Os Upanichades ou "Atitudes" são coleções de textos que
desenvolvem os dados rituais ou cosmogônicos dos Vedas em
uma direção especulativa e instalam sôbre alicerces novos a
equivalência antiga sentida entre o mundo humano e o mundo
divino. Éles marcam o "fim dos Vedas", o que quer dizer,
aquêle ponto de acabamento das representações védicas que es-
tava prenunciado pela identidade suposta entre o atman, ou
"alma individua!” e o brahman, ou "alma universa!”. O ensi-
namento é transmitido em forma discursiva com o auxílio de
parábolas, diálogos, máximas, inspirados em sua forma pelos an-
tigos Brahmanas. Os dois Upanichades principais são os cha-
mados "Grande Aranyaka" e o Chandogya, que podem ser da-
tados a partir do século VI antes de Cristo. ,
O número 1 abaixo (Isha) desenvolve idéias desconexas
sôbre o tema da unidade na diversidade, sôbre o ser-mundial
paradoxal e que tudo ultrapassa, sôbre a necessidade de trans-
cender a antítese de saber e de ser, etc.
O diálogo entre o Mestre Yajñaválkya e sua espôsa Mai-
treyi (no número 4) diz respeito a Alma Universal.
O número 7 é a reprodução indiana do famoso apólogo de
Membros e Estômago.
Por meio de uma alegoria, o número 8 mostra como o brah-
man é superior a todos os deuses (Fogo, Vento, Indra) que ten.
tam em vão controla-lo e na realidade não conhecem sua gran-
deza. O conhecimento do brahman é intuitivo, assemelhando-se
ao grito de espanto que se segue ao aparecimento repentino do
relâmpago, ou mais a uma memória que passa pela mente.
No número 9, um pai agonizante deixa seus membros e
poderes para seu filho que, ao recebê-los, se identifica ao pai
que, sacrificado (no sentido literal), imediatamente encontra
acesso para o mundo divino.
l. Unidade e Diversidade
Envolvido pelo Senhor deve ser tudo isso -
Seja qual fôr a coisa móvel existente no mundo móvel.
Tendo renunciado a isto, tu poderás desfrutar.
Não cobices a riqueza de quem quer que seja.
Mesmo enquanto realizando feitos aqui,
Pode-se desejar viver cem anos.
Assim contigo - e não de outro modo além deste -
O morto não se prende ao homem.
Diabólicos são chamados êsses mundos,
Com treva cega cobertos!
Para eles ao morrer vão
Todos aqueles que mataram o Eu.
Imóvel, o Um (a) é mais rápido que a mente.
Os poderes dos sentidos não o alcançaram, voando antes.
Passando por outros que correm, Isso continua de pé.
N'Ele Matarishvan (b) põe a ação.
Ele se move. Ele não se move.
Está longe, e está perto.
Esta dentro de tudo isso,
E esta fora de tudo isso.
Ora, aquele que a todos os seres
Olha como olha o Eu,
E ao Eu como a todos os seres -
Não se esquiva d'Ele.
Em quem todos os seres
Se tomaram bem o Eu do que discerne -
Então que ilusão, que tristeza existe,
Nele que percebe a unidade!
Na treva cega entram eles
Que adoram a ignorância;
Na treva maior que isso, por assim dizer, eles
Que se deliciam no conhecimento.
O conhecimento e o não-conhecimento -
Aquele que conhece conjuntamente esse par,
Com o não-conhecimento passando pela morte,
Com o conhecimento conquista o imortal.
Na treva cega entram eles
Que adoram o não-vir-a-ser;
Na treva maior que isso, por assim dizer, eles
Que se deliciam no vir-a-ser.
Vir-a-ser e destruição -
Aquele que conhece conjuntamente esse par,
Com a destruição passando pela morte,
Com o vir-a-ser conquista o imortal. (4)
(Isha )
a) o Absoluto (como forma neutra).
b) o deus do vento.
2. A Alma-Mundial Unitária
Assim como o fogo único entrou no mundo
E se toma correspondente em forma a todas as formas,
Também a única Alma Interna de todas as coisas
Corresponde em forma a tôdas as formas, e no entanto está por
fora.
Assim como o vento único entrou no mundo
E se toma correspondente em forma a todas as formas,
Também a única Alma Interna de todas as coisas
Corresponde em forma a todas as formas, e no entanto esta por
fora.
Assim como o sol, o olho de todo o mundo,
Não é conspurcado pelas falhas externas dos olhos,
Também a única Alma Interna de todas as coisas
Não é conspurcada pelo mal no mundo, estando por fora dele.
A Alma Interna de todas as coisas, o único controlador,
Que toma sua forma única múltipla -
Os sábios que O percebem de pé em si,
Eles, e não outros, têm felicidade eterna!
Aquele que é o Constante entre os inconstantes, o Inteligente en-
tre inteligências,
Aquele entre muitos, que aquiesce aos desejos -
Os sábios que O percebem de pé em si,
Eles, e não outros, têm paz eterna! (4)
(Katha, 5.9-13)
3. A Criação do Mundo a Partir da Alma
No começo este mundo era Alma apenas na forma de uma Pessoa.
Olhando em volta, ele nada mais viu do que a si próprio e disse pri-
meiramente: "Eu sou". Daí surgiu o nome "Eu”. Portanto mes-
mo hoje, quando nos dirigimos a alguém, ele diz primeiro "sou eu"
e depois menciona o nome que tiver. Como antes de todo este mun-
do e queimou todos os males, por isso é uma pessoa. Aquele que
sabe disso, na verdade, queima aquele outro que deseja estar a sua
frente.
Ele teve medo. Por isso, aquele que está sozinho tem medo.
Ele então pensou para si próprio: "Como nada mais existe além
de mim, de que tenho medo?" Daí, na verdade, seu medo desapa-
receu, pois do que poderia ter receio? Certamente é em um segun-
do que o medo surge.
Na verdade, ele não tinha prazer. Por isso, aquele que estiver
sozinho não terá prazer. Ele desejou um segundo. Na verdade, ele
era tão grande quanto um homem e uma mulher em abraço aperta-
do. Ele fez com que esse eu se rompesse em dois pedaços. Da sur-
giram um marido e uma mulher. Por isso, é verdade que "um é como
meio fragmento", como Yajñavalkya costumava dizer. Por isso, esse
espaço é preenchido por uma esposa. Ele copulou com ela e dai fo-
ram produzidos os seres humanos.
E ela então pensou consigo própria: "Como é que ele copula co-
migo depois de me ter produzi o dele mesmo? ora, vou-me escon-
der." Ela se transformou em uma vaca. Ele se tomou um touro e
copulou com ela. com isso nasceu o gado. Ela se tomou uma égua,
ele um garanhão. Ela se tomou uma jumenta, ele um jumento e com
ela copulou realmente. Daí nasceram os animais de cascos duros. Ela
se tomou uma cabra, ele um bode; ela uma ovelha, ele um carneiro.
Com ela, ele copulou realmente. Dai nasceram cabras e ovelhas.
Assim, na verdade, ele criou tudo, sejam quais forem os pares e casais,
até mesmo as formigas.
Ele sabia: "Na verdade, eu sou esta criação, pois emiti tudo de
mim mesmo." Daí surgiu a criação. Na verdade, aquele que tem
este conhecimento vem a ser nessa criação de si próprio.
Em seguida ele friccionou assim: de sua boca como buraco do
fogo, e de suas mãos, ele criou o fogo. Tanto as mãos quanto a boca
não têm pêlo por dentro, pois o buraco de fogo é glabro pelo lado de
dentro.
Isso que o povo diz, "Adorem este deus! Adorem aquele deus!" -
um deus apos o outro - na verdade é criação dele! E ele próprio é to-
dos os deuses.
Ora, tudo quanto é úmido ele o criou do sêmem, e isso é Soma.
Todo este mundo, na verdade, é apenas alimento e o comedor de
alimento.
Foi esta a supercriação de Brahman, ou seja, a de que ele criou
os deuses, seus superiores; da mesma forma que, sendo mortal, ele
criou os imortais. Por isso foi uma supercriação. Na verdade, quem
sabe isso vem a estar naquela supercriação dele.
Naquela época, na verdade, o mundo não era diferenciado e se
tomou diferenciado apenas pelo nome e forma, como diz o ditado:
"Ele tem tal nome, tal forma”. “Mesmo hoje este mundo é diferencia-
do apenas por nome e forma, como diz o ditado: Ele tem tal nome,
tal forma."
Ele entrou aqui até as unhas, como uma navalha entraria numa
bainha, ou o fogo em um braseiro. Eles não o vêem, pois visto é in-
completo. Quando respira, ele se toma alento por nome; quando fala,
a voz; quando vê, o olho; quando ouve, o ouvido; quando pensa, a
mente - mas são apenas os nomes de seus atos. Quem quer que ado-
rar um ou outro dos mesmos - não sabe, pois ele é incompleto com
um ou outro dos mesmos. Devemos adorar com o pensamento de que
ele é exatamente o nosso eu, pois ali todos se tomam um só. O mes-
mo, ou seja esse eu, é o vestígio dêste Tudo, pois por ele conhecemos
êsse Todo. Assim como, na verdade, poderíamos achar uma pegada.
Encontra a fama e louvor quem conhece isso.
Esse Eu é mais querido que um filho, do que a riqueza, do que
tudo o mais, pois acha-se mais perto.
Se de alguém que não fale de outra coisa senão do Eu como que-
rido, disser: "Ele perdera o que tem como querido", ele realmente
deverá faze-lo. Só se deve reverenciar o Eu como querido. Aquele
que reverenciar o Eu apenas como querido - o que tem como queri-
do, na verdade, não será perecível. (4)
(Brihad-Aranyaka, 1.4, 1-8)
4. A Conversa Entre Yajñãvalkya e Maitreyi
- Maitreyi disse Yajñavalkya. - Eis que realmente estou quase
saindo dêste estado para adiante. Olha! Vou fazer um acordo fi-
nal para ti e aquêle Katyayani.
- Se hoje, senhor, toda esta terra cheia de riqueza fosse minha,
seria eu imortal por isso? - disse então Maitreyi.
- Não - respondeu Yajñavalkya. - Como a vida do rico, assim
seria a tua. Quanto à imortalidade, no entanto, não ha esperança
através da riqueza.
- Que devo fazer com aquilo pelo que eu não poderei ser imor-
tal? O que sabes, senhor, na verdade dize-me! - disse então Maitreyi.
- Ah! Eis que, querida como és para nos, querido é o que dizes!
Vem, senta-te. Eu explicarei para ti. Mas enquanto eu explicar, bus-
ca pensar em minhas palavras - disse Yajñavalkya.
Depois disso, ele afirmou:
- Na verdade, não é pelo amor do marido que ele é querido,
mas pelo amor da Alma o marido é querido.
- Na verdade, não é pelo amor da esposa que ela é querida, mas
pelo amor da Alma a esposa é querida.
- Na verdade, não é pelo amor dos filhos que eles são queridos,
mas pelo amor das Almas os filhos são queridos.
- Na verdade, não é pelo amor a riqueza que ela é querida, mas
pelo amor da Alma a riqueza é querida.
- Na verdade, não é pelo amor da bramância (qualidade de
Brahman) que ela é querida, mas pelo amor da Alma a bramância é
querida.
- Na verdade, não é pelo amor dos mundos que eles são queri-
dos, mas pelo amor da Alma os deuses são queridos.
- Na verdade, não é pelo amor dos seres que eles são queridos,
mas pelo amor da Alma os seres são queridos.
- Na verdade, não é pelo amor de tudo que tudo é querido, mas
pelo amor da Alma tudo é querido.
- Na verdade, é a Alma o que se deve ver, ouvir, o que deve
ser pensado, o que deve ser ponderado, ó Maitreyi. Na verdade, com
o ver, ouvir, pensar e entender da Alma, êste mundo total é conhecido.
- A bramância desertou aquele que não conhece a bramância
em nada mais do que a Alma.
. - Os mundos desertaram aquele que conhece os mundos em nada
mais do que a Alma.
- Os deuses desertaram aquele que conhece os deuses em nada
mais do que a Alma.
- Os seres desertaram aquele que conhece os sêres em nada mais
do que a Alma.
- Tudo desertou aquele que conhece tudo em nada mais do que
a Alma.
- É como se, quando um tambor esta sendo tocado, não pudés-
semos apreender os sons externos, mas apreendendo o tambor ou o
tamborileiro, o som é apreendido.
- É como se, quando uma concha está sendo soprada, não pudés-
semos apreender os sons externos, mas apreendendo o tambor'ou o
tamborileiro, o som é apreendido.
- É como se, quando um alaúde esta sendo tocado, não pudéssemos
apreender os sons externos, mas apreendendo o alaúde ou seu executan-
te, o som é apreendido.
- É como se, de um fogo aceso com o combustível úmido, nuvens
de fumaça se destacassem separadamente, de modo que, na verdade,
desse grande Ser tenha sido criado aquilo que é Rig-Veda, Yajur-Veda,
Sama-Veda, Hinos dos Atharvanos e Angiras, Lenda, Conhecimento
Antigo, Ciências, Doutrinas Místicas, Versos, Aforismos, Explicações
e Comentários. Dele, na verdade, tudo isso foi criado.
- É como se de todas as águas o ponto de reunião é o mar, tam-
bém de todos os toques o ponto de reunião é a pele, também de to-
dos os gostos o ponto de reunião é a língua, também de todos os chei-
ros o ponto de reunião é a narina, também de todas as formas o ponto
de reunião é o olho, também de todos os sons o ponto de reunião é
o ouvido, também de todas as intenções o ponto de reunião é a mente,
também de todos os conhecimentos o ponto de reunião é o coração,
também de todos os atos o ponto de reunião são as mãos, tam-
bém de todos os prazeres o ponto de reunião é o órgão gerador, tam-
bém de todas as evacuações o ponto de reunião é o anus, também
de todas as jornadas o ponto de reunião são os pés, também de to-
dos as Vedas o ponto de reunião é a fala.
- É como se um bocado de sal posto na água dissolvendo-se
nela, não existisse mais sal algum para tirar, mas onde quer que essa
água seja levada, mostra-se salgada, e também assim, na verdade, este
grande Ser, infinito, ilimitado, é apenas uma massa de conhecimento.
- Surgindo desses elementos, neles nós desaparecemos. Depois da
morte não há consciência. Assim eu falo.
E assim falou Yajñavalkya.
Em seguida falou Maitreyi:
- Nisso, realmente, tu me confundiste, senhor, ao dizer que de-
pois da morte não ha consciência!
Disse então Yajñavalkya:
- Na verdade, eu não confundo. Suficiente é isso, na verdade,
para o entendimento.
- Pois onde existe uma dualidade, por assim dizer, um vê o ou-
tro, um cheira o outro, um ouve o outro, um fala com outro, um pen-
sa no outro, um compreende o outro. Na verdade, onde tudo se tor-
nou o eu nosso, onde e quem cheiraríamos? Onde e quem vedamos?
onde e quem ouviríamos? Onde e a quem falaríamos? Onde e de quem
pensaríamos? Onde e a quem compreenderíamos? Onde iríamos com-
preender aquêle por quem compreendemos este Tudo? Onde se com-
preenderia o compreendedor? (4)
(Ibidem, 24)
5. A Alma em Sono Sem Sonhos
"Assim como um falcão, ou uma águia, tendo voado por aqui no
espaço, se cansa, recolhe suas asas e desce a seu ninho, assim esta
pessoa se apressa a chegar aquele estado onde, dormindo, não deseja
qualquer desejo e não vê qualquer sonho."
"Na verdade, uma pessoa tem aquêles canais chamados hita; como
um fio de cabelo dividido mil vêzes, tão pequenos são êles, cheios de
branco, azul, amarelo, verde e vermelho. Ora, quando as pessoas pa-
recem estar matando-a, quando parecem estar sobrepujando-a, quando
um elefante parece estar estraçalhando-a, quando parece estar caindo
em um buraco - nessas circunstâncias ela está imaginando, devido a
ignorância, o próprio medo que vê quando despertada. Quando ima-
gina que é um deus, um rei, ela pensa: 'Eu sou esta totalidade do
mundo', e êste é seu mundo mais elevado."
"Na verdade, esta é a sua forma além dos desejos, livre do mal,
sem medo. Como um homem, quando no amplexo de uma espôsa
amada, nada sabe por dentro ou por fora, também essa pessoa, quando
no amplexo da Alma inteligente, nada sabe por dentro ou por fora.
Na verdade, esta é sua forma verdadeira em que seu desejo se satis-
faz, na qual a Alma é seu desejo, na qual ele esta sem desejo e sem
tristeza."
"Ali, um pai não se torna um pai; uma mãe, não uma mãe; os
mundos, não os mundos; os deuses, não os deuses; os Vedas, não os
Vedas; um ladrão, não um ladrão. Ela não é seguida pelo bem, não
é seguida pelo mal, pois passou então além de todas as tristezas do
coração."
"Um oceano, um vidente apenas sem dualidade, toma-se aquele
cujo mundo é Brahman, o Rei!" Assim Yajñavalkya o instruiu. 'Esta
é a trilha mais elevada de um homem. Esta a sua realização maior.
Este o seu mundo mais alto. Esta é a ventura maior. Com uma par-
te apenas dessa ventura outras criaturas vivem."
"Se alguém for afortunado entre homens e riquezas, senhor so-
bre os demais, mais bem provido de todos os desfrutes humanos -
esta é a maior ventura dos homens. Ora, cem vezes essa maior ven-
tura dos homens é uma ventura daqueles que conquistaram o mundo
dos pais. Ora, cem vezes a ventura dos que conquistaram o mundo
dos pais é uma ventura no mundo-Gandharva! Cem vezes a ventura
no mundo-Gandharva é uma ventura dos deuses que ganharam sua
divindade por obras meritórias. Cem vezes a ventura dos deuses por
suas obras é uma ventura dos deuses por nascimento e daquele ver-
sado nos Vedas, que não tem desonestidade, e que está livre do de-
sejo. Cem vezes a ventura dos deuses por nascimento é uma ventura
no mundo de Prajapati e daquele versado nos Vedas, que não tem
desonestidade e está livre do desejo. Cem vezes a ventura no mundo
de Prajapati é uma ventura no mundo de Brahman e daquele que é
versado nos Vedas, que não tem desonestidade e esta livre do dese-
jo, É este realmente o mundo mais elevado. É este o mundo de
Brahman, o Rei." - Assim falou Yajñavalkya. (4)
(lbid., 4.3, 19-33, passim)
6. A Alma Individual Idêntica ao Brahman
Na verdade, todo este mundo é Brahman. Tranqüilo, adoremo-lo
como sendo aquilo de que viemos, aquilo em que nos dissolveremos,
aquilo em que respiramos.
Ora, na verdade uma pessoa consiste em propósito. De acordo
com o propósito que uma pessoa tenha no mundo, assim se toma ao
partir dele. Por isso, que forme para si própria um propósito.
Aquele que consiste em mente, cujo corpo é vida, cuja forma é
luz, cuja concepção é a verdade, cuja alma é o espaço, contendo to-
das as obras, todos os desejos, todos os odores, todos os gostos, en-
globando todo este mundo, o mudo, o indiferente - esta Alma que
tenho dentro do coração é menor do que um grão de arroz, ou de
cevada, ou de mostarda, ou de painço, ou o germe de um grão de
painço; esta Alma que tenho dentro do coração é maior do que a
terra, do que a atmosfera, do que o céu, do que estes mundos.
Contendo todas as obras, todos os desejos, todos os odores, todos
os gostos, englobando todo este mundo, o mudo, o indiferente -
esta é a alma que tenho dentro do coração, isto é Brahman. Nele
entrarei, ao partir daqui.
Se alguém acreditar nisso, não terá mais dúvida. - Assim cos-
tumava falar Shandilya - sim, Shandilya! (4)
(Chandogya, 3.14).
7. A Rivalidade das Cinco Funções
Corporais e a Superioridade do Alento
Om! Na verdade, quem conhece o principal e o melhor se toma
o principal e o melhor. O alento (respiração, na verdade, é o prin-
cipal e o melhor.
Na verdade, quem conhece o mais excelente se toma o mais
excelente entre seu povo. A fala, na verdade, é o mais excelente.
Na verdade, quem conhece a base firme, tem uma base firme
tanto neste mundo como no além. O olho, na verdade, é uma base
firme.
Na verdade, quem conhece a realização, tem seus desejos rea-
lizados, tanto os humanos quanto os divinos. O ouvido, na verdade,
é a realização.
Na verdade, quem conhece a moradia se toma a moradia de
seu próprio povo. A mente, na verdade, é a moradia.
Ora, os Alentos Vitais disputavam entre si a auto-superioridade,
dizendo por sua vez: "Eu sou superior!" "Eu sou superior!"
Esses Alentos Vitais foram ter com o Pai Prajapati e disseram:
"Senhor! Qual de nos é o superior?"
Ele lhes disse: "Aquele de vós após cuja saída o corpo parece
estar no maior desamparo - esse é o superior a todos."
A Fala sai. Tendo ficado fora um ano, voltou novamente e
perguntou: "Como pudestes viver sem mim?"
"Como o mudo, sem falar, mas respirando com o alento, vendo
com o olho, ouvindo com o ouvido, pensando com a mente. Assim."
A Fala entrou novamente.
O Olho saiu. Tendo ficado fora um ano, voltou e perguntou:
"Como pudestes viver sem mimT'
"Como o cego, sem ver, mas respirando com o alentc, falando
com a fala, ouvindo com o ouvido, pensando com a mente. Assim."
O Olho entrou novamente.
O Ouvido saiu. Tendo ficado fora um ano, voltou e perguntou:
"Como pudestes viver sem mim?”
"Como o surdo, sem ouvir, mas respirando com o alento, falan-
do com a fala, vendo com o olho, pensando com a mente. Assim."
O Ouvido entrou novamente.
A Mente saiu. Tendo ficado fora um ano, voltou e perguntou:
"Como pudestes viver sem mim?”
"Como idiotas, sem mente, mas respirando com o alento, falan-
do com a fala, vendo com o olho, ouvindo com o ouvido. Assim."
A mente entrou novamente.
Ora, quando o Alento estava quase saindo - como um bom
cavalo que poderia arrancar todos os liames a que estivesse preso, foi
assim que arrancou todos os demais Alentos juntos. Eles todos vie-
ram ter a ele e disseram: "Senhor! Tu és o superior a nós. Não saias."
A Fala disse a ele: "Se eu sou o mais excelente, então tu és
o mais excelente."
Depois o Olho disse a ele: "Se eu sou uma base firme, então
tu és uma base firme."
Depois o Ouvido disse a ele: "Se eu sou a realização, então tu
és a realização."
Depois a Mente disse a ele: "Se eu sou uma moradia, então tu
és uma moradia."
Na verdade, eles não os chamam "Falas', "Olhos”, "Ouvidos"
ou "Mentes". Eles os chamam "Alentos", pois o alento vital é todos
esses. .
(lbid., 5.1)
8. Alegoria da Ignorância dos
Deuses Védicos Quanto a Brahman
Ora, Brahman conquistou uma vitoria para os deuses. Ora, na
vitória dêste Brahman os deuses exultaram e pensaram consigo pro-
prios: "Na verdade esta é nossa vitória! Na verdade esta é nossa
grandeza!"
Ora, Brahman compreendeu isso deles e lhes apareceu. Eles não
o compreenderam. "Que ser maravilhoso é este?" Perguntaram.
Disseram ao Fogo: "Possuidor-de-tudo, descobre isso - o que
é ésse ser maravilhoso"
"Assim seja."
Ele correu para Ele.
Ao Fogo Ele perguntou: "Quem és tu?”
"Na verdade, sou o Fogo. Na verdade, sou o Possuidor-de-tudo."
"Sendo como és, que poder há em ti?"
"Sem dúvida posso queimar tudo aqui, o que houver na terra!”
Ele pôs uma palha diante do Fogo. "Queima isso!"
O Fogo atirou-se a palha com toda a velocidade e não conse-
guiu queima-la. Com isso ele regressou, dizendo: "Não pude des-
cobrir o que é - o que é esse ser maravilhoso."
Então eles disseram ao Vento: "Vento, descobre isso - o que
é esse ser maravilhoso."
"Assim seja”.
O Vento correu para Ele.
Ao Vento Ele perguntou: "Quem és tu?”
"Na verdade, sou o Vento. Na verdade, Sou Matarishvan."
"Sendo como és, que poder há em ti?"
"Sem dúvida posso carregar tudo aqui, o que houver na terra."
Ele pôs uma palha diante do Vento. "Carrega isso!"
O Vento atirou-se a palha com toda a velocidade e não conseguiu
movê-la. Com isso ele regressou, dizendo: "Não pude descobrir o
que é - o que é esse ser maravilhoso."
Então eles disseram a Indra: "O Liberal, descobre isso - o que
é esse ser maravilhoso."
"Assim seja”.
Indra correu para Ele. Ele desapareceu para Indra.
Naquele mesmo espaço, Indra chegou a uma mulher inexcedivel-
mente bela, Umã, filha da Montanha Nevada.
Indra lhe perguntou: "O que é esse ser maravilhoso?"
"É Brahman", ela respondeu. "Naquela vitória de Brahman, na
verdade, te exultas.”
Com isso ele sabia que fôra Brahman.
Por isso, na verdade, esses deuses, quais sejam o Fogo, Vento e
Indra estão acima dos demais deuses, pois foram os que O tocaram
mais de perto, pois eles e especialmente Indra souberam primeiro
que Ele fora Brahman.
Por isso, na verdade, Indra se acha acima dos demais deuses,
pois O tocara mais de perto, pois soube primeiro que Ele fora Brahman.
D'Ele existe este ensinamento. -
Que no relâmpago que brilha, faz piscar e dizer "Ah!" - esse
"Ah!" se refere a divindade.
Agora, com relação a nós próprios. -
Aquilo que vem, por assim dizer, a mente, pela qual repetida-
mente nos lembramos - essa concepção é Brahman!
(Ketta, 3.1-12, 4.1-5)
9. Um Pai Agonizante Lega Seus
Diversos Poderes ao Filho
Agora em seguida, a Cerimônia de Pai-e-Filho, ou a Transmis-
são, como a chamam. -
Um pai, perto de falecer, chama seu filho. Tendo coberto o
chão da casa com grama nova, tendo acendido o fogo e posto perto
dele um vaso de água juntamente com um prato, o pai, envolto numa
roupa limpa, mantém-se deitado. Tendo chegado, o filho deita-se
por cima, tocando os órgãos com órgãos. Ou poderá mesmo trans-
mitir-lhe sentado e face a face. Então ele transmite ao filho assim: -
Pai: "Minha fala em ti eu poria!"
Filho: "Tua fala em mim recebo."
Pai: "Meu alento em ti eu poria!"
Filho: "Teu alento em mim recebo."
Pai: "Meu olho em ti eu poria!"
Filho: "Teu olho em mim recebo."
Pai: "Meu ouvido em ti eu poria!”
Filho: "Teu ouvido em mim recebo."
Pai: "Meus gostos em ti eu poria!”
Filho: "Teus gostos em mim recebo."
Pai: "Meus feitos em ti eu poria!”
Filho: "Teus feitos em mim recebo."
Pai: 'Meu prazer e minha dor em ti eu poria!”
Filho: "Teu prazer e tua dor em mim recebo." .
Pai: "Minha ventura, prazer e procriação em ti eu poria!"
Filho: "Tua ventura, prazer e procriação em mim recebo."
Pai: "Minhas andanças em ti eu poria!”
Filho: "Tuas andanças em mim recebo."
Pai: "Minha mente em ti eu poria!”
Filho: "Tua mente em mim recebo."
Pai: "Minha inteligência em ti eu poria!”
Filho: "Tua inteligência em mim recebo."
Se, no entanto, ele não conseguir falar muito, bastara o pai di-
zer sucintamente: "Meus alentos vitais em ti eu poria!"
e o filho responder: "Teus alentos vitais em mim recebo."
Depois, voltando-se para a direita, ele parte para o oriente.
O pai o chama: "Que a gloria, brilho sagrado e fama se rega-
lem em ti!"
Então o outro olha por cima do ombro esquerdo. Tendo co-
berto o rosto com a mão, ou com a aba da roupa, responde:
"Mundos e desejos celestiais te esperem!”
Se recobrar a saúde, o pai devera morar sob o domínio do filho,
ou então peregrinar como mendigo religioso. No entanto,
se morrer, que seja tratado como deve ser tratado.
(Kaushitaki, 2.15)
10. Naciketas e o Deus Yama (Morte)
Brâmane pobre e piedoso, Vajashravasa executa um sacrifício e
da como presentes aos sacerdotes algumas vacas velhas e fracas. Seu
filho Naciketas, perturbado pela irrealidade da observância do sa-
crifício por seu pai, propõe que ele próprio seja dado como ofe-
renda a um sacerdote. Quando insiste em seu pedido, seu pai lhe diz
com raiva: "A Yama eu te dou". Naciketas vai para a moradia de
Yama e achando-o ausente, espera ali três dias e noites sem comer.
A sua volta, Yama oferece três presentes em recompensa pela de-
mora e desconforto causados a Naciketas. Como primeiro presente,
este pediu: "Deixa-me voltar vivo a meu pai”. Como segundo pre-
sente, "Dize-me como minhas boas obras não se poderão esgotar";
e como terceiro, "Dize-me qual o caminho para vencer a re-morte".
Naciketas e Seu Pai
Desejoso do fruto do sacrifício, Vajashravasa, dizem, deu tudo
quanto possuía. Ele tinha um filho por nome Naciketas.
Enquanto os presentes estavam sendo levados aos sacerdotes,
a fé entrou nêle, embora fosse apenas um menino, e êle pensou.
Sua água bebida, sua grama comida, seu leite ordenhado, sua
força gasta, sem alegria, na verdade, são êsses mundos para os quais
irá ele, que presenteia essas vacas.
Disse a seu pai: "O Senhor, a quem me darás?” Pela segunda
e terceira vez repetiu a pergunta, ocasião em que o pai lhe disse:
"A Morte eu te darei."
Naciketas: "De muitos filhos e discípulos eu vou como o pri-
meiro; de muitos eu vou como o do meio. Que dever para com
Yama é esse que meu pai tem de cumprir hoje por meu intermé-
dio?”
"Vejamos como era com os ancestrais; vejamos como é com
os homem depois; um mortal amadurece como o milho, e como o
milho nasce outra vez."
Naciketas na casa da Morte
Como um fogo verdadeiro um Brâmane hospede entra nas ca-
sas e as pessoas lhe fazem esta oferenda de paz; traze água, O
Filho do Sol
Esperanças e expectativa, amizade e alegria, sacrifício e boas
obras, filhos, gado e tudo é tirado de uma pessoa de pouco entendi-
mento em cuja casa um Brâmane fica sem alimento.
Yama Se Dirige a Naciketas
"Como tu, um hospede venerável, ficaste em minha casa sem
alimento por três noites, faço-te reverência, ó Brâmane. Que haja
paz comigo. Portanto, em troca escolhe três presentes."
O Primeiro Desejo de Naciketas
"Que meu pai com ansiedade acalmada, raiva terminada, pos-
sa ser indulgente comigo, O Morte, e me reconhecendo, me receba,
ao ser libertado por ti, e este é o que escolho como primeiro pre-
sente dos três."
Yama disse: "Como antigamente, e graças a mim, ele dormira
pacificamente as noites, sua raiva terminada, vendo-te libertado das
fauces da morte."
Segundo Desejo de Naciketas
Disse Naciketas: "No mundo do céu não há medo algum; tu
não estás lá, nem se receia a velhice. Passando pela fome e sede,
deixando para trás a tristeza, rejubilamo-nos no mundo do céu."
"Tu sabes, O Morte, como é aquele sacrifício de fogo que mos-
tra o caminho do céu. Descreve-mo inteiramente, cheio de fé, como
os habitantes no céu conquistam a imortalidade. Escolho este como
meu segundo pedido."
Yama disse: “Conhecendo bem como conheço aquêle sacrifi-
cio de fogo que mostra o caminho do céu, eu o descreverei para ti
- aprende-o comigo, ó Naciketas. Sabe que aquêle fogo é o meio
de atingir o mundo ilimitado, o apoio do universo e residindo no
lugar secreto do coração!”
Yama descreveu para ele o sacrifício de fogo, que é o início
do mundo e também que tipo de tijolos devem ser usados na cons-
trução do altar sacrifical, quantos e em que modo, e Naciketas re-
petiu tudo aquilo exatamente como lhe fora dito; em seguida, sa-
tisfeita com ele, a Morte falou novamente.
Yama, a grande alma, extremamente satisfeita, disse a Nacike-
tas: "Dou-te aqui hoje outro benefício. Por teu próprio nome esse
sacrifício de fogo se tomará conhecido. Toma também esta cor-
rente de muitas formas."
"Aquele que tiver acendido o fogo de Naciketas três vezes, as-
sociando-se aos três, executa os três atos, passa por sobre nascimento
e morte. Conhecendo o filho de Brama, o onisciente, resplendente
e adorável e compreendendo-o, consegue-se essa paz eterna."
"O homem sábio que sacrificou três vezes a Naciketas e conhe-
ce estes três, e sabendo-os, executa a meditação sobre o fogo livrando-
-se primeiro das cadeias da morte e triunfando sobre a tristeza, reju-
bila no mundo do céu."
"Este é teu sacrifício de fogo, ó Naciketas, que levando ao céu,
que tu escolheste por segundo pedido. A este sacrifício de fogo as
pessoas darão apenas o teu nome. Escolhe agora, O Naciketas, o
terceiro pedido."
O Terceiro Desejo de Naciketas
Naciketas disse: "Há a dúvida com relação ao homem que par-
te, com alguns dizendo que ele é, e outros dizendo que ele não é
mais. Quero ser instruído por ti neste conhecimento. De meus pedi-
dos, este é o terceiro."
Yama disse: "Mesmo os deuses de antigamente tinham dúvida
quanto a isso. Na verdade, ele não é fácil de compreender, tão su-
til é nesta verdade. Escolhe outra coisa, Naciketas. Não me for-
ces. liberta-me disso."
Naciketas disse: "Mesmo os deuses tinham dúvida, sim, quan-
to a isso e tu, O Morte, dizes que não é fácil compreender. Instruí-
-me, pois outro mestre nisso, como tu, não se consegue. Nenhum
outro pedido pode-se comparar a este."
Yama disse: "Escolhe filhos e netos que viverão cem anos, muito
gado, elefantes, cavalos e ouro. Escolhe grandes extensões de ter-
ra e vida para ti próprio por quantos anos quiseres."
"Se tiveres outro desejo como este, escolhe-o e também a ri-
queza e vida longa. Ó Naciketas, prospera então sobre esta vasta
terra. Eu te farei o desfrutador de teus desejos."
"Sejam quais forem os desejos difíceis de realizar neste mundo
de mortais, pede por todos eles a tua vontade. Eis virgens nobres
com carruagens e instrumentos musicais, como os homens não po-
dem ter. Serve-te dêstes, que eu te dou. Ó Naciketas, rogo-te não
perguntar sôbre a morte."
Naciketas disse: "Transitórias são estas coisas e elas se gastam,
Ó Yama, o vigor de todos os sentidos doe homens. Toda vida, além
disso, é breve. Sejam tuas as carruagens, a dança e a música-"
"O homem não se contenta com a riqueza. Devemos desfruta-la
quando te vimos? Devemos viver enquanto estiveres no poder? Ape-
nas êste é o pedido que escolhi."
"Tendo-se aproximado da imortalidade indegenerável, que mor-
tal degenerável nesta terra abaixo que saiba agora e medite sobre
os prazeres da beleza e do amor se deliciará numa vida mais longa?”
"Diz-nos a respeito daquilo que eles duvidam, Ó Morte, o que
existe na grande passagem. Este pedido que penetra o mistério, e
nenhum outro, é o que Naciketas escolhe." (5)