exerce diversas espécies, de podêres psíquicos, de diferentes modos; de um que era, torna-se diversos, etc.. . ." é por isso que eu percebo um perigo nesta maravilha de podêres psíquicos, que êles me entristecem, que eu os detesto, que eu os abomino, Da mesma maneira, no que concerne à maravilha da leitura do pensamento, um homem de pouca fé, incréu, poderia dizer a um homem de grande fé, a um crente: "Há, senhor, um sortilégio chamado Jóia: é graças a êste sortilégio que êle diz o pensamento de outros sêres, de outros homens, e que êle declara: “tal é vosso espírito; isto ou aquilo está em vosso espírito; tal é vosso pensamento", é porque eu percebo um perigo na maravilha da leitura do pensamento, que eu disto estou triste, que eu o detesto, que eu o abomino.[D. I, 213].
[Um grande negociante de Rãjagha fêz um dia fixar uma tigela de sândalo na extremidade de uma alta vara de bambu, e disse: "Se um eremita ou brâmane que seja um Perfeito, que seja dotado de podêres psíquicos, venha arrancar esta tigela, e a tigela ser-lhe-á dada". Os chefes de seis grandes seitas heréticas o tentaram sem êxito; mas o monge Pindola Bhãradvãja o conseguiu. A população de Rãjagha saudou a notícia de sua vitória com estrepitosos aplausos. Com efeito, êle se tinha erguido do solo, tinha tomado a tigela, e voado três vêzes em círculo em tôrno de Rãjagha, depois, a pedido de um rico negociante, êle tinha vindo pousar exatamente em casa dêle. O Mestre, escutando os clamores da multidão, pergunta a razão a Ãnanda. Este responde:] "Senhor, o venerável Pindola, o Bhãradvãja, arrancou a tijela pertencente ao grande negociante. Eis por que a população faz um grande tumulto e grita muito alto". Em seguida, o Mestre censurou o venerável Pindola, nestes têrmos: - "Isto não é conveniente, Bhãradvãja; isto não é digno, é chocante, indigno de um eremita, não é permitido, é uma coisa que não se deve fazer. Como pudeste, por uma miserável tigela de madeira, exibir um estado dos homens primitivos, uma maravilha de podêres psíquicos, a êstes leigos? Da mesma maneira que uma mulher exibisse sua tanga para ganhar um miserável mãsaka cunhado, também tu, para ganhar uma miserável tigela de madeira, exibiste aos leigos um estado dos homens primitivos, uma maravilha dos podêres psíquicos". Tendo-o o repreendido, o Mestre dirigiu-se aos monges nestes têrmos: "Ó monges, um estado dos homens primitivos, uma maravilha dos podêres psíquicos, não deve ser exibidos aos leigos. Se um de vós dêles faz exibição, é uma falta de má ação. Quebrai, ó monges, esta tigela de madeira; reduzi-a a pó que distribuireis aos monges para perfumar os ungüentos." [Vin. II, III]

3. BENEVOLÊNCIA E MALEVOLÊNCIA
Ó monges, quando a liberdade do coração que é o amor, é perseguida, realizada, tomada a peito, escolhida como veículo e como base, praticada, aumentada, e completamente posta em estado de agir pode-se esperar dela oito vantagens. Quais são? Felizes se adormecem, felizes se despertam; não se sonham maus sonhos, se é caro aos homens; se é caro aos sêres não humanos, os devas vos protegem, nem o fogo nem o veneno vos podem prejudicar, e mesmo se se penetra mais a fundo, atinge-se o mundo de Brahma. Aquêle que realiza um amor sem limites vigilante, vê os laços todos destruidos. Seus empecilhos caem por si mesmos. Se, puro em seu coração êle ama seu ser, disto resulta bem. O ariano de coração compassivo acumula mérito em abundância para tõda a humanidade. Estes sábios reais, que sobrepujaram a terra generosa, fazem amplos sacrifícios; mas como a multidão das estrêlas, ao lado da Lua; os sacrifícios chamados o Cavalo, o Homem, "o Rito da bebida", o "Lançamento da cavilha", "a Casa desaferrolhada", (124) não tem a décima-sexta parte do valor de um coração enriquecido pelo amor. Aquêle que não mata, nem faz matar, que não rouba, nem faz roubar a outrem, tem em seu coração uma parte para todos, não odeia a ninguém. [A. IV, 150-151].
[124. Os sacrifícios são igualmente citados no S. I, 76; A. II, 42; It. pág. 21. O "Lançameto da cavilha", "ou Lugar onde se jogou a cavilha" seria, segundo os Comentários o lugar destinado a um altar, determinado pelo lugar onde cai uma cavilha de madeira que se , lançou; por conseguinte êste não é exatamente o nome de um sacrifício. Pretende-se que todos êstes ritos, inofensivos na origem, tinham degenerado em sacrifícios sangrentos].
Eu não digo, ó monges, que sem que se perceba se apagam assim os atos intencionais, cumpridos e acumulados, isto se produzindo seja na vida presente, seja mais tarde, seja ainda em tôdas uma sucessão [de vidas]. Eu não vos digo que sem que se perceba, haja um têrmo ao mal dos atos intencionais cumpridos e acumulados. Ó monges, êste discípulo ariano que é sem inveja e sem malevolência, não alucinado, mas Senhor de si, advertido, com um coração possuindo amor, êsse permanece brilhante em um quadrante do mundo, e de modo idêntico no segundo, no terceiro e no quarto quadrante do mundo, e igualmente em cima, abaixo, através, por tôda a parte, em favor de todos os sêres - em todos os estados [do ser]: permanece brilhante no mundo inteiro, de seu coração que possui o amor universal, vasto, sem limites, puro de hostilidade e malevolência. Ele tem a seguinte presciência: "Outrora meu coração era limitado, não estava realizado; no presente o meu coração é sem limites; e bem realizado. Além do mais, nenhum ato pertence ao que é limitado nem aí permanece nem aí se mobiliza"; que pensais disso monges, Se depois de sua juventude êste jovem discípulo realiza a liberdade de coração que é o amor, cometeria uma má ação.
- Certamente que não, senhor.
- Se êle não comete uma má ação, poderia êle tocar em nada de mau?
- Certamente que não, senhor. Se êle não comete uma má ação como poderia tocar no mal?
- Em verdade, ó monges, esta liberdade do coração que é o amor, mulheres e homens deveriam realizá-Ia. Uma mulher ou um homem não podem tomar êste corpo e ir-se. O ser mortal que ali está é apenas um intervalo de pensamento. r.le tem esta presciência: "Tôda a má ação cometida anteriormente por mim neste mundo, por êste meu corpo nascido pelos atos, deve ser ressentida e conhecída neste mundo; não é necessário que ela se tome [qualquer coisa] que virá em seguida". A liberdade do coração assim realizada, leva a um estado de não retôrno o religioso que possui a sabedoria neste mundo, sem ter chegado a uma liberdade mais alta ainda. Além disto, êle inunda um quadrante do mundo de um coração que possui a compaixão... de um coração que possui a alegria... de um coração que possui o equilíbrio; e igualmente o segundo, o terceiro, e o quarto quadrante do mundo... (a continuação como acima, substituindo "amor" por "compaixão", "alegria", "equilíbrio")... sem ter chegado a uma liberdade mais alta ainda. [A. v, 269-301].
Da mesma maneira que as famílias em que há poucas mulheres e muitos homens são dificilmente molestadas pelos bandidos e ladrões de imagens, também o religioso que realizou a liberdade do coração que é o amor e que o tomou a peito, é dificilmente molestado pelos sêres não humanos. É por isso, ó monges, que vós assim vos exercitareis: a liberdade do coração que é o amor, nós a realizaremos, nós a tomaremos a peito, nós dela faremos nosso veículo e nosso suporte, nós a praticaremos nós a aumentaremos, e nós a poremos completamente em estado de agir. [S. ii, 264].
Ele avança tendo inundado os quatro quadrantes de um coração que possui o amor, a compaixão, a alegria, o equilíbrio; acima, abaixo, através, por tôda a parte, êle avança com seu coração dilatado, vasto, sem limites, sem hostilidade nem malevolência, que inundou o mundo por tôda a parte, em favor de tôdas as categorias e estados de ser. Ele tem esta presciência: "Há isto, há o que é inferior, há o que é superior; há uma evasão mais alta (125) desta percepção". Para êle, que tem êste conhecimento, esta visão, o coração está liberto dos fluxos dos prazeres sensuais, do porvir, da ignorância. Produz-se êste conhecimento; "Na liberdade eu estou liberto"; êle sabe que o "nascimento está destruído, a vida com Brahma está vivida, o que havia a fazer foi feito, não lhe resta mais a ser isto ou aquilo". É o que se chama um religioso levado pela lavagem interior. [M. I, 38].
[125. Ver a seção da Evasão].
Ó monges, existem cinco meios de se rejeitar a malevolência, cinco meios pelos quais se deve rejeitar tôda a malevolência que se produz. Quais são? Naquele no qual a malevolência se encontra engendrada, é necessário que o amor seja realizado, e também a compaixão e também o equilíbrio. Aquêle no qual a malevolência se encontra engendrada, é necessário produzir a não-preocupação, a inatenção a respeito da malevolência. Aquêle no qual a malevolência é engendrada, é necessário que seja presente ao espírito a a responsabilidade de seus atos, e êste pensamento: “Fulano é responsável de seus atos, herdeiro de seus atos, tem os atos por matriz, atos por pais, seus atos recaem sôbre êle. Qualquer ato que êle cumpra, bom ou mau, êle dêle será o verdadeiro. Por êstes cinco meios se deve rejeitar a malevolência”. [A. iii, 185-186].
Matai a cólera se quereis viver felizes.
Matai a cólera se quereis não mais chorar. Vencedor da cólera com sua raiz venenosa,
O mais doce dos venenos Matador do dragão!
Eis aí a matança que louvam os arianos:
eis aí vossa vítima se não quereis mais chorar. [S. I, 47].

Pela não-cólera vós vencereis a cólera;
pelo valor vós sobrepujareis o que é vil. vós derrotareis a avareza por um dom,
e pela verdade as palavras mentirosas. (127) [Dh.223].
A vitória engendra o ódio; o vencido. vive na miséria. Mas. aquêle que está em paz e sem paixão, Vive na felicidade: êle abandonou vitórias e derrotas. (128) [S. I, 83; Dh. 201].
Um homem pode bem despojar outro, contanto
convenha a seus fins; mas despojado por sua vez
outrem, todo despojado que é, êle os despoja ainda.
Quanto que o fruto do mal não amadureceu,
O tolo se imagina: "Eis a minha hora, eis a minha ocasião!"
mas quando seu ato trouxe seus frutos, tudo se estraga para êle.
matador se faz matar por seu turno;
o vencedor encontra alguém para o vencer;
o insultador se faz insultar, o perseguidor tem preocupações.
assim pela evolução do ato
êle que despoja é despojado por seu turno. (129) [S. I, 85].
[127. Trad. da Sra. Rhys Davids, Min. Anth. i].
[128. Trad. da Sra. Rhys Davids, K. S. I, 109].
[129. Trad. da Sra. Rhys Davids, K. S. I, 110, Cf. Apocalipse. Xiii, 10: "Quem leva para o cativeiro rara o cativeiro irá; quem a pela espada será morto pela espada”].
Ai de mim! Eu vejo os homens em luta
Como a violência engendra o temor!
eu direi a angustia e o terror que experimento.
Como peixes em águas rasas eu vi homens se debater;
eu vi os ódios entre os homens, o medo penetrou em mim.
Sem valor era o mundo; todos os seus quadrantes pareciam tremer,
buscando um teto eu não encontrei nenhum abrigo para mim mesmo.
ódios, ódios, nenhum outro fim; e êste espetáculo me repugnava.
De um golpe eu percebi o aguilhão
que atravessa o coração, tão difícil de ver.
De um reino a outro êle corre, êle corre aquêle que feriu êste aguilhão;
mas aquêle que o retirou de sua carne
não corre mais, nem se prostra. (130) [Sn.. 935-939].

4. CUIDADOS COM OS DOENTES
- Há, ó monges, em tal ou tal mosteiro, um doente?
- Há um, senhor.
- Qual é sua doença?
- O venerável sofre de disenteria, senhor.
- ó monges, há alguém para tratar?
- Não senhor.
- Por que os monges não tratam dêle?
- Senhor, êle não lhes presta algum serviço, é por isso que êles não o tratam.
- O monges, vós não mais tendes pai, não mais tendes mãe para vos tratar. Se vós não vos tratais uns aos outros, quem cuidará de vós? Aquêle, ó monges, que quiser tomar cuidado de mim, que trate dos doentes. (131) [Vin. I, 302].
[130. E. M. Hare, Woven Cadences].
[131. Cf. o Evangelho: "O que tiverdes feito pelo menor destes, o fizestes para mim"],

5. OS PAIS
Ó monges, as famílias das quais a mãe e o pai são honrados em seu lar são comparadas a Brahma (132) e colocados na mesma categoria que os Mestres de outrora; dignas de receber oferendas são tais famílias! "Brahmã", ó monges, é um nome para pai e mãe. "Mestres de outrora" é um nome para mãe e pai. "Dignos de receber oferendas" é um nome para mãe e pai. Por que isto? Porque mãe e pai fazem muito por seus filhos; êles os criam, os alimentam e lhes fazem conhecer êste mundo. Os pais são chamados "Brahmã", "Mestre de outrora"; dignos de dons; são compassivos com sua gente infantil. Assim o sábio reverenciá-los-á, lhes prestando digna homenagem, lhes servirá alimentos e bebidas, roupas e pousada, ungirá seus corpos, banhá-los-á, lavará seus pés. Para êstes serviços prestados aos pais, um homem é louvado pelos sábios neste mundo; e mais tarde êle será recompensado pela felicidade no céu. (133) [A. I, 132, ii, 70; It. pág. 109].
Há, ó monges, quatro fundamentos da simpatia. Quais são? São: a caridade, a boa palavra, o serviço prestado, o tratamento igual para todos. (134) A Caridade, as boas palavras, os serviços prestados. o tratamento igual para todos segundo seus méritos. Estes laços de simpatia estão no mundo, como a cavilha do eixo da carreta que marcha. Se êstes laços faltam, a mãe que pôs no mundo. o pai que engendrou, não receberiam a honra e o respeito [que lhes são devidos]. Mas como os sábios têm uma justa consideração por êstes laços Cabe-Ihes obter o Grande Eu. Tornar-se-ão assim dignos do louvor dos homens (135)... E é segundo o dhamma que êle deve servir seus pais. [Sn. 404].
[132. Chefe do mundo de Brahma: não Brahma, a divindade].
[133. F. L. Woodward, G. S. I, 114-115, ii, 79; Min. Anth, ii, 192 e segs.].
[134. Cf. A.ii, 248; iv, 364; D., iii, 152]
[135. F. L. Woodward, G. S. ii, 36, nós nos afastamos de sua tradução nos dois últimos versos].
Aquêle que é rico e não sustenta seus pais em sua velhice quando sua juventude desapareceu; aquêle que bate em seus pais e fere seu irmão com palavras más; ou sua esposa, ou então sua irmã, considerai-o como um vil fora da lei. [Sn. 124-125].

6. O DHAMMA PARA OS LEIGOS
Direi agora a regra para os chefes de família e que ação convém a êstes ouvintes, pois em suas ocupações nenhum dêles saberia completamente se ajustar ao que é exigido dos monges. Que êle não mate as criaturas; que êle não incite a matar: que êle não aprove as que tiraram a vida; que êle deixe de lado tôda a violência para com tudo o que vive, e para com tudo que resiste ou que treme neste mundo. Que o ouvinte começando a despertar se abstenha totalmente de tomar o que não é dado, não incite ninguém a roubar, não aprove o roubo: que se abstenha de tôdas as formas de roubo. Que se abstenha de tôda a luxúria, como o sábio se afasta da fossa cheia de brasas: se êle não pode viver na continência, que êle não peque com a mulher do próximo. Indo à sala de reunião, à assembléia que êle não fale falsamente a outrem; que êle não incite outrem a mentir; nem aprove. Que se abstenha de tudo o que não é verdade. Que não tome bebidas embriagantes, o chefe de família que escolhe êste dhamma! Que não incite outrem a beber nem aprove a bebida, sabendo que ela só pode terminar na loucura. Pois em verdade, os tolos que bebem, cometem más ações, e encorajam outros em suas loucuras; que êle evite êste ciclo de atos maus, desatinados e mentirosos, delícias dos imbecis. Que êle não mate nem tome o que não foi dado: que êle não minta nem se embriague; que êle fuja das práticas nocivas; que êle não ooma à noite de refeições inoportunas. Que êle não traga grinaldas nem use perfumes; se deite numa esteira estendida ao sol. É isso que se chama a óctupla observância, chamada pelo Desperto, para pôr têrmo ao mal. Segundo o dhamma êle servirá seus pais, mas o dhamma, exercerá seu ofício; chefe de família que leva esta vida sincera perguntará novamente aos devas chamados os Luminosos. (136). [Sn.898-404].
Aquêle que age, se aflige, e faz esforços bom caminho, encontrará riquezas; para verdade êle adquirirá a glória s dotes êle atrairá amigos. Aquêles que amam seu lar e fielmente observam êstes quatro princípios: seridade, dhamma, firmeza, generosidade, tendo deixado êste mundo não conhecerão mais o sofrimento. Com os brâmanes e os eremitas. esclarecei-me bem esta questão: há neste mundo melhor coisa que a moderação, a sinceridade, a paciência e dom? (137) [Sn.187-189].
[136. E. M. Hare, Woven Cadences].
[137. Id.. ibid].
Manifesto é o lado bom da vida,
manifesto também seu sofrimento.
Prosperará quem ama o dhama. sofrerá quem o detesta.
Ter como amigos os maus não se ligar com os bons
preferir os vícios dos homens.
é uma fonte de sofrimento.
Amar demais a companhia e o sono. ser indolente
e relaxado, ser conhecido pelas suas cóleras.
é uma fonte de sofrimento.
Sendo rico. não sustentar os pais na sua velhice
quando sua juventude desapareceu. é uma fonte de sofrimento.
Enganar com palavras mentirosas um brâmane, um eremita,
ou outro monge-mendicante, é uma fonte de sofrimento.
Possuindo fortuna e poder
montões de ouro e de riquezas
e se deliciar sozinho com a doçura é uma fonte de sofrimento.
O orgulho do nascimento, da fortuna, da família
e vergonha do parente [pobre] é fonte de sofrimento.
Homem ou mulher que se entrega à bebida e aos dados
dissipando todos os seus haveres. é fonte de sofrimento.
Não satisfeito de sua mulher, se mostrar com a de outrem freqüentar cortesãs,
é fonte de sofrimento
Passada a juventude esposar
mocinha de seios arredondados e não mais dormir de ciúme é fonte de sofrimento.
O pródigo, homem ou mulher ou o idiota a que é confiado um poder soberano,
é uma fonte de sofrimento.
Ser nascido de raça nobre mas ser pobre e desejar riqueza e autoridade.
é uma fonte de sofrimento.
Todos êstes sofrimentos do mundo os sábios os reconhecem;
abençoados da visão ariana,
êles buscam o mundo da beatitude. (138) [Sn.92-95].
[138 .E. M. Hare, Woven Cadences].
Desenvolvendo-se nas dez [vias do] desenvolvimento o discípulo ariano cresce no desenvolvimento ariano; torna-se capaz de captar a essência, de captar o bem supremo para si mesmo. Quais são estas dez vias? Ele cresce imóvel, em riqueza, e em celeiros, em sua mulher e seus filhos, em escravos, servidores e operários, em animais de quatro patas; êle cresce na fé, no hábito moral, na boa doutrina que ouve, na generosidade, na sabedoria.
Aquêle que neste mundo cresce em riqueza e provisões em filhos e mulheres, em animais de quatro patas, goza da h.onra e do renome de homem afortunado junto de seus pais e amigos, e dos poderosos. (139) Mas aquêle que neste mundo cresce igualmente em fé, em virtude, em sabedoria, em generosidade. em saber, o homem que é assim, o ôlho aberto, cresce ao mesmo tempo em todos os bens (140) [A. v. 137].
[139. As últimas estâncias se encontram igualmente no A, iii, 80, e S. iv, 250. O comêço se aproxima das estâncias de D. iii. 165].
[140. F. L. Woodward. G. S. V. 93 e segs].
Ó chefes de família! Há cinco inconvenientes para o homem de maus hábitos, que decai no hábito moral. Quais são? Os chefes de família, o homem de maus hábitos que decai no hábito moral, sofrem um grande decréscimo de sua riqueza em conseqüência de sua moleza. É o primeiro inconveniente. Além, do mais, ó chefes de família, a respeito do homem de maus hábitos uma deplorável reputação se espalha. É o segundo inconveniente. Além, do mais, ó chefes de família, quando o homem de maus hábitos, decaído no hábito moral, quer se juntar a uma companhia de nobres, de brâmanes, de chefes de família, de eremitas, êle a aborda sem confiança, pois êle está envergonhado. É o terceiro inconveniente. Além disso, ó chefes de família, o homem de maus hábitos morre no êrro. É o quarto inconveniente. Além disso, ó chefe de família, o homem de maus hábitos, decaído no hábito moral, quando seu corpo se decompôs após a morte, surge no deserto, o Mau Destino, a Queda, o inferno Niraya. É o quinto inconveniente para o homem de maus hábitos, decaído do hábito moral. Tais são os cinco inconvenientes. Ó chefes de família! Há cinco vantagens para o homem de hábito moral, que cumpre o hábito moral. Quais são? Ó chefes de família! Um homem de hábito moral, que é perfeito no hábito moral, adquire uma grande soma de riquezas pelo seu zêlo. É a primeira vantagem. Além disso, ó chefes de família, a respeito do homem de hábito moral uma amável reputação se espalha. É a segunda vantagem. Além disso, ó chefes de família, quando um homem de hábito moral quer se juntar a uma companhia seja de nobres, seja de brâmanes, seja de chefes de família, seja de eremitas, êle a aborda com confiança, pois êle não está envergonhado. É a terceira vantagem. Além disso, ó chefes de família, o homem de hábito moral morre sem estar no êrro. É a quarta vantagem. Além disso, ó chefes de família, o homem de hábito moral, perfeito no hábito moral, quando seu corpo se decompôs após a morte, surge em um Bom Destino, no mundo celeste. É a quinta vantagem para o homem de hábito moral, perfeito no hábito moral. [Vin. I, 227-228; A. iii, 252-253; D. ii. 85-86; iii, 235-236; Ud. 80-83].

7. A CASTA
Eis, senhor, as quatro castas: a dos nobres, a dos pobres, a dos comerciantes, e a dos trabalhadores. Entre elas, duas têm a supremacia: a dos nobres e a dos sacerdotes: isto pelo modo com que se dirigem a seus membros, com que os saúda levantando-se e juntando as mãos em homenagem, e com que são tratados. Há cinco qualidades que devem ser procuradas: a fé, a saúde, a sinceridade, a energia, a sabedoria. As quatro castas podem ser dotadas das cinco qualidades que se deve procurar e recebem a bênção e a felicidade por muito tempo. E eu não digo que em seu caso que haja uma distinção em seu esfôrço. É como se se tivesse um par de elefantes domesticados, cavalos ou bois bem domesticados, exercitados; e um outro par não domesticado e não exercitado. O primeiro par seria contado como domesticado, atingiria o valor dos animais domesticados; o segundo, não. Da mesma maneira não é possível que o que se adquire pela fé, a saúde, a sinceridade, a ausência de velhacaria possa se obter onde há falta de fé, a má saúde, o engano, a velhacaria, a inércia, a sabedoria limitada. No caso das quatro castas se [seus membros] são dotados de cinco qualidades que se deve procurar, se êles fazem os esforços devidos, eu digo que neste caso não há diferença entre libertação e libertação. É como se quatro homens, um trazendo lenha bem sêca, outro uma acha sêca da árvore sãla, o terceiro uma acha sêca de mangueira, o quarto uma acha sêca de figueira, fizessem cada um fogo que produzisse calor. Haveria uma diferença entre os fogos produzidos por estas diferentes madeiras quanto à sua chama, sua ror, ou seu clarão? O mesmo sucede com o calor aceso pela energia e produzido pelo esfôrço. Eu não digo que haja diferença entre libertação e libertação. [M. ii, 128-130].

8. OS DEVAS
- Ora, excelente Gotama, existem devas?
- é uma coisa por mim conhecida de modo certo, Bhãradvãja; existem devas.
- Não é isso vão e falso? ..
- Existem devas, Bhãradvãja. Se [um mestre] interrogado responde que existem devas, ou se êle diz: "é uma coisa conhecida de certo modo, conhecida por mim", é bem esta conclusão a que chegarão os homens inteligentes.
- Por que não explicaste isso desde o princípio, excelente Gotama?
- Mas é uma coisa reconhecida no mundo, que existem devas. [M. ii, 212-213]

Mahãnama, o filho-família, com suas riquezas legitimamente adquiridas, honra, respeita e reverencia, venera as devatãs que são dignas de receber suas oferendas. É por isso que essas devatãs lhe são compassivas e dizem: "Longa vida! Possa sua longa vida ser protegida!" Graças à compaixão das devatãs, pode-se esperar para êste filho-familia o desenvolvimento, não o declínio. [A. ll, 77].

9. O SACRIFÍCIO
Mãha, faz tua oferenda (diz)
Mas fazendo isto, purifica teu coração
em todos os seus movimentos.
Aquêle que oferece, a oferenda vem em auxílio
sustentado por ela, êle abandona o ódio.
Tôda a paixão desaparecida, todo o ódio banido,
que reaviva então, e sem limites.
um coração de benevolência (150)
e noite e dia irradia com zêlo
em todos os quadrantes do mundo até o infinito.
Aquêle que oferece, ó Mãgha (diz então) a oferenda triplamente dotada (151)
tornará as oferendas prósperas
dando a homens dignos dêstes dons.
Oferecendo assim em um espírito justo,
o homem de coração caridoso surge, eu o proclamo.
até no mundo de Brahma! [Sn. 209, 506, 507]
[150. A mesma palavra que nós temos em outras passagens traduzida por “amor”],
[151. Cf. A. llI. 336. onde vemos que a vantagem do doador é tripIa: antes de dar, êle sente uma alegria em seu coração; dando, ele tem o coração satisfeito; quando êle deu, seu coração é exaltado].
Ó brâmane, mesmo antes do sacrifício, aquêle que prepara o fogo, que coloca a viga, ergue na realidade três espadas malfazejas, más em sua eficácia más em seu fruto, Quais são estas três espadas? A espada da ação, a espada da palavra e a espada do pensamento. Mesmo antes do sacrifício, ó brâmane, aquêle que prepara o fogo, que coloca a viga, provoca o aparecimento de pensamentos como êste: "Que por êste sacrifício sejam massacrados tantos touros, vitelas, novilhas, cabras e carneiros!" Acreditando adquirir mérito êle faz demérito; acreditando fazer o bem, êle faz o mal; acreditando procurar o caminho que leva à felicidade, êle se afunda no caminho da infelicidade, Ó brâmane, mesmo antes do sacrifício, aquêle que prepara o fogo, que coloca a viga ergue em primeiro lugar esta espada do pensamento que é malfazeja, má em sua eficácia, má em seu fruto. Além disso, ó brâmane, mesmo antes do sacrifício, aquêle que etc... provoca dizer isto: "Que por êste sacrifício sejam massacrados...etc...", Acreditando adquirir mérito, êle faz o demérito... êle se afunda no caminho da infelicidade, O brâmane, aquêle que etc.., ergue em segundo lugar esta espada da palavra. E o que é mais, brâmane, mesmo antes do sacrifício, aquêle que prepara o fogo, coloca a viga, inicia êle mesmo todo o trabalho dizendo: “Que se abatam touros, vitelas”; faz o demérito...êle se afunda no caminho da infelicidade. Ó brâmane, mesmo antes do sacrifício, aquêle que prepara o fogo, e coloca a viga, ergue em terceiro lugar esta espada da ação. Estas três espadas malfazejas são más em sua eficácia, más em seu fruto. Brâmanes, há três fogos que devem ser abandonados, evitados, dêles se deve fugir. Quais são? São os fogos da paixão, do ódio e da ilusão. E por que devem ser abandonados, evitados e dêle se deve fugir? Quando o espírito é enganado, dominado obsedado pela paixão, o ódio ou a ilusão, o homem escolhe um caminho mau em ação, em palavra e em pensamento; quando da decomposição de seu corpo após a morte, êle surge no Deserto, no mau Destino, a Queda, o inferno Niraya. É por isso que êstes três fogos devem ser abandonados, evitados e dêles se deve fugir. Brâmanes, os três fogos seguintes, estimados, reverenciados, venerados, respeitados, não falham em trazer a felicidade perfeita. Quais são? São os fogos do Venerável, do chefe de família do digno de oferendas. Em que consiste o fogo do Venerável? Considera, Brâmane, o homem que honra sua mãe e seu pai: eis o que se chama o fogo do venerável. E por quê? Porque esta veneração se produziu [como uma chama perpétua]. É por isso, ó brâmane, que o fogo do venerável, se êle é estimado, reverenciado, venerado, respeitado, não falha em trazer a felicidade perfeita. Em que consiste o fogo de chefe de família? Considera, brâmane, o homem que honra seus filhos, as mulheres de sua casa, seus escravos, seus mensageiros seus trabalhadores: eis o que se chama o fogo de chefe de família. É por isso que o fogo de chefe de família, se êle é estimado...não falha em trazer a felicidade perfeita. Em que consiste o fogo do digno de oferendas? Considera, brâmane, êstes eremitas e brâmanes que se abstêm do orgulho e da indolência, que suportam tudo com paciência e humildade, cada um domando seu eu, cada um levando o eu à obtenção do perfeito Nirvâna: eis o que se chama o fogo do digno de oferendas. É por isso, ó brâmane, o fogo do digno de oferendas, se êle é estimado, reverenciado, venerado, respeitado não falha em trazer a felicidade perfeita. (154) Não, brâmane, eu não aprovo todos os sacrifícios. Eu não recuso também minha aprovação a todos os sacrifícios onde se massacram vacas, cabras, carneiros, aves domésticas e porcos e onde sêres vivos são destruídos, todo sacrifício, ó brâmane, que traz uma matança eu não o aprovo. Por quê? De um sacrifício dêste gênero que acarreta uma matança, nem os Perfeitos, nem aquêles que entraram no caminho da pedeição jamais se aproximam. Mas o sacrifício onde se não massacram vacas, nem cabras, nem carneiros, nem aves domésticas, nem porcos onde sêres vivos não são destruídos, todo sacrifício que não acarreta matança, eu o aprovo: por exemplo, se é uma liberalidade de fundação antiga, uma oferenda pela prosperidade da família. Por quê? Porque de um sacrifício dêste gênero, que não traz matança, os perfeitos e os que entraram no caminho da perfeição se aproximam de bom grado. Os sacrifícios chamados o Cavalo, o Homem, o Lançamento da Cavilha o Rito da bebida, a casa desaferrolhada, (155) são cheios de crueldade e de poucos frutos. Ali onde cabras, ovelhas e gado de tôdas as espécies são sacrificados, não vão os grandes sábios que seguiram a via correta. Mas os sacrifícios desprovidos de crueldade, Que os homens perpetuam para a vantagem do clã, não são jamais sacrificados aos sacrifícios dêste gênero; vão os sábios que seguiram o caminho correto. Os prudentes devem celebrá-los; grande é dêles o fruto: êles trazem ganho e não perda. Prodigai vossas oferendas: elas agradam aos devas. (156) [A. 11, 49.-43; as estâncias se encontram também em S. I, 76].
[154. parinibbãpenti “se dominar, se acalmar, se tomar inteiramente calmo”. A palavra se encontra também no A. I. 169; lI, 68; III, 46; D. lll. 61. Ver pág. 35].
[155. Estes sacrifícios são mencionados igualmente em A. iv. 151; S. I, 76; lt. pág. 21]
[156 F. L. Woodward. G. S. ii. 49 e segs].

10. OS ANIMAIS
Vêde, ó monges, êste pescador que após ter massacrado: uma prêsa de peixes, vende suas rêdes? Jamais, ó monges eu ouvi ou ouvi falar de um pescador que graças a seus atos, graças à vida que leva, passearia no dorso de elefante ou de cavalo, ou num carro ou palanquim, que festejaria nos banquetes ou viveria na abundância de uma grande riqueza. Por quê? Porque êle tem uma alegria má de ver o peixe massacrado ou levado ao massacre. O mesmo acontece para o açougueiro que mata e põe à venda gado, carneiro, porcos, caça animais da floresta. É porque êle tem uma alegria má de vê-Ios massacrados ou levados ao massacre que êle não passeia no dorso do elefante etc... que êle não vive na abundância de uma grande riqueza. Mas aquêle que experimenta uma alegria má de ver um ser humano massacrado ou levado ao massacre, são reservados desgostos e dores por muito tempo; quando da decomposição de seu corpo após a morte, êle surgirá no Deserto, no Mau Destino, na Queda, no inferno Niraya. [S. iii, 301].
Eu poderia por muitas imagens ó monges, explicar-vos o que é um nascimento animal, mas ficarei nisto: não é fácil, monges, de o descrever completamente, tanto o nascimento animal comporta misérias. [M. I, 169].
Homens tolos! Como poderias cavar o solo ou fazê-Io cavar por outrem? As pessoas pensam que há sêres vivos no solo. Um religioso que cava o solo ou o faz cavar comete uma falta de expiação. [Vin. IV, 32].
Homens tolos! Como podeis derrubar uma árvore ou fazê-Ia derrubar por outrem? As pessoas pensam que há sêres vivos numa árvore. É uma falta de expiação a de destruir o crescimento do vegetal. [Vin. IV, 34].
O monge que privasse da vida intencionalmente um ser que respira cometeria uma falta de expiação. [Vin. IV, 124].
O monge que espalhasse sôbre a erva ou sôbre o barro da água que êle sabe conter sêres que respiram, ou que a fizesse espalhar por outrem, cometeria uma falta de expiação. [Vin. IV, 49].
O peixe e a carne são puros em três circunstâncias: se não se sabe, se não se conhece, ou se não se suspeita que o animal tenha sido morto para consumação. [Vin. iii, 171]

V. A EVOLUÇÃO
1. A EVOLUÇÃO
Há, ó monges, eremitas e brâmanes que são em parte eternalistas, em parte não-eternalistas. Eles assentam em princípio por quatro razões que o eu e o mundo são em parte eternos, em parte não-eternos. Quais são os motivos? Ó monges, se produz um estado em que, a um momento dado após um longo lapso de tempo, êste mundo está em involução. (157) Este mundo estando em involução, os sêres na sua maioria tornam-se Radiantes. Tornam-se compostos de espírito, gozam do êxtase, lúcido quanto ao eu, circulando no céu, permanecendo na glória; êles duram durante uma longa, longa existência. Ora, monges, produz-se um estado em que, a um dado momento, após um longo lapso de tempo, êste mundo está em evolução. Este mundo estando em evolução, vem a aparecer a morada vazia de um Brahma. Então um ser, seja que a duração de sua vida esteja esgotada seja que seu mérito esteja esgotado tendo morrido no grupo dos Radiantes, surge na morada vazia de um Brahma. (158) Ele se toma composto de espírito, goza do êxtase, lúcido quanto ao eu, circulando no céu, permanecendo na glória, êle dura durante uma longa, longa existência. Se eu estando perturbado, de aí permanecer na solidão, após uma longa existência, a falta de contentamento e a agitação nascem nêle, e êle pensa: "Praza ao Céu que outros sêres venham também a êste estado". Então determinados sêres também êles, seja porque a duração de sua vida está esgotada, seja porque seu mérito está esgotado, tendo morrido no grupo dos Radiantes surjam na morada de Brahma, na companhia dêste ser. Estes são igualmente compostos de espíritos... etc. e duram durante uma longa existência. Em conseqüência, ó monges, vem ao ser que surgiu ali primeiro esta idéia: "Sou eu que um Brahma, um grande Brahmã, Vencedor, invencível, Aquêle que tudo vê, que governa, Senhor, Fazedor, Criador, Chefe, Dispensador, Mestre, Pai de todos os sêres que vieram a ser e virão. Estes sêres são criados por mim. Qual é a causa disto? Primeiro me veio esta idéia: "Praza ao Céu que outros sêres venham a êste estado". E tal era minha resolução que êstes sêres vieram a êste estado. E também aos sêres que suspiram mais tarde veio esta idéia: "este Brahmã venerado é um grande Brahmã... Pai de todos os sêres que vieram a ser e virão. Nós fomos criados por êste Brahmã. Qual foi a causa disto? É que vemos que êle surgiu aqui primeiro e que nós surgimos depois dêle". Mas pode suceder, ó monges, que um ser tendo morrido neste grupo, venha a êste estado e abandone o lar, viver sem lar. Tendo feito assim, pode suceder que pelo resultado de seu ardor, por um resultado de seu esfôrço, por um resultado de sua aplicação, por um resultado de sua sinceridade, como resultado de seu trabalho mental correto, êle atinja a uma contemplação mental tal que, seu espírito estando em contemplação, êle se possa lembrar desta habitação anterior: êle não se lembra de nenhuma outra anterior a essa. Ele diz: O Brahmã venerado que é um grande Brahmã, Vencedor, invencível etc... Pai de todos os sêres que vieram e virão a ser, é por êste Brahmã venerado que fomos criados. Ele é permanente, estável, eterno, não sujeito à mudança, igual ao eterno pois durará como êle. Mas aquêles dentre nós que foram criados por êstes Brahmã, tendo chegado a êste estado, são impermanentes, instáveis, de curta vida, sujeitos à morte. É a primeira consideração pela qual alguns eremitas e brâmanes assentam em princípio que o eu e o mundo são em parte eterno, em parte não-eternos. Em segundo lugar, ó monges, há devas que são chamados "Corrompidos pelo prazer”. Durante um tempo prodigiosamente longo êles vivem inteiramente para as coisas do riso, do prazer do deleite; por isso sua memória é confusa, e como sua memória é confusa êstes devas morrem neste grupo. (159) Mas pode suceder, ó monges, que tendo morrido neste grupo, um ser vem a êste estado e abandona o lar para viver sem lar. Tendo feito assim. .. (etc. como acima). .. êle não se lembra de nenhuma habitação anterior a essa. EIe pensa: "Os dignos devas, que não estão corrompidos pelo prazer, não viveram durante um tempo prodigiosamente longo inteiramente para as coisas do riso, do prazer, do deleite; assim sua memória não é confusa, e sua memória, não sendo confusa, êstes devas não morrem neste grupo. EIes são permanentes, estáveis, ternos, não sujeitos à mudança; êles são semelhantes ao eterno, pois durarão como êle. Mas aquêles dentre nós que viveram inteiramente para as coisas do riso, do prazer, do deleite durante um tempo prodigiosamente longo, têm a memória confusa: nossa memória sendo confusa, nós morreremos neste grupo e chegaremos a êste estado. Nós somos impermanentes, instáveis, de curta vida, sujeitos, à morte”. É a segunda consideração pela qual alguns eremitas e brâmanes assentam em princípio que o eu e o mundo são em parte eternos, em parte não-eternos. Em terceiro lugar, ó monges, há devas que se chamam "Corrompidos em espírito". Durante um tempo prodigiosamente longo, êles são considerados e julgados entre êles de uma maneira invejosa. Como conseqüência disto seus espíritos são maculados uns em relação: aos outros, e em conseqüência seu corpo é cansado, seu espírito é cansado. Eles morrem neste grupo. Mas pode suceder, ó monges que tendo morrido neste grupo, um ser vem neste estado, e abandona o lar para viver sem lar... (como acima); êle não se lembra de nenhuma habitação anterior a essa. Ele diz: "Os dignos devas que não são corrompidos em espírito não são considerados e julgados entre si de modo invejoso durante um tempo prodigiosamente longo. Assim seus espíritos não são maculados uns em relação aos outros, seu corpo e seu espírito não estão cansados. Estes devas não morrem neste grupo. Eles são permanentes... (etc.), êles durarão. Nós que somos Corrompidos em espírito, que somos considerados e julgados entre nós de modo invejoso durante um tempo prodigiosamente longo, nós cujo corpo e espírito estão cansados, nós que, tendo morrido neste grupo, chegamos a êste estado; nós somos impermanentes, instáveis, de vida curta, sujeitos à morte." É a terceira consideração pela qual alguns eremitas e brâmanes assentam em princípio que o eu e o mundo são em parte eternos, em parte não-eternos. Em quarto lugar, ó monges, um eremita ou brâmane raciocina e estuda. (160) De acordo com um sistema por êle inventado, elaborado sóbre o raciocínio, baseado sóbre o estudo, êle fala da seguinte maneira: "Tudo o que se pode chamar ôlho, orelha, nariz, língua, corpo, êsse eu é impermanente, instável não eterno, sujeito à mudança. Mas o que chama espírito, pensamento ou consciência êste eu é permanente, estável, não sujeito à mudança; semelhante ao eterno, pois como êle durará." É a quarta consideração pela qual alguns eremitas e brâmanes que são em parte eternalistas, em parte não-eternalistas, assentam em princípio que o eu e o mundo são em parte eternos, em parte não-eternos. Disto, ó monges, o Descobridor da Verdade tem a presciência: Estas opiniões especulativas, sustentadas desta maneira, afirmadas deste modo, terminarão por levar a êste ou àquele destino, a êste ou àquele estado futuro. Disso o Descobridor da Verdade tem a presciência, e tem a presciência de outras coisas ainda. Mas mesmo tendo esta presciência êle nela não insiste. Como êle não insiste, o nirvana se encontra nêle, conhecido de si mesmo; conhecendo tais como são verdadeiramente a origem e o desaparecimento das sensações, sua doçura; seu perigo, e o modo de dêles se evadir, o Descobridor da Verdade, ó monges, é libertado sem que subsista nêle um resíduo qualquer [levando a outra existência]. [D. I. 17-22; cf. D. iii. 84].
[157. Conforme a teoria tradicional dos ciclos que é mais desenvolvida no Vism. 414 e segs. cf. também DA. I, 110].
[158. Como Baka Brahmã, M.I, 329 e o próprio Buda. A. iv.88].
[159. É o equivalente exato das expressões de Platão no Phoedrus 248 e].
[160. Posição que Buda declara expressamente não adotar ele próprio: M, i, 68 e segs; pois seu conhecimento não é indutivo, mas a priori].

2. A UNIDADE DO GÊNERO HUMANO
Vãsettha responde êle, eu te irei expor segundo a verdade e gradualmente, a divisão em espécies dos sêres vivos; pois as espécies os dividem. (161) Considera ervas e árvores! êles não raciocinam; entretanto êles são marcados cada um segundo sua espécie; pois em verdade as espécies se diferenciam.
Considera em seguida os besouros, as borboletas, as formigas, cada um segundo sua espécie, êles também são marcados...
Da mesma maneira os quadrúpedes, grandes e pequenos, os répteis, as serpentes, os animais de longo dorso, os peixes, os hóspedes do lago, os habitantes das águas, os pássaros, as criaturas aladas que povoam o espaço; todos são marcados segundo sua espécie, pois as espécies se diferenciam. Cada um segundo sua espécie leva sua marca. (162)
No homem não há multiplicidade, (163) nem na cabeleira, nem na cabeça, as orelhas ou os olhos, nem na bôca, no nariz, os lábios e as sobrancelhas, nem na garganta, quadris, o ventre ou o dorso, nem nas nádegas, os órgãos sexuais, ou o peito, nem nas mãos, os pés, os dedos ou as unhas,
nem nas pernas e as coxas, nem a tez nem a voz,
não há uma marca que diga sua espécie, como em todos os outros. Nada que seja único (164) nem se encontre no corpo humano: a diferença dos homens é puramente nominal. (165) [Sn. 600-611].
[161. Há nêles uma diversidade de espécies].
[162. Ou nódoa de nascimento].
[163. Não há várias marcas de nascimento].
[164. Isto é, específico].
[165. E. M. Rare, Woven Cadences].

VI. A DOUTRINA
1. A CAUSALIDADE
Eu vos ensinarei o dhamma. Se isto é, aquilo vem à existência; do surgir disto surge aquilo; se isto não é, aquilo não vem à existência; da cessação disto, aquilo cessa. (166) [M. ii. 32].
[166 Aristóteles, Met. VI, 3, I: "A será ou não será? - Elo será se B fôr, de outra maneira, não"].
Aquêle que vê o surgir pelo meio das causas vê o dhamma; aquêle que vê o dhamma vê o surgir pelo meio das causas. [M. I. 190-191].
Este surgir pelo meio das causas, Ãnanda, é profundo e tem a aparência de ser profundo. É não conhecendo, não descobrindo, não penetrando neste dhamma que a presente geração, emaranhada como uma meada de cordel coberta de nigela como um campo de ervas, não pode escapar ao Deserto, ao Mau Destino, à Queda, à continuação das existências. [D. ii, 55; S. ii. 92].
Em que consiste, ó monges o surgir pelo meio das causas? As construções são condicionadas pela ignorância; a consciência é condicionada pelas construções; o nome-e-forma é condicionado pela consciência; as seis esferas (dos sentidos) são condicionadas pelo nome-e-forma; o contacto é condicionado pelas seis esferas (dos sentidos); a sensação é condicionada pelo contacto;. a apetência é condicionada pela sensação; a posse é condicionada pelo nome-e-forma; o contacto é condicionado pela posse; o nascimento é condicionado pelo porvir; condicionado pelo nascimento e velhice e a morte, o desgôsto, o sofrimento, a dor, o desespêro e as lamentações vêm à existência. Assim se produz a origem de todo êste conjunto de males. Eis monges, o que se chama o surgir. A interrupção das construções resulta do completo afastamento e da interrupção da ignorância; a interrupção da consciência resulta da interrupção das construções; a interrupção do nome-e-forma da interrupção da consciência; a interrupção das seis esferas (dos sentidos), da interrupção do nome-e- forma; a interrupção do contacto, da interrupção das seis esferas; a interrupção da sensação da interrupção do contacto; a interrupção da apetência da interrupção da sensação, a interrupção da posse, da interrupção da apetência; a interrupção do porvir ou da interrupção da posse; a interrupção do nascimento, da interrupção do porvir; e pela interrupção do nascimento, a velhice e a morte, o desgôsto, o sofrimento, a dor, o desespêro, e as lamentações se encontram interrompidas. Assim se produz a interrupção de todo êste composto de males. [S. ii 1-2]
Do surgir da ignorância vem o surgimento das construções: da interrupção da ignorância a interrupção das construções. Esta óctupla via ariana é em si mesma o caminho que conduz d interrupção das construções: isto é, à opinião correta, a concepção correta, à palavra correta, à ação correta, à conduta correta, ao esfôrço correto, à vigilância correta, à contemplação correta. Na medida em que o discípulo ariano conhece assim a causa, concebe também o surgimento da causa, conhece assim a interrupção da causa, conhece assim caminho que leva à interrupção da causa, dir-se-á, ó monges, que é um discípulo ariano dotado da opinião [correta], doado de vista, que chegou a êste verdadeiro dhamma, que vê o verdadeiro dhamma, que é dotado do saber do noviço; doado da doutrina do noviço, que atingiu a corrente do dhamma, que possui a sa ria discriminante ariana; e que bate agora à porta do imortal. [S.ii u, 43].
Do surgir do nascimento vem o surgir do envelhecimento da morte; da interrupção do nascimento vem a interrupção o envelhecimento e da morte. Esta óctupla via ariana é em si mesma o caminho que leva à interrupção do envelhecimento e da morte: isto é: à opinião correta... [etc. como acima]... à contemplação correta. Na medida em que o discípulo ariano conhece assim o envelhecimento e a morte, conhece também seu surgimento, conhece assim sua interrupção, conhece assim o caminho que leva à sua interrupção, possui monges, o conhecimento do dhamma; e por êste dhamma que se vê, que se discerne, o que não é temporal, que se obtém, no qual se mergulha, êle tira relativamente ao passado ao futuro estas conclusões: "Todos os eremitas e brâmanes os tempos passados que compreenderam perfeitamente o envelhecimento e a morte, seu surgimento, sua interrupção, o caminho que leva à sua interrupção, todos êstes [sábios] compreenderam perfeitamente estas questões como eu as compreendo agora. E todos os eremitas e brâmanes dos tempos a vir, que compreenderão perfeitamente o envelhecimento e a morte, seu surgimento, sua interrupção, o caminho que leva à sua interrupção, todos êstes [sábios] compreenderão estas questões perfeitamente como eu as compreendo agora." Este é o seu conhecimento da relação [lógica]. Na medida em que êstes dois conhecimentos: o do dhamma e o da relação [lógica], são limpos e purificados no discípulo ariano êste, ó monges, é chamado discípulo ariano dotado da opinião correta, dotado da vista, que veio a êste verdadeiro dhamma, que é dotado do saber do aprendiz, dotado da doutrina do aprendiz, que atingiu a corrente do dhamma, que possui a sabedoria discriminante ariana, e que bate agora à porta do imortal. [S. ii, 57-58]

2. O EU
A. Os dois "eu".
O Eu é O mestre do eu; que outro mestre poderia existir? [Dh. 160].
O eu não está no Eu. [Dh.62]
Aquêle, perseverante, liberto das opiniões, não é maculado pelo mundo, nem censurado pelo Eu. [Sn. 918].
Ele deve refrear todo o desejo de um ou outro fim (167) iem cometer nenhuma falta que o Eu censurasse. [Sn. 778].
Se se conhecesse o Eu por muito precioso, deve-se mantê- lo bem guardado. [Dh.157].
[167. Anta. Comparar outros "extremos sem saída". O seguir-se um ou outro dêstes extremos é uma falsa opinião, Vin. 1. 172].
B. O Grande Eu
Da contemplação intensa (171) nasce a sabedoria; pela falta de contemplação intensa a sabedoria empalidece; conhecendo esta dupla vereda, pelo porvir e o não-porvir êle dará ao Eu tal abri-lo que sua sabedoria crescerá. [Dh. 282].
[171. O Yoga]
Eis o que é bem dito, Sãriputta, eis o que é bem dito! E precisamente nisso que consiste todo o caminhar com Brahma: a amizade, a camaradagem, a familiaridade com o amável. (173) Do religioso que possui a amizade, a camaradagem, a familiaridade com o amável, pode-se esperar que êle virá a ser a óctupla via ariana, que êle a tomará a peito... A mim, Sáriputta, que pertence a familiaridade com o amável, graças à qual os sêres sujeitos ao nascimento são libertados do nascimento, os sêres sujeitos à velhice são libertos da velhice, os sêres sujeitos à morte são liberto da morte, os sêres sujeitos ao desgosto, ao sofrimento, às lamentações, ao desespêro são libertos. [S. v, 3].
[173. O amável só pode designar o Grande Eu].
Eu não vejo outro estado que permita à óctuple via ariana surgir se ela já surgiu ou ser levada à perfeição de sua cultura se ela surgiu, a não ser esta amizade com o amável. [S. v, 35].
Da mesma maneira que a aurora, ó monges, precede e anuncia o levantar do Sol, também a amizade com o amável precede e anuncia o erguer dos sete membros da sabedoria no religioso. [S. v, 101].
Quanto aos fatores exteriores (ao corpo) eu não vejo outro que contribua ao surgimento dos sete membros da sabedoria que esta amizade com o amável. [S. v, 102]
Caminhai, ó monges, tomando o Eu por candeia, o Eu por refúgio, e nenhum outro; tomando o dhamma por candeia, o dhamma por refúgio, nenhum outro. Os que caminham com o Eu e o dhamma por candeia e por refúgio, e nenhum outro, devem procurar a fonte mesma [das coisas] se perguntando: "Em que consiste o nascimento e a origem da dor, do desgôsto, da infelicidade, das lamentações e do desespêro?" E qual é, pois sua origem, ó monges? A multidão das pessoas não esclarecidas, incapaz de reconhecer os arianos, pouco versada, pouco exercitada no dhamma, encara a forma material como o Eu ou [se representa] o Eu possuindo uma forma material, ou a forma material como estando no Eu, ou o Eu como estando na forma material. Mas nossa forma material muda e se torna outra, e conseqüentemente a dor, o desgôsto, a infelicidade, as lamentações e o desespêro surgem. Mas o discípulo ariano esclarecido pensa: "Outrora como agora, tôda a forma material era impermanente, sofredora, sujeita à mudança. Graças à sabedoria correta, que vê as coisas se passam verdadeiramente, a dor, o desgôsto, a infelicidade, as lamentações, o desespêro declinam” Longe de estar inquieto de seu declínio, êle vive sem inquietude e na comodidade; do religioso que atingiu o nirvana a respeito de tudo isso, diz-se que êle vive assim. O mesmo sucede com a sensação, a percepção, as construções, a consciência. [S. ii. 42-43]
C. O pequeno eu.
O mal é feito pelo eu; pelo eu se cai na infelicidade;
O eu nos traz sempre o mal; o eu nos purifica.
O puro e o impuro, isso pertence ao eu;
Não se poderia tornar puro outrem. [Dh. 165].
O mal é feito unicamente pelo eu, nasce do eu, é trazido à existência pelo eu. [Dh. 161].
Os bem domados devem pôr-se a domar; pois, diz-se, o eu é muito duro para domar. [Dh. 159].
A forma material é efêmera. O que é efêmero é sofrimento. O que é sofrimento não é o Eu. O que não é o Eu não é meu; eu não sou aquilo, aquilo não é o Eu. Deve-se discerni-lo pela sabedoria correta tal que aquilo vem à existência; e reconhecendo-o assim pela sabedoria correta, o espírito não faz mais caso dêle e se encontra liberto dos fluxos sem nenhuma apetência. Estando liberto, êle é perseverante, sendo perseverante, êle é feliz; sendo feliz, êle não é perturbado; não sendo perturbado chega-se individualmente ao nirvana absoluto (parinibbayati) e diz-se isto: "O nascimento foi destruído, a vida com Brahma foi vivida, o que havia a fazer foi feito, não há mais vir a ser isto ou aquilo”. O mesmo sucede com a sensação, a percepção, as construções, a consciência. [S. iii, 44-45].
Pode existir, ó monges, que um tolo, sem inteligência, sem saber, o espírito dominado pelos apetites, pensa em se afastar da doutrina do Mestre nestes têrmos: "Assim, dizeis, a forma material não é o Eu; a sensação... a percepção... as construções...a consciência não são o Eu. De que Eu se trata então quando se fala de ações que não são devidas ao eu? Vós outros, meus monges, fostes instruídos por mim na causalidade (patipucha) por tôda a parte e em todo objeto. A forma material e o resto são efêmeros, sujeitos ao sofrimento, sujeitos à mudança. Por conseguinte, deve-se reconhecer como é o caso realmente, que nenhuma forma material, nenhuma sensação... [etc.] não é minha; eu não sou isto, não é meu Eu. [M. iii, 19; S. iii, 109].
Ó monges, tudo arde. O que é êste tudo que arde? O ôlho arde, as formas materiais ardem, a consciência pelo ôlho arde, o contacto pelo ôlho arde; em outras palavras, a sensação que resulta do contacto pelo ôlho, quer seja agradável quer dolorosa, ou bem nem dolorosa nem agradável, esta sensação ela também arde. O que é que a faz arder? Eu digo que ela arde do fogo da paixão, do fogo do ódio, do fogo da ilusão; que ela arde do nascimento, da velhice, da morte, do desgôsto, da dor, do sofrimento, das lamentações e do desespêro. A orelha arde, os sons ardem... o nariz arde, os odôres ardem... o corpo arde, os objetos tangíveis ardem... o espírito arde, os estados mentais ardem, a consciência pelo espírito arde, o contacto pelo espírito arde; em outras palavras, a sensação que resulta do contacto pelo espírito arde também, quer seja agradável ou dolorosa, ou bem nem dolorosa nem agradável. O que é que a faz arder? Eu digo que ela arde do fogo da paixão, do fogo do ódio, do fogo da ilusão; que ela arde do nascimento, da velhice, da morte, do desgôsto, da dor, do sofrimento, das lamentações e do desespêro. Reconhecendo isso, o discípulo ariano esclarecido não faz nenhum caso de todos os órgãos dos sentidos nem dos dados dos sentidos que eu digo estarem ardendo. Não fazendo nenhum caso disto, êle é impassível; pela impassibilidade êle é liberto, na libertação nasce êste conhecimento: "Eu estou liberto e êle sabe que o nascimento é destruído, a vida com Brahma foi vivida, o que havia a fazer foi feito, não há mais para êle de vir a ser isto ou aquilo." [Vin. I, 34].
Não crer que "Eu sou", é a liberdade. [Ud.74].
Rejeitar a noção "Eu sou". [M. I. 139].
O que é efêmero é mau; o que é mau não é o Eu; O que não é o Eu não é meu; eu não sou aquilo, aquílo não é meu Eu. .. Felizes em verdade os Perfeitos! O pensamento "Eu sou" estando extirpado; a rêde da ilusão se rasga. [S. iii. 88].
Quando o pensamento "Eu sou" foi extirpado, o religioso não está mais em chamas. [A. ii. 216]
"Senhor, como o espírito daquele que sabe, daquele e vê, acaba por se libertar da idéia "Eu sou o agente, o ente é meu" e do "Eu sou" implícito a respeito dêste corpo modo pela consciência, ou dos elementos que lhe são exteriores, de modo, a atingir a transcendência de tôdas as distinções, a tranqüilidade, a verdadeira libertação? - De tôda a forma material, ó Rãhula, de tôda a sensação percepção, construção, consciência, passada ou futuro da qual êle terá pensado "Aquilo não é meu, não sou aquilo, aquilo não é meu Eu, se êle reconhece ia sabedoria correta desta forma material, esta sensação...etc., pelo que ela é verdadeiramente, êle se torna liberto sem resíduo [de nascimento possível]. [S. iii, 136-137].
Monges, se o religioso percebe seis vantagens, elas lhe bastarão para estabelecer, sem nenhuma reserva, a consciência do que não é o Eu. Quais são? Estas vantagens são o pensamento: "Eu me tornarei sem desejo a respeito do universo inteiro" e a noção "Eu sou o agente" serão sufocadas; a noção "O agente é meu" será sufocada; eu entrarei na posse do saber que não se comunica; eu discernirei do modo justo a causa e a origem causal das coisas. [A. iii, 444].
Pode suceder, Ãnanda, que um religioso adquira a contemplação de tal sorte que a respeito de seu corpo que é contemplado pela consciência, assim como dos elementos que lhe exteriores, êle não possa mais conservar a noção: "Eu sou agente, o agente é meu" meu nenhum "Eu sou" implícito; a liberdade do coração, tôda liberdade do intelecto em que o religioso penetra e permanece sem ter a noção "Eu o agente, o agente é meu" meu nenhum "Eu sou" implícito, tendo penetrado nesta liberdade do coração, esta liberdade intelecta, êle poderia aí permanecer. Pois, Ãnanda, virá ao espírito do religioso [esta idéia]: "Isto é a paz, isto é excelente, isto é o apaziguamento de tôdas as construções, a rendição de todo o resíduo [de nascimento possível] a destruição da apetência, a impassibilidade, a interrupção, o nirvana”.[A. I, 132-133].

3. OS ATOS E A TRANSMIGRAÇÃO
Não faz parte dos hábitos do Descobridor da Verdade de assentar em princípio "O castigo, o castigo". É hábito do Descobridor da Verdade de assentar em princípio "os atos, os atos." Eu, ó Tapassin, assento em princípio que há três espécies de atos quando se comete uma ação má, quando se executa uma ação má, isto é: o ato do corpo, o ato da palavra, o ato do espírito. O ato do corpo é uma coisa, o ato da palavra outra, o ato do espírito outra ainda. Destas três espécies de atos assim classificados, assim particularizados, assento em princípio que o ato do espírito é o mais censurável no cometimento de uma má ação, na execução de uma má ação; o ato do corpo não o é tanto, o ato da palavra não o é tanto. [M. I, 373].
Monges, há três fontes na origem dos atos. Quais são elas? a cupidez, o ódio, a ilusão, são cada um uma fonte na origem dos atos. Todo o ato realizado por cupidez, tendo sua fonte na cupidez, sua origem na cupidez; por tôda a parte onde poderá surgir a individualidade, êste seu ato amadurecerá; e quando êste seu ato tiver amadurecido, o sujeito sofrerá o resultado de seu ato, seja neste mundo e desde agora, seja mais tarde, ou numa sucessão [de existência]. O mesmo sucede com o ato praticado por ódio, o mesmo com o ato praticado por ilusão. [A. I. 134].
Todo ato, ó monges, deve ser conhecido; conhecido em sua fonte e suas ligações, sua variedade, seu fruto, sua interrupção e no caminho que leva à sua interrupção. Por que isso? Eu digo, ó monges, que o querer é um ato. Querendo cumpre-se um ato do corpo, da palavra ou do pensamento. O contacto é a fonte e a ligação do ato. As variedades do ato são as seguintes: sofrem-nas no inferno Niraya, numa matriz animal, (renascendo num corpo animal) no reino dos mortos, no mundo dos homens, mundo dos devas. O fruto do ato é tríplice: pode surgir neste mundo e desde agora, ou mais tarde, ou numa sucessão [de existências]. A interrupção do ato é a interrupção do contacto. A presente Óctuple via ariana - a opinião correta, etc... - é em si mesma o caminho que leva à interrupção do ato. E na medida em que o discípulo ariano possui a presciência do ato, da fonte e da ligação do ato, de suas variedades, de seu fruto, de sua interrupção, do caminho que leva à sua interrupção, êle tem a presciência que esta vida com Brahma, em que se sabe discernir, é a interrupção do ato. [A. iii, 415].
O que chamamos pensamento, ó monges, o que chamamos espírito, o que chamamos consciência, é a isto que a multidão das pessoas pouco esclarecidas se agarra: é isto que êles insistem em dizer ser "meu", pensando: "Isto é meu, eu sou isto, isto é meu Eu". Melhor valeria, ó monges, que a multidão das pessoas pouco esclarecidas se voltasse para o corpo, antes que para o espírito, para aí reconhecer o Eu. Por quê? Ó monges, vê-se êste corpo durar um ano, dois anos, três, quatro, cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta anos, durar cem anos e mais ainda. Mas, ó monges, o que se chama pensamento, espírito e consciência se dissolve, noite e dia, e de uma coisa que era reaparece com outra. Como o monge que viaja na selva agarra um ramo, o solta e apanha outro, o que se chama pensamento, espírito e consciência, tudo isso, noite e dia, se dissolve, e, de uma coisa que era, reaparece como uma outra. [S. ii. 94].
A consciência é sustentada pelo corpo, a sensação, a percepção, as construções... Não se pode dizer que na ausência dêstes elementos haja um ir e vir ou um surgimento futuro da consciência. Desde que o religioso rejeitou sua paixão por êstes sustentáculos, não resta mais sustentáculo para a consciência. Por sua liberdade, é um homem cujo Eu é liberto; por sua estabilidade, é um homem cujo Eu, é estável; por seu contentamento é um homem cujo Eu é contente; por conseguinte, não há mais preocupação e não tendo mais preocupação, êle entra individualmente em posse do nirvana absoluto; e êle sabe que o nascimento terminou, que a vida com Brahma foi vivida, que o que havia a fazer foi feito; não há mais vir a ser isto ou aquilo. (201) [S. iii. 55 (abreviado)].
[201. Isto é que arahant, desperto, que não mais existe em nenhum modo].
Lembrando-se de suas "moradas anteriores" [suas existências passadas], do que o religioso se lembra, são as cinco bases da apetência, ou uma delas; êle pensa: "Desta ou daquela forma era meu corpo, ou minha sensação, ou minha percepção, minhas construções, minha consciência", e êste pensamento lhe dá a indiferença a respeito de seus corpos anteriores, sensações anteriores, etc... Pois todos êstes [elementos] são impermanentes; nem de seu conjunto nem de um dêles em particular se poderia dizer: "Aquilo é meu, eu sou aquilo, o aquilo é meu Eu". Ele rejeita tôdas estas apetências e não procura mais captá-Ias. (202) [S. iii. 86. e segs. (abreviado)].
[202. Notar a distinção entre o “eu” e o meu “Eu”, de uma parte e tudo o que “eu” não fui e que o “eu” não sou de outra parte].
Ó chefes de família, se alguém que marcha segundo o dhamma, que segue uma marcha igual, desejasse [um dêstes estados]: Possa eu, quando da decomposição de meu corpo após a morte, surgir na companhia de ricos nobres, de ricos brâmanes, de ricos chefes de família, com os devas dos quatro grandes Regentes, com os devas dos Trinta-e-três, com os devas de Yama, com os devas Satisfeitos, com os devas que se deleitam em criar, com os devas que têm todo o poder sôbre as criações dos outros, com os devas do séquito de Brahmã, com os devas do Esplendor, com os devas do Esplendor limitado, com os devas do Esplendor infinito, com os devas Luminosos, com os devas Belos, com os devas da Beleza limitada, com os devas da Beleza infinita, com os devas Irradiantes, com os devas Vehapphalã, com os devas Avihã, com os devas Novos, com os devas Graciosos, com os devas da Boa Vista, com os devas Antigos, com os devas que atingiram a infinidade do Éter, com os devas que atingiram a infinidade da Consciência, com os devas que atingiram o aniquilamento de si mesmos, com os devas que atingiram a "não percepção nem a não-percepção" - poderia suceder que surgisse e dessa maneira. Por quê? Porque é um ser que caminha segundo o dhamma, que segue uma marcha igual. Ó chefes de família, se alguém que caminha segundo o dhamma, que segue uma marcha igual, desejasse: "Possa eu, graças à destruição dos fluxos, tendo neste mundo e desde agora realizado pelo meu próprio saber superior a liberdade de coração e a liberdade de intelecto que são sem fluxos, aí permanecer" - poderia acontecer que êle ai permanecesse. Por quê? Porque é um ser que caminha segundo o dhamma, que segue uma marcha igual. [M. I, 289].
Constata-se que existem no mundo quatro tipos de indivíduos. Quais são? Há os sombrios, que caminham para as trevas, os sombrios que caminham para a claridade; os claros que caminham para as trevas, os claros que caminham para a claridade. Qual é aquêle que é sombrio, que caminha para as trevas? É, por exemplo, o homem nascido numa família humilde; êle é pobre, mal nutrido, vivendo numa condição miserável, aflito, disforme. Sua conduta do corpo, de palavra e de pensamento é má, de modo que quando da decomposição de seu corpo após a morte êle surge no Abismo, o Mau Destino, a Queda. É como se o ser caminhasse de cegueira em cegueira, das trevas a outras trevas, de uma mancha de sangue a outra. Qual é aquêle que é sombrio, e que caminha para a claridade? É, por exemplo, aquêle que é nascido nas condições más que acabo de dizer, mas cuja conduta de corpo, de palavra e de pensamento é boa, de modo que quando da decomposição de seu corpo após a morte êle surge num Bom Destino, num mundo celeste. É como se o ser se elevasse do solo num palanquim, do palanquim ao dorso de um cavalo, do dorso do cavalo ao dorso de um elefante ou do elefante sôbre um terraço. Qual é aquêle que é claro mas que caminha para as trevas? É, por exemplo, aquêle que nasceu numa família de elevada estirpe, muito rica, e com tudo que pode assegurar o prazer. Mas sua conduta de corpo, de palavra e de pensamento e mau, de sorte que quando da decomposição de seu corpo após a morte, êle surge no Abismo, o Mau Destino, a Queda. É como se o ser descesse de um terraço sôbre um elefante, do dorso do elefante ao dorso do cavalo, daí em um palanquim e do palanquim a terra. Qual é aquêle que é claro e que caminha para a claridade? É por exemplo, aquêle que nasceu nas circunstâncias felizes que eu acabo de dizer e cuja conduta de corpo, de palavra e de pensamento é boa, de modo que quando da decomposição de seu corpo após a morte, êle surge num Bom Destino, e num mundo celeste. É como se o ser passasse de um palanquim a um outro, de um cavalo a outro cavalo, de um elefante a um outro elefante, de um terraço a outro terraço. É por esta imagem que eu descrevo êste tipo de indivíduo. [S. I, 93-95]
[Quando o Mestre soube que tinha rejeitado diversos estados subjetivos maus, e que êle tinha concluído tomando diverso estados bons, êle se exprimiu por esta máxima:] Foi outrora e não foi mais; não foi mais e depois foi: Não era, isto não virá. isto não existe agora. [U.d. 66].
[O Mestre diz:] "Se isso não tivesse sido, isto não seria meu; isto não será, isto não será meu (209) E acrescentou: "O religioso que está bem convencido disto pode romper os empecilhos que o prendem às coisas inferiores". [S. iii, 55-56].
[209. Trata-se da individualidade, do eu, do ego empírico, de tudo o que não é "meu Eu". O primeiro verso enuncia o êrro, o segundo a verdade].
[Mas sustentar que:] "Se eu não tivesse sido, aquilo não seria meu; eu não serei, isto não será meu": é a posição aniquilacionista. [S. iii, 99].
O apóstata Citta sustenta esta proposição: "Eu era no passado, eu serei no futuro, eu sou no presente"; e por conseguinte, que seu eu, sua individualidade era, será e é agora, verdadeira e real. Buda responde que: "Estas três modalidades do eu, passado, futuro e presente, são meramente têrmos convencionais da linguagem corrente. Eu mesmo os emprego, mas não me deixo por êles enganar". [D. I. 178-203; cf. S. I, 14].
A velhice, a doença e a morte, eu delas ainda não triunfei... Mas serei bem sucedido, sem jamais voltar para trás, a travessia que se obtém pelo caminhar com Brahma. [A. iii, 75].
Inumeráveis são os nascimentos nos quais eu girei e corri em volta, procurando sempre sem jamais encontrar o construtor da casa. É mau renascer e renascer sempre. Agora eu te vi, construtor da casa; tu não construirás mais nunca para mim! Tôdas as pranchas estão rompidas, a viga-mestra do telhado está em pedaços; meu coração está livre de tôdas as construções, o desaparecimento da sêde é atingido. [J. I, 76; Dh, 153-154]
Em que sentido um monge é um caminhante? No sentido de que êle caminha rapidamente para o objetivo (210) desta longa estrada em que ainda não estêve; aí onde há a cessação de tôdas as construções, o abandono de tôdas as condições, o desaparecimento da apetência, a ausência, a ausência de concupiscência e a interrupção do porvir, o nirvana. (211) [A, iii, 164].
[210. O objetivo, disã yad “esta região em que”. Em outros têrmos, o viajante está a caminho para o “fim do mundo”, um destino que está “em nós” e que “não se atinge dando passos”, A, ii, 46].
[211. Assim o discípulo “vai, vai sempre”, mas o adepto lá “foi”].

4. O CAMINHO
Aquêle que caminha segundo o ensinou o Desperto a todos os que procuram, iria do não-além ao além; realizando o Caminho superior, atingiria o além partindo do não-além. [Sn. 1129-1130].
Aquêle que por uma vereda que o eu abriu. ó Sabhiya, diz o Senhor, foi ao absoluto nirvana, triunfou dos desejos, rejeitou o porvir e o não-porvir. viveu sua vida e destruiu todo o retornar-a-ser, êsse é um religioso. [Sn. 5]
Supõe agora, Tissa, dois homens, um ignorante do Caminho, outro versado no Caminho. Aquêle que é ignorante pergunta seu caminho àquele que é versado no caminho. O outro responde: "Sim, vós estais no caminho, senhor. Quando vós o tiverdes seguido por algum tempo, vereis que êle se divide em duas veredas. Deixai aquela da esquerda, tomai aquela da direita. Continuai a caminhar um pouco e vereis uma espêssa floresta. Um pouco mais longe vereis um grande pântano. Um pouco mais longe vereis um precipício escarpado. Um pouco mais longe vereis uma deliciosa planície de solo plano." É uma parábola, Tissa, para me fazer compreender, e eis dela a significação. O homem ignorante do caminho, é a multidão. O homem versado no caminho, é o Descobridor da Verdade, o Perfeito, o totalmente Desperto. A divisão em duas veredas, é o estado de hesitação. O caminho da esquerda, é a Óctuple via errônea: a da opinião errônea, dos conceitos errôneos, das palavras errôneas, dos atos errôneos, da conduta errônea, dos esforços errôneos, da vigilância errônea, da contemplação errônea. A vereda da direita é o símbolo do Octuple caminho ariano, o da opinião correta, etc... A floresta espêssa, Tissa, designa a ignorância. O grande pântano designa os prazeres sensuais. O precipício escarpado é sinônimo da turbulência, da cólera. A deliciosa planície de solo plano designa o nirvana. Sê reconfortado, Tissa. Eu te exortarei, te ajudarei, te instruirei. [S. iii, 108-109]
Supõe agora, Tissa, dois homens, um ignorante do Caminho, outro versado no Caminho. Aquêle que é ignorante pergunta seu caminho àquele que é versado no caminho. O outro responde: "Sim, vós estais no caminho, senhor. Quando vós o tiverdes seguido por algum tempo, vereis que êle se divide em duas veredas. Deixai aquela da esquerda, tomai aquela da direita. Continuai a caminhar um pouco e vereis uma espêssa floresta. Um pouco mais longe vereis um grande pântano. Um pouco mais longe vereis um precipício escarpado. Um pouco mais longe vereis uma deliciosa planície de solo plano." É uma parábola, Tissa, para me fazer compreender, e eis dela a significação. O homem ignorante do caminho, é a multidão. O homem versado no caminho, é o Descobridor da Verdade, o Perfeito, o totalmente Desperto. A divisão em duas veredas, é o estado de hesitação. O caminho da esquerda, é a Óctupla via errônea: a da opinião errônea, dos conceitos errôneos, das palavras errôneas, dos atos errôneos, da conduta errônea, dos esforços errôneos, da vigilância errônea, da contemplação errônea. A vereda da direita é o símbolo do Octuple caminho ariano, o da opinião correta, etc... A floresta espêssa, Tissa, designa a ignorância. O grande pântano designa os prazeres sensuais. O precipício escarpado é sinônimo da turbulência, da cólera. A deliciosa planície de solo plano designa o nirvana. Sê reconfortado, Tissa. Eu te exortarei, te ajudarei, te instruirei. [S. iii, 108-109]
Dois extremos sem saída, ó monges, não devem ser seguidos por aquêle que "saiu". Quais são êles? É aquêle de se dar aos prazeres sensuais atraentes, baixos, os do rústico, do homem médio, não ariano, sem relação com o objetivo; e aquêle de se dar à tortura do eu, que é mau, não-ariano, e sem relação com o objetivo. Ora, meus monges, sem adotar um ou outro dêstes extremos sem saída, há um caminho do meio perfeitamente compreendido pelo Descobridor da Verdade, favorável à visão, favorável ao conhecimento, conduzindo à tranqüilidade, ao conhecimento superior, ao despertar, ao nirvana. E qual é, ó monges, êste caminho do meio? É precisamente êste Octuple Caminho ariano, isto é a opinião correta, o conceito correto, a palavra correta, conduta correta, o esfôrço correto, a vigilância correta, a contemplação correta. (217) [Vin., I, 10]
[217. o comentário (Ma. I, 236) diz que é um óctuple caminho ariano].
Este caminho é o único que leva à purificação dos sêres, ao triunfo sôbre a dor e o desgôsto, à queda dos males e da tristeza, à aquisição do Método, à realização do nirvana; isto é, às quatro etapas da vigilância. [D. ii. 313; M. I. 55-63; S. v. 167-185].

5. A TRAVESSIA
Monges, eu vos ensinarei o dhamma, a parábola da balsa para transpor, não para reter. Ouvi-a, prestai bem atenção, e eu falarei. É como um homem, ó monges, que realizando uma viagem vise a uma grande extensão de água; a margem de cá repleta de perigos e de terrores, a margem de lá segura e sem terrores; mas pode suceder que não haja barco para atravessar, e não haja ponte, para passar do não-além ao além. Vem-lhe ao espírito que para passar dos perigos desta margem à segurança da outra êle deve fabricar uma balsa de bambus e paus, de galhos e folhagens, de modo que agitando braços e pernas e fiando-se nesta balsa, êle poderia atravessar com segurança até a margem de lá. Tendo feito assim, tendo passado ao lado de lá êle diz que a balsa foi muito útil, e êle se pergunta se deve continuar seu caminho trazendo-a ligada à sua cabeça e aos seus ombros. Que pensais disto, monges? Agindo assim, êste viajante faria da balsa o que seria conveniente fazer?
-Não, senhor.
- Que deve fazer para fazer o uso conveniente, ó monges? Este viajante, tendo passado para o lado de lá, e compreendendo quanto a balsa lhe foi útil, poderá se dizer: "Se agora eu continuasse meu caminho encalhando esta balsa sôbre o solo sêco, ou afundando-a na água?" Ó monges, o viajante que fizesse assim faria da balsa o uso conveniente. Da mesma maneira, ó monges, eu vos ensinei o dhamma, a parábola da balsa, para transpor, não para deter. Vós outros, monges, compreendendo a parábola da balsa, abandonareis mesmo os bons estados de espírito, e com mais forte razão, os maus. [M. I. 134-135].
Bem construída foi esta balsa ligada (dizia o Mestre em resposta); mas êle não tem nenhuma necessidade de balsa; êle atravessou, êle está do outro lado. êle transpôs a onda. (219) [Sn.21].
[219. E. M. Hare, Woven Cadences].
Esses transpondo os abismos e os rios contribuindo uma ponte acima do pântano, Vêde! as pessoas reúnem balsas; mas os Sábios já passaram. [Vin. I, 230; Ud. 90; D. ii. 89].
Os que não vivem professando aversão pela abstinência, que não fazem da aversão pela abstinência uma condição essencial, que não ligam a aversão pela abstinência, podem-se tornar aptos a atravessar as ondas. Os que praticam a pureza do corpo, da palavra e do espírito, aquêles cuja conduta é pura, podem-se tornar aptos ao saber, ao Despertar supremo. É como aquêle que quer transpor um rio. Ele tomaria um machado bem afiado e entraria num bosque. Se êle visse uma possante árvore sãl, reta, nova, não torcida, êle a corta rente à raiz. Isto feito, êle corta dela a ponta, limpa-a completamente de seus ramos e de sua folhagem. Isto feito êle a corta com o machado e em seguida com facas. Ele a raspa com a raspadeira, êle a pule com um seixo. Ele faz dela um barco, aí colocaremos e um leme. Isto feito, êle coloca seu barco no rio. Pensas tu, Sãlha, que êsse homem pode-se tornar apto a transpor o rio?
- Sim, senhor?
- Por quê?
- Porque, senhor, o tronco de sãl foi bem trabalhado no exterior, bem escavado no interior, transformado em barco, provido de remos e leme. Eis o que dêle se pode esperar: o barco não vai soçobrar, e o homem atravessará o rio são e salvo. [A. ii. 201].
É por isso que, sempre vigilante. o homem deve fugir dos prazeres. Assim aliviado, vazando seu bote, os viajantes do além transpõem as ondas (220) [Sn. 771]
[220. E. M. Hare, Woven Cadences]
Agitar braços e pernas, ó monges, é despertar energia. Ele passou, êle partiu para o lado de lá; o brâmane está sôbre a terra firme; é a imagem do Perfeito. [S. IV. 174-175].
A violência para com as criaturas pertence à margem de cá, abster-se delas à outra margem. Tomar o que não é dado pertence a esta margem; abster-se disso, à margem de lá. A má conduta quanto aos prazeres sensuais, é a margem de cá; abster-se dêles a margem de lá. A mentira, as palavras odiosas...as palavras amargas...a tagarelice ociosa...a cobiça...a malevolência...pertencem à margem de cá; abster-se disso à margem de lá. A falsa opinião, é a margem de cá; a opinião correta a margem de lá. [A. v. 252-253].
A falsa opinião, ó monges, é a margem de cá; a opinião correta é a margem de lá. O falso conceito é a margem de cá, o conceito correto, a margem de lá. A falsa palavra é a margem de cá, a palavra correta a margem de lá. A falsa ação é a margem de cá, a ação correta a margem de lá. A má conduta é a margem de cá, a conduta correta a margem de lá. O mau esfôrço é a margem de cá, o esfôrço correto a margem de lá. A falsa vigilância é a margem de cá, a vigilância correta a margem de lá. A falsa contemplação, a margem de cá, a contemplação correta a margem de lá. O falso conhecimento é a margem de cá, o conhecimento correto a margem de lá. A falsa liberdade é a margem de cá, a liberdade correta a margem de lá. Tal é, brâmanes, a margem de cá, tal é a margem de lá. [A. v. 232].

6. OS RIOS DA VIDA E DA MORTE
Deve-se rejeitar a dor e os prazeres dos sentidos,
aspirar para o futuro à segurança contra a escravidão.
Com o conhecimento correto, o coração bem liberto pode-se obter a liberdade aqui ou lá.
Quem é versado na doutrina, quem viveu com Brahma.
diz-se que "êle foi ao fim do mundo". "partiu para o além". [It. pág. 113-115].

Quando nasce o desejo do não-revelado (anakkahata, nibbana)
se o espírito está sobrecarregado dêste desejo.
se o pensamento não está encadeado aos prazeres dos sentidos
diz-se que o ser sobe a correnteza. [Dh.218]

Entre aquêles que seguem a correnteza do porvir,
que abate a paixão do porvir,
que tocam no reino de Mãra,
êste dhamma não é fácil de despertar. [Sn. 764; S. v, 128]

Para aquêles que seguem a correnteza do porvir,
que são abatidos pelos contactos,
e que entram na falsa estrada.
a destruição dos empecilhos é longínqua. [Sn. 736].

Naquele em que a apetência não vence,
no religioso que corta a correnteza,
liberto das aflições e das tarefas,
não se vê, nem se conhece nenhuma inquietação. (229) [Sn. 715].

Quem transpôs as concupiscências dêste mundo,
obstáculo tão duro de passar,
não se aflige mais nem definha;
cortador da correnteza, é o sem-empecilhos! (230) [Sn. 948].

Vêde-o vir: membros puros, sob um dossel branco; avança
seu carro de uma roda; o sem-pecado, o cortador da correnteza, o sem-cadeias. [Ud. 76; S. v, 29].

Os que cortaram a correnteza tão dura de transpor,
dos objetos caros e doces, avassaladores,
êsses atingem o absoluto nirvana:
passando completamente acima de todos os males. [lt. pág. 95].

Tôdas as correntezas que correm no mundo,
ó Ajita, diz o Mestre,
é pela vigilância que se as detém:
a vigilância é a comporta
e a sabedoria delas corta a onda. (231) [Sn. 1035]

[229. E. M. Hare, Woven Cadences].
[230. E. M. Hare, Woven Cadences].
[231. F. L. Woodward, Min. Anth. ii, pág. 92]

7. O GRANDE OCEANO
Da mesma maneira, ó monges, que o grande oceano tem uma profundidade progressiva, um declive progressivo, degraus progressivos, sem o escarpamento de um precipício, também em nosso dhamma e disciplina, ó monges, há uma ascese progressiva, uma ação progressiva do que se deve fazer, um processo progressivo, (Cf. M. i, 479) sem o escarpamento da penetração dos conhecimentos profundos. O fato, ó monges, que em nosso dhamma e disciplina há... um processo progressivo, sem o escarpamento da penetração de conhecimentos profundos, é a primeira coisa estranha e maravilhosa cujo espetáculo constante faz com que os monges se deleitem com nosso dhamma e disciplina. E da mesma maneira, ó monges, que o grande oceano é estável e não transborda de sua margem, também todo método de ascese que eu instituí para meus discípulos, não será jamais transgredido por meus discípulos, mesmo ao risco de suas vidas. O fato, ó monges, que meus discípulos não transgredirão, mesmo ao risco de sua vida, o método de ascese que eu instituí para êles, é a segunda coisa estranha e maravilhosa. E da mesma maneira, ó monges, que o grande oceano não se associa a um corpo morto, a um cadáver, mas todo o corpo morto, todo cadáver que se pode encontrar no grande oceano, o grande oceano o rejeita logo para a margem, e o atira sôbre a terra firme, também, ó monges, todo o ser que tem um mau procedimento moral, uma personalidade depravada, uma atitude impura e suspeita, ações dissimuladas, que não é o eremita que pretende ser, que não vive a vida segundo Brahma que pretende viver, que está apodrecido interiormente, cheio de desejos sórdidos por natureza, a ordem não vive em comunhão com êle, mas se reúne para logo o suspender; êle está longe da Ordem e a Ordem está longe dêle...é a terceira coisa estranha e maravilhosa. E da mesma maneira que os grandes rios, isto é, o Ganges, o Jamnã, o Aciravati, o Sarabhü, o Mahi, quando atingem o grande oceano perdem seu nome e identidade primitivos, e são apenas o grande oceano, também, ó monges, os membros das quatro castas: nobres, brâmanes, mercadores e trabalhadores, tendo deixado seu lar para viver sem lar no seio do dhamma e da disciplina proclamados pelo Descobridor da Verdade perdem seu nome e clã primitivos e não passam de eremitas, filhos dos Sãkyas...[Vin. Ii, 237-239, A. iv, 206; Ud. 53-56]

8. O DHAMMA
O dhamma, eu te o explicarei, Mettagu (diz então o Mestre); é coisa vista neste mundo, não doutrina transmitida; e quem a encontra e a conhece, e caminha alerta, poderá transpor a sórdida lama dêste mundo. (235) [Sn. 1053].
[235. E. M. Hare, Woven Cadences]
Que êle se erga, que não permaneça distraído! que êle viva segundo o dhamma do bem-viver; quem segue o dhamma vive feliz tanto neste mundo como no outro. Que êle viva segundo o dhamma de bem-viver, que êle não viva uma vida má! Quem segue o dhamma vive feliz, tanto neste mundo como no outro. [Dh.168-169].
Monges, mesmo se um religioso apanhasse a orda da minha capa e caminhasse logo, atrás de mim, passo a passo, se êle fôsse invejoso, seduzido pelos prazeres sensuais, malevolentes em seus pensamentos, corrompido em seu espírito e seus desígnios, confuso em sua memória, distraído, inapto à contemplação, aturdido, pouco senhor de seus sentidos, êste religioso estaria longe de mim e eu estaria longe dêle. Mas, ó monges, mesmo quando um religioso morasse a cem yojanas daqui, se êle não fôsse nem invejoso, nem seduzido pelos prazeres sensuais, nem malevolente, em seus pensamentos, nem corrompido em seu espírito e seus desígnios, se sua memória está firmemente disposta, se êle é atento, contemplativo, seus pensamentos voltados numa direção única, se êle é senhor de seus sentidos, então êste religioso está perto de mim e eu estou perto dêle. Por quê? Ó monges, êste religioso vê o dhamma, e, vendo o dhamma, êle me vê. [lt., pág. 90-91].
Silêncio, Vakkali. Que buscas tu neste meu corpo vil? Aquêle, ó Vakkali, que vê o dhamma me vê e aquêle que me vê, vê o dhamma. Pois, ó Vakkali, aquêle que vê o dhamma me vê, e aquêle que me vê, vê o dhamma. [S. iii, 120].
Os carros do rei, acabam por ficar gastos, e nosso corpo também envelhece; mas o verdadeiro dhamma não envelhece. [S. I, 71; Dh. 151].
É o dhamma, eu vos digo, que conduz vosso carro. [S. I. 33].
É possível, Ãnanda: instituir nesta disciplina do dhamma uma progressão para Brahma. (239) Eis, Ãnanda, sinônimos para o Octuple Caminho ariano: "progressão para Brahma"; também "progressão para o dhamma" e também "vitória sem igual na luta". (240) [S. v, 5].
[239. Brahmayana: veículo de Brahma, pois yana significa ao mesmo tempo a viagem e o veículo]
[240. Vitória obtida sobre a paixão, o ódio e a ilusão]
Eu sou um brâmane, ó monges, a quem se pode pedir um favor tenho sempre as mãos puras, trago meu último corpo, eu sou o incomparável médico e cirurgião. Vós sois meus verdadeiros filhos, nascidos de minha bôca, nascidos do dhamma, formados pelo dhamma, herdeiro do dhamma, não herdeiros de bens materiais. [It., pág. 101].
Aquêle que falando veridicamente, ó monges, dissesse: "Ele atingiu o domínio, atingiu a perfeição no hábito moral ariano, na contemplação ariana, na sabedoria ariana, na liberdade ariana", diria o mesmo, falando verldicmente de Sãriputta: "Ele atingiu o domínio, êle atingiu a perfeição no hábito moral ariano, na contemplação ariana, na sabedoria ariana, na liberdade ariana". Aquêle que falando veridicamente, ó monges, dissesse: "é o próprio filho do senhor, nascido de sua bôca, nascIdo do dhamma, formado pelo dhamma, herdeiro do dhamma, não herdeiro de bens materiais", diria o mesmo falando veridicamente de Sãriputta: "é o próprio filho do senhor, nascido de sua boca, nascido do dhamma, formado pelo dhamma, herdeiro do dhamma, não herdeiro de bens materiais". Ó monges, Sãriputta faz girar corretamente a incomparável roda do dhamma que o Descobridor da Verdade pôs em movimento. [M. iii, 28-29].
Eu não conheço ninguém, ó monges, que faça tão corretamente girar a incomparável roda do dhamma posta em movimento pelo Descobridor da Verdade, como o faz Sãriputta. Ó monges, Sãriputta faz corretamente girar a incomparável roda do dhamma posta em movimento pelo Descobridor da Verdade.[A. I, 23].
Da mesma maneira, Sãriputta, que o filho mais velho de um rei faz girar a roda continua a fazer girar corretamente a roda que fazia girar seu pai, (a roda do governo) também tu, Sãriputta, continuas a fazer girar corretamente a roda do dhamma posta em movimento por mim. [S. I, 101].
Talvez, Ãnanda, alguns dentre vós pensem: "A palavra do Mestre chegou ao fim; não temos mais mestre". Não é assim que se deve considerar a coisa. Este dhamma (e esta disciplina) que eu ensinei e instrui, qual será vosso mestre quando eu tiver ido dêste mundo. Vamos monges, tôdas as coisas compostas estão sujeitas à corrupção. Sêde diligentes na prossecução do vosso objetivo. [D. ll, 154-156].
O religioso que ensina a outrem o dhamma no espírito de que: "O dhamma foi bem exposto pelo Mestre", êle se refere ao que é neste mundo; e desde agora, êle está fora do tempo, é uma coisa que se deve vir ver, que nos pode guiar, que pode ser conhecida pelos sábios de modo subjetivo. O religioso que diz: "Vós devereis em verdade, ouvir meu dhamma; tendo-o ouvido vós compreendereis o dhamma, e tendo-o compreendido vós estaríeis na estrada da verdade"; êste religioso, eu o digo, ensina bem a outrem o dhamma segundo o dhamma; êle ensina o dhamma a outrem por piedade, por bondade, por compaixões. O ensinamento do dhamma por um religioso como êsse é muito puro. [S. ll, 199].
[Pajãpati o Grande, o Gotâmida, abordou o Mestre e lhe disse:] "Senhor, seria bom que o senhor quisesse me ensinar o dhamma em resumo, a fim de que tendo ouvido o dhamma do senhor, eu possa viver só, desprendido, zeloso, ardente, resoluto”. Sejam quais forem os estados, Gotama, dos quais tu saberias que êles conduzem às paixões, não à ausência de paixões, conduzem à escravidão, não à ausência de escravidão, conduzem à acumulação [dos renascimentos] não à ausência de acumulação, conduzem às numerosas necessidades, não às fracas necessidades; conduzem à sociabilidade, não à solidão, conduzem à indolência, não ao emprêgo de energia, conduzem à dificuldade de ganhar sua vida, não à facilidade: dêstes estados é necessário que estejas bem seguro, Gotama, que não é o dhamma, que não é a disciplina, que não é o ensinamento do Mestre. Mas sejam quais forem os estados dos quais tu saberias...[que êles são o oposto do que acabo de dizer] dêstes estados é necessário que estejas bem seguro. Gotama, que é o dhamma, é a disciplina, é o ensinamento do Mestre. [V. ii, 258].
Se o caso de um religioso que, pela sua sabedoria correta em face de toda a forma material tal como ela se produziu verdadeiramente - passada, futura ou presente, subjetiva ou objetiva, grosseira ou sutil, vil ou excelente, longínqua ou próxima - compreendeu que isto não é meu Eu, e chega a ser liberto sem apetência; e da mesma maneira para a sensação, a percepção, as construções, a consciência. Até êste ponto êste religioso se torna um Perfeito, os fluxos são destruídos, êle viveu a vida, êle fêz o que havia a fazer, depositou seu fardo, atingiu seu próprio objetivo; os empecilhos do porvir são completamente destruídos; êle está liberto pelo conhecimento correto e profundo. O coração assim liberto, o religioso será cedo dotado de três dons incomparáveis: da vista incomparável, da prática incomparável, da liberdade incomparável. Assim liberto, o religioso respeitado, reverenciado, estima e honra o Descobridor da Verdade, pensando: “Este senhor é um Desperto, êle ensina o dhamma para o despertar: êste senhor se domou: êle ensina o dhamma para te domar; êste senhor atravessou, êle ensina o dhamma para atravessar; êste senhor atingiu o absoluto nirvana, êle ensina o dhamma para o absoluto nirvana”.[M. I, 234-235].

9. A ESSÊNCIA
Ó monges, há quatro essências
Quais? A essência do hábito moral,
A essência da contemplação (247)
A essência da sabedoria (248)
A essência da liberdade (249) [A. ii, 141]

[247. Cf. Sn 329-330, mais abaixo onde samadhi, a contemplação, é traduzida por “espírito tenso”]
[248. Cf. Sn. 329-330]
[249. A. ii, 244 e A. iv, 385]

Boas são as palavras das quais se capta o essencial,
e capta o que se ouve, é a medula do espírito tenso.
Mas no homem violento e indolente
nem sabedoria, nem audição poderão jamais medrar.
Sem iguais em palavra, em pensamento, em ação,
os que se deleitam como o dhamma conhecido dos arianos:
suspensos na calma e a beatitude do espírito tenso
êles atingem a medula da audição e da sabedoria. [Sn. 329-330]

É assim, brâmane, que a vida com Brahma não está destinada [a assegurar] vantagens em lucros, em honras, em renome; nem vantagens na prática dos hábitos morais; nem vantagens na prática da contemplação; nem vantagens no fato do saber e ver. Mas, brâmane, tudo que é inabalável liberdade do coração, é êste o fim da vida com Brahma; e disto a essência e a consumação.[M. I, 197, 204-205].
Ãnanda, portai-vos todos comigo na amizade e não na hostilidade. Disso resultará por muito tempo vosso bem-estar e Vossa felicidade. Eu não vos trato como o oleiro trata sua argila úmida. Ãnanda, eu vos falarei sempre para vos refrear e vos purificar. O que é a essência será durável. [M. iii, 118; Jp. iii, 368].

10. A EVASÃO.
É porque há satisfação neste mundo, ó monges, que os sêres estão ligados a êste mundo. É porque há misérias no mundo que êles estão desgostosos dêste mundo. Ó monges, se não existisse qualquer meio de evasão fora dêste mundo, os sêres não poderiam se evadir. Mas porque há uma evasão fora dêste mundo, os sêres se evadem dêste mundo... Sêres chegam a conhecer plenamente como são as satisfações do mundo como satisfações, suas misérias como misérias; a evasão como a evasão; e êles caminham dai por diante evadidos, libertos, as barreiras do espírito suprimidas. Todos os eremitas e brâmanes que conhecem plenamente porque são as satisfações do mundo...e evasão como evasão, êsses, ó monges, são [verdadeiramente] eremitas e brâmanes; entre os eremitas êles são contados como eremitas, entre os brâmanes êles são contados como brâmanes, e êstes veneráveis, tendo por seu próprio saber superior realizado neste mundo, e desde agora o objetivo da solidão e o objetivo do estado de brâmane, aí penetram e aí permanecem. [A. I, 260; cf. S. ii, 172-173; iii, 69-71; IV, 10-11].
Monges, há cinco elementos que tendem à evasão. Quais são? Monges, é o caso em que um religioso presta atenção aos prazeres dos sentidos, mas embora seu coração não salte entre os prazeres dos sentidos, êle não é calmo, nem recolhido, nem liberto. Mas aquêle cujo coração, enquanto presta atenção à renúncia é calmo, recolhido e liberto, bem encaminhado, bem-vindo a ser, bem pôsto ao lado, bem liberto, bem desligado dos prazeres dos sentidos. Sejam quais forem os fluxos que possam surgir, casados pelos prazeres dos sentidos, dolorosos e ardentes, êle dêles está liberto, e não experimenta a sensação [que êles sejam assim]. Isto significa a evasão dos prazeres dos sentidos. Ou ainda, monges, um religioso presta atenção à malevolência...a quem faz mal...à forma material...[como acima]...Isto significa a evasão da malevolência, de quem faz mal...da forma material. Ou ainda, monges, um religioso presta atenção a seu corpo, mas embora seu coração não dê saltos [ao pensamento de seu corpo], êle não é calmo, nem recolhido, nem liberto. Mas aquêle cujo coração, recolhido, liberto, bem encaminhado, bem vindo-a-ser, bem pôsto ao lado, bem liberto, enquanto que êle presta atenção à interrupção de seu corpo, êsse tem um coração bem desligado de seu corpo. Sejam quais forem os fluxos que possam surgir, causados por seu corpo dolorosos e ardentes, êle dêles está liberto e não experimenta a sensação [que êles sejam assim]. Isto significa a evasão do corpo. [A. iii, 245-246].
Ãnanda, pensa que nesta primeira estação (thitis) da consciência, isto é, a dos corpos diferentes, das percepções diferentes, por exemplo, entre os sêres humanos, entre certos devas e entre certos sêres existindo na Queda, todo ser que tem a presciência [dêste estado], e a presciência de seu surgimento e a presciência de seu desvanecimento, a presciência de suas satisfações e a presciência de seus perigos, e a presciência [dos meios] de dêles se evadir, pensar que êle possa, com razão, disto se regozijar? - Não senhor. - Ãnanda, quando um religioso conheceu para o que são realmente o surgimento e desvanecimento, as satisfações e os perigos dêste estado de consciência, e o meio de dêles se evadir, êle chega a se libertar sem nenhum resíduo [de nova existência]. Diz-se, Ãnanda, que é um religioso liberto pela sabedoria. [D. 11. 69-70].

11. O NIRVANA.
Monges, há cinco órgãos dos sentidos, cada um tendo sua própria esfera e seu domínio próprio, cada um não possuindo o gôzo da esfera e domínio dos outros. São os órgãos sensitivos do ôlho, da orelha, do nariz, da língua e do corpo. Dêsses cinco órgão sensitivos da esfera própria e do domínio próprio, o espírito é depositário. A vigilância é depositária do espírito. A liberdade é depositária da vigilância. O nirvana é depositário da liberdade. Mas se me perguntais: que é o depositário do nirvana? é uma questão que vai demasiado longe e que ultrapassa tôda resposta. A vida com Brahma se Jeva em vista da imersão no nirvana, em vista da consumação no nirvana. [S. v. 218].
Se um religioso pela indiferença, pela impassibilidade pela interrupção, se libertou da velhice e da morte sem nenhum resíduo [de renascimento], basta chamá-Io "um religioso que atingiu o nirvana desde esta vida". Se um religioso pela indiferença, pela impassibilidade, pela interrupção, se libertou da ignorância sem nenhum resíduo [de renascimento] basta chamá-lo "um religioso que atingiu o nirvana desde esta vida". [S. ii, 18].
Da mesma maneira, que os maiores rios, o Ganges, Jamnã, o Aciravati, o Sarabbü, o Mahi se dirigem todos, deslizam e gravitam para o leste, para o mar, também os religiosos, realizando o Octuple Caminho ariano, aumentando-o se dirigem, deslizam e gravitam para o nirvana. [S. v. 39-40]
Eu digo que o nirvana é a destruição da velhice e morte. [Sn. 1024].
Monges, se um religioso percebesse seis vantagens, elas lhe bastariam para estabelecer sem reserva uma consciência do sofrimento. Quais são as seis vantagens? São os seguintes pensamentos: Entre tôdas as construções, a consciência do nirvana se estabelecerá para mim igual a um matador com o sabre desembainhado; meu espírito se afastará do mundo inteiro; eu me tornarei capaz de ver a paz no nirvana: as tendências latentes em mim terminarão. Eu me tornarei aquêle que cumpre seus deveres; o Mestre será servido por mim com amor. [A. iii. 443].

12. O IMORTAL.
Ó monges, tudo o que é destruição da paixão, destruição do ódio, destruição da ilusão, eis o que se chama o imortal. Este Octuple Caminho ariano êle mesmo é o Caminho que leva ao imortal; isto é a opinião correta, o conceito correto, a palavra correta, a ação correta, a conduta correta, o esfôrço correto, a vigilância correta, a contemplação correta. [S. v. 8].
Quando nisto ou naquilo êle capta o surgir e a queda dos componentes, êle adquire a alegria e o êxtase dos que concebem o imortal Aquilo. [Dh. 374].
Eu atingi o imortal. [Vin. I, 9; M. I, 112].
Eu toquei o chamado de tambor do imortal. [M. I, 171].
As portas do imortal foram abertas. [Vin. I, 7; M. I, 168].
Aquêle que desejando méritos, permanecendo firme no bem, realiza o Caminho que leva ao imortal, abrindo caminho para a essência do dhamma, feliz de destruir não teme ao pensar que o rei da Morte vai vir. [S. v, 402].
Aquêle para quem não mais existe a apetência, aquêle que sabe e não duvida, que conseguiu imergir no imortal, é êle que eu chamo um brâmane. [Dh.411].
[O mesmo se dá com as três outras etapas da vigilância, a respeito da sensação, do espírito e dos estados mentais]. [S. v, 181-182].
Segui vosso caminho, ó monges, o espírito bem instalado nas quatro etapas da vigilância: mas não crêde que seja isso o imortal. [S. v, 184].
Tendo para si seis condições, o chefe de família Tapussa atingiu a consumação no Descobridor da Verdade: êle viu o imortal, e segue seu caminho tendo realizado o imortal. Quais são as seis condições? Tem uma confiança inquebrantável no Desperto, uma confiança inquebrantável no dhamma, uma confiança inquebrantável na Ordem; tem um hábito moral ariano, o conhecimento ariano, a liberdade ariana. [A. iii, 450-451].

13. O INCOMPOSTO.
Existe um não-nascido, um não-tornado-a-ser, um não- feito, nem não-composto; se não fôsse por êste não-nascido, não-tornado-a-ser, não-feito, não-composto, não seria possível neste mundo nenhuma evasão do nascimento, do porvir. do fazer da composição. Mas porque existe êste não-nascido, não-tornado-a-ser, não-feito, não-composto, é possível que haja uma evasão, do nascimento, do porvir, do fazer, da composição. (A. i, 260). [Ud.80].
Eu vos ensinarei, ó monges, o incomposto e o caminho que leva ao incomposto. Em que consiste o incomposto? Tudo o que é destruição da paixão, destruição do ódio, destruição da ilusão, eis o que se chama o incomposto. E qual é o caminho que leva ao incomposto? É a vigilância relativa ao corpo. E um [outro] caminho que leva ao incomposto, é a tranqüilidade e a penetração. Assim, monges, eu vos ensinei o incomposto é um caminho que leva ao incomposto. Tudo o que o Mestre pode fazer por compaixão, procurando o bem-estar de seus discípulos, eu o fiz por vós por compaixão. [S. IV, 359].
Monges, há no composto três características do composto. Quais são elas? É que dêle o surgimento pode ser visto, a destruição pode ser vista, a mudança do estado existente pode ser vista. Monges, há no incomposto três características do incomposto. Quais são elas? É que dêle não se vê o surgimento, não se vê a destruição, não se vê a mudança no estado existente. [A. I, 152].
Ãnanda, quando uma forma material é passada, destruída, mudada, quando uma sensação, uma percepção, construções, uma consciência passada foram destruídas, mudadas, se se pode discernir seu surgimento, se se pode discernir sua destruição, se se pode discernir uma mudança no estado exis- tente, é destas mesmas coisas que se discerniu o surgimento, a destruição, a mudança no estado existente, é destas mesmas coisas que se discerniu o surgimento, a destruição, a mudança no estado existente. Quando uma forma material é [ainda] não nascida, não manifestada, quando uma sensação, uma percepção, construção, uma consciência são [ainda] não nascidas, não manifestadas, se se pode discernir seu surgimento, sua destruição, uma mudança no estado existente, é destas mesmas coisas que se discernirá o surgimento, a destruição, a mudança no estado existente. Quando uma forma material é nascida, manifestada, quando urna sensação, uma percepção, construções, uma consciência são nascidas, manifestadas, se discerne seu surgimento, se se discerne sua destruição, se se discerne uma mudança no estado existente, é destas mesmas coisas que se discerne o surgimento, a destruição e a mudança no estado existente. [S. iii, 39-40].

VII. A TRANSCENDÊNCIA
Uma vez que o Descobridor da Verdade, mesmo presente de fato, não é compreensível, é impróprio dizer-se dêle, da Personalidade Extrema, da Personalidade Superior, daquele que atingiu o Superior, que após sua morte o Descobridor da Verdade vem a ser; que êle não vem a ser; que êle vem a ser ao mesmo tempo que êle não vem a ser; que êle não está nem no porvir nem no não-porvir. [S. iii, 118; IV, 384; cf. S. DI, 112; M. I, 140].
Sustentar que êle vem a ser após a morte, que êle não vem a ser, que êle vem a ser ao mesmo tempo que êle não vem a ser que êle não está nem no porvir nem no não-porvir, é considerar o Descobridor da Verdade como corpo, sensação, percepção, construções, consciência. Está aqui a razão pela qual êste assunto não é revelado pelo senhor. [S. IV, 384-386].
O Descobridor da Verdade não diz nada que não saiba ser um fato, nada de falso, sem relação com o objetivo, nada também que seja agradável ou desagradável a outrem; êle não diz nada que saiba ser um fato, que seja verdadeiro, mas que não teria relação como o objetivo e que seria desagradável e repugnante a outrem. Mas se o Descobridor da Verdade sabe que uma coisa é um fato, que ela é verdadeira, que ela tem relação com o objetivo, mesmo se ela fôsse desagradável e repugnante a outrem, êle sabe o bom momento para dizê-Ia. O Descobridor da Verdade não diz nada que não seja um fato, que seja falso, sem relação com o objetivo, mesmo se é agradável e deleitosa a outrem: e não diz nada que seja um fato, verdadeiro, mas sem relação com o objetivo e [aliás] agradável e deleitosa a outrem. Mas se o Descobridor da Verdade sabe que uma coisa é um fato, que ela é verdadeira, que ela tem relações com o objetivo e que ela é agradável e deleitosa a outrem, êle sabe o bom momento para dizê-Ia. Qual é a razão disto? O Descobridor da Verdade tem compaixão pelos sêres. [M. I, 395].
Ó monges, o leão, rei dos animais, sai à noite de seu covil. Fazendo isto, êle se espreguiça e contempla em tôdas as direções os quatro quadrantes do mundo. Depois êle emite três vêzes seu rugido de leão e se põe à busca da prêsa. Qual é a causa disto? [ele ruge, pensando:] "Possa eu não causar â destruição, dos animaizinhos extraviados". Quanto à palavra "leão", ó monges, é um nome do Descobridor da Verdade, do Perfeito, do totalmente Desperto. Quando êle ensina o dhamma a uma assembléia, é com efeito seu rugido de leão. O Descobridor da Verdade tem dez faculdades: quando êle as possui, êle pretende a hegemonia, êle ruge com o rugido dos leões nas assembléias, êle põe em movimento a roda de Brahma. Quais são as dez faculdades? O Descobridor da Verdade tem a presciência da ocasião causal tal como ela se produz verdadeiramente e do que não é a ocasião causal da coisa em si Do fato que êle tem esta presciência, é uma faculdade em virtude da qual êle pretende a hegemonia. Além disso, O Descobridor da Verdade tem a presciência da aquisição dos atos por si mesmo, no passado, futuro e presente, tal como se produz verdadeiramente, tanto na ocasião causal como em seu resultado. Do fato que êle tenha esta presciência. Além disso, o Descobridor da Verdade tem a presciência, do Caminho que leva a todos os destinos, tal como se produz verdadeiramente. Do fato que êle tenha esta presciência. Além disso, o Descobridor da Verdade tem a presciência do mundo tal como êle se produz verdadeiramente em todos os seus traços variados e diversos. Do fato que êle tenha presciência. Além disso, o Descobridor da Verdade tem a presciência do mundo tal como êle se produz verdadeiramente em todos os seus traços variados e diversos. Do fato que êle tenha presciência. Além disso, o Descobridor da Verdade tem a presciência dos diversos caracteres de sêres tais como se produzem verdadeiramente. Do fato que êle tenha esta presciência. Além disso, o Descobridor da Verdade tem a presciência do estado (Ma. Ii, 130) das faculdades dos outros sêres, das outras pessoas, tais como elas se produzem verdadeiramente. Do fato que êle tenha esta presciência. Além disso, o Descobridor da Verdade tem a presciência da mácula, da purificação, do surgimento de tudo o que se pode atingir na meditação, a liberdade e a contemplação tais como elas se produzem realmente. Do fato que êle tenha esta presciência. Além disso, o Descobridor da Verdade se lembra de suas múltiplas moradas anteriores, isto é, um nascimento, dois nascimentos, assim sucessivamente... até cem mil nascimentos; e igualmente as diversas involuções das idades, as diversas evoluções das idades, as diversas involuções-evoluções das idades; lembrando-se que: "Neste mundo eu tinha êste ou aquêle nome, eu era desta ou daquela tribo, dêste ou daquele clã, era assim alimentado, me aconteceu êste prazer ou aquela dor, a duração de minha vida era esta ou aquela. Sendo assim, eu morri neste mundo e ressurgi nesta ou naquela existência. Lá, também, eu tive êste ou aquêle nome, era desta ou daquela tribo...a duração de minha vida era esta ou aquela. Sendo assim, eu morri neste mundo, e ressurgiu aqui". Assim êle pode lembrar-se de suas moradas anteriores em todos os seus detalhes e todos os seus traços. Do fato que o Descobridor da Verdade tem esta presciência. Além disso, o Descobridor da Verdade vê os sêres pela sua visão de deva que é purificada e que ultrapassa a dos homens; êle tem a presciência dos sêres [êle vê] que segundo a conseqüência de seus atos êles morrem e ressurgem, que êles são vis, excelentes, feios, belos, partidos para um mau destino, partidos para um bom destino, [e êle sabe isto]: "Em verdade êstes sêres dotados de uma má conduta do corpo, da palavra e do pensamento, zombando dos arianos, tendo opiniões errôneas, praticando atos que resultam da opinião errônea, êsses quando da decomposição de seu corpo após a morte, surgem no Deserto, o Mau Destino, a Queda, o Inferno". Ou então: "Esses sêres, ao contrário, dotados de uma boa conduta do corpo, da palavra e do pensamento, não zombando dos arianos, de opiniões corretas, praticando atos que resultam das opiniões corretas êsses quando da decomposição de seus corpos após a morte, surgem no Bom Destino, no mundo celeste". Uma vez que êle vê os sêres pela visão de deva... êle tem a presciência dos sêres segundos seus atos. Do fato que o Descobridor da Verdade tem esta presciência... Além disso, o Descobridor da Verdade, pela destruição dos fluxos, e tendo desde esta vida atingido pelo seu próprio conhecimento superior a liberdade do coração, a liberdade da sabedoria que são sem fluxos, aí permanece. Dêste fato, é uma faculdade do Descobridor da Verdade, em virtude da qual êle pretende a hegemonia, ruge do rugido do leão nas assembléias, e põe em movimento a roda de Brahma. [A. v, 32-36].