Tagore

Rabindranath Tagore (1861-1941), poeta lírico, roman-
cista, dramaturgo e ensaísta (foi também músico e artista), des-
tacou-se como representante do novo humanismo indiano. Pre-
gou uma harmonia entre as culturas do oriente e ocidente, ten-
tando despertar nos homens um tipo de espiritualidade além de
toda crença precisa, que se pudesse basear numa compreensão
entre os povos e no sentimento de igualdade humana. Ainda
assim, seus antecedentes e sentimentalidade hindus são inegáveis;
como se pode ver no poema abaixo, inspirado por um motivo
conhecido nos Puranas: quando o oceano foi agitado para se
recobrar o néctar da imortalidade então perdido, Urvasi, ninfa
de beleza estonteante, surgiu dele e se tomou a principal baila-
rina no céu de Indra.

Urvasi, ou Beleza Ideal

Tu não és Mãe, não és Filha, não és Noiva, tu, ó Bela,
Ó Residente do Paraíso, Urvasi!
Quando desce a Noite sobre os pastos, envolvendo em seu corpo can-
sado sua roupa dourada,
Tu não acendes a lâmpada dentro de lar algum.
Com passos hesitantes, peito latejando e olhar abatido,
Tu não vais sorrindo para o leito de qualquer Amado,
A meia-noite silenciosa.
Tu és descoberta como a Aurora nascente,
Ó Irredutível

Como flor sem caule, desabrochando em ti mesma,
Quando desabrochaste, Urvasi?
Naquela Fonte primeva, tu surgiste da agitação do Oceano,
Néctar em tua mão direita, veneno na esquerda.(a)
O Mar poderoso e cheio, como uma serpente enfeitiçada,
Baixando seus mil capuzes descomunais,
Caiu a teus pés!
Branca como a flor kunda, beleza nua, adorada pelo Rei dos Deuses,
Ó Impecável!

Nunca foste botão, jamais virgem de tenros anos,
Ó eternamente jovem Urvasi?
Sentada sozinha, sob o teto escuro de quem,
Conheceste o folguedo infantil; brincando com gemas e pérolas?
Ao lado de quem, em que câmara iluminada pelo brilho das gemas,
Embalada pelo canto das ondas, dormiste em teu leito de cor,
Com um sorriso em tua face pura?
Naquele momento, quando acordaste no Universo, estavas feita de
juventude,
Numa beleza inteiramente desenvolvida!

De idade a idade, tens sido a amada do mundo,
Ó insuperável em encanto, Urvasi!
Rompendo sua meditação,(b) os sábios depõem a teus pés os frutos de
sua penitência;
Atingidos por teu olhar, os três mundos se inquietam com juventude;
Os ventos cegados sopram tua fragrância embriagante em redor;
como a abelha negra, bêbeda de mel, o poeta enfatuado peregrina,
com coração cobiçoso,
Erguendo cânticos de júbilo selvagem!
Enquanto tu vais, com manilhas tilintantes e saia ondulante,
Incansável como o relâmpago!

Na assembléia dos Deuses, quando danças em êxtase de alegria,
Ò onda oscilante, Urvasi!
Os vagalhões do oceano crescem e dançam, um após outro;
Nas cristas do milho tremem as saias da Terra;
De teu colar caem estrelas no céu;
E de repente, no peito do homem, o coração se esquece,
O sangue dança!
De repente, no horizonte tua cinta se rompe -
Ah, selvagem no abandono!
Sobre o Monte do Nascente no Céu, tu és a Aurora corporificada,
Ò encantadora Urvasi!
Tua forma esbelta se lava nas lágrimas profusas do Universo;
O tom corado de teus pés pinta-se com o sangue do coração dos três
mundos;
Tuas tranças fugidas à presilha, tu colocaste teus pés leves,
Teus pés de lótus, sobre o Lótus dos maduros
Desejos do Universo!
Infinitas são tuas máscaras no céu da mente,
Ò Companheira de sonhos!

Ouve o choro e gritos que por toda parte surgem por ti,
Ó cruel e surda Urvasi!
Dize, aquele Começo do Mundo visitará outra vez esta terra? -
Da profundeza sem praia e sem medida subirás novamente, com ca-
belos molhados?
Primeira, na Primeira Aurora aquela Forma surgirá!
Ao olhar espantado do Universo todos os teus membros estarão chorando,
As águas saindo deles!
De repente, o vasto Mar, em canções jamais ouvidas,
Trovejará com suas ondas!

Ela não voltará, ela não voltará! - aquela Lua de Glória determinou!
Ela fez sua morada no Monte do Ocaso, a Urvasi!
Por isso hoje, na Terra, ao alento alegre da Primavera
Se mistura o suspiro profundo de alguma separação eterna.
Na noite de lua cheia, quando o mundo gargalha,
A memória, de algum lugar distante, toca uma flauta que traz o de-
sassossego
As lágrimas irrompem!
No entanto, naquele choro do espírito a Esperança desperta e vive,
Ah tu, Sem Grilhões!

a) O néctar e o veneno surgiram ambos da agitação do oceano.
b) As lendas Indianas falam de sábios tentados por deuses in-
vejosos a romper sua Penitência, antes que a mesma os tor-
nasse poderosos demais.