Gandhi

Durante sua longa e dura campanha pela independência da
Índia, Mohandas Karamchand Gândi (1869-1948) acentuou, aci-
ma de tudo, o princípio da não-violência e combinou em si pró-
prio o papel de nacionalista ardoroso e a fé de pregador de um
Hinduismo revivido que insistia nos temas da perfeição e pure-
za. Numa palavra, foi um político que andou perto de se tor-
nar um santo.

1. Chegada a Deus Pelo Ahimsa (a)

Minha experiência uniforme convenceu-me de que não existe ou-
tro Deus, a não ser a Verdade, e se cada página destes capítulos não
proclamar ao leitor que o único meio de atingi-la é a não-violência,
considerarei todo o meu trabalho escrito como sendo em vão e embo-
ra meus esforços neste particular possam mostrar-se infrutíferos, saibam
os leitores que o veículo, e não o grande princípio, é que merece a
culpa. Afinal, por mais sinceros que possam ser meus esforços no
sentido do Ahimsa, ainda assim se mostraram imperfeitos e inadequa-
dos. Os curtos lampejos que consegui ter da Verdade, portanto, fa-
cilmente podem dar uma idéia do brilho indescritível que ela tem, um
milhão de vezes mais intenso do que o do sol diariamente visto com
nossos olhos. O que realmente entrevi foi apenas o mais apagado re-
flexo daquela luminosidade poderosa, mas posso dizer com certeza e
como resultado de minhas experiências que uma visão perfeita da Ver-
dade só pode ser obtida mediante uma realização completa do Ahimsa.
Para ver o Espírito da Verdade universal e presente em toda par-
te face a face, é preciso saber amar o mais modesto ser da criação
como a si próprio um homem que aspire a isso não pode manter-se
afastado de qualquer terreno da vida. É por isso que minha devoção
pela Verdade me levou ao terreno da política, e posso afirmar sem a
menor hesitação, embora com toda a humildade, que quem diz nada
ter a religião a ver com a política não sabe o que quer dizer religião.
A identificação com tudo que vive é impossível sem a autopurifi-
cação, e sem esta a observância da lei do Ahimsa tem de continuar
sendo um sonho vazio. Deus jamais poderá ser compreendido pcr
quem não for de coração puro. Por isso a autopurificação deve signi-
ficar purificação em todos os escalões da vida, e esta sendo altamente
contagiosa, faz que a purificação de si próprio leve à do ambiente em
que se vive.
O caminho da autopurificação, entretanto, é duro e íngreme. Para
chegar à pureza perfeita é preciso que nos tomemos absolutamente li-
vres de paixão no pensamento, fala e ação ergamo-nas acima das cor-
rentes opostas do amor e do ódio, ligação e repulsa. Sei que não tenho
ainda em mim essa pureza tripla, a despeito de esforços constantes para
atingi-la. É por isso que o louvor do mundo deixa de me impelir, e
na verdade muitas vezes me fere. Vencer as paixões sutis parece-me
mais difícil do que vencer fisicamente o mundo pela força as armas.
Desde que regressei à Índia tive experiências das paixões adormecidas
ocultas em mim. O conhecimento das mesmas fêz-me sentir humilha-
do, embora não derrotado. As experiências me sustentaram e deram
grande alegria, mas sei ter ainda diante de mim uma trilha difícil a
percorrer. Tenho de me reduzir a zero. Enquanto um homem não
se colocar por sua própria vontade em último lugar entre seus seme-
lhantes, não haverá salvação para ele. Ahimsa é o mais extremo limi-
te da humildade.

Ao me despedir do leitor, pelo menos por esta vez lhe peço que
se junte a mim em oração ao Deus da Verdade, para que lhe possa
conceder-me a graça do Ahimsa em mente, palavra e feito. (58)

a) Não-violência.

2. O Nome de Deus

É um sol que iluminou meus momentos mais escuros. O nome
de Rama não é uma máxima de caderno escolar, mas algo que tem
de ser compreendido pela experiência. Somente quem teve a experi-
ência pessoal pode prescrevê-lo, e mais ninguém. A recitação do nome
de Rama para combater enfermidades espirituais é tão antiga quanto
as montanhas, mas o maior inclui o menor e minha afirmação é de
que a recitação do nome de Rama constitui remédio soberano para
nossas enfermidades físicas também. Queremos curadores de almas, ao
invés de curadores de corpos e a multiplicidade de hospitais e homens
da medicina não é sinal de civilização. Quanto menos adulemos nos-
so corpo, tanto melhor para nós e para o mundo. O nome de Rama
é para aqueles de coração puro e os que desejam atingir a pureza e
continuar puros, e nunca pode ser um meio de complacência consigo
próprio. O nome de Rama, para ser eficaz, deve absorver todo o nos-
so ser durante sua recitação e expressar-se em toda a nossa vida. O
meu Rama, o Rama de nossas orações, não é o Rama histórico, o filho
de Dasharatha, rei de Ayodhya: é o eterno, o não-nascido, aquele que
não tem um segundo. O nome de Rama possui o poder terrível de
converter o desejo sexual da pessoa em um anseio divino pelo Senhor.
O nome de Rama, se recitado com o coração, espanta qualquer mau
pensamento.
O hindudharma é como um oceano sem limites, cheio de gemas
preciosas. Quanto mais profundamente se mergulha nele, tanto mais
tesouros encontramos; é o caminho trilhado por alguns dos maiores sá-
bios da Índia que foram homens de Deus, e não supersticiosos ou char-
latães; pronunciar o nome de Rama com o coração significa extrair
auxílio de um poder incomparável. A bomba atômica é como que
nada, comparada a ele. Esse poder é capaz de retirar toda a dor; di-
zer isso é fácil, mas atingir a Realidade é bem difícil. Ainda assim,
é a maior coisa que o homem pode possuir.
A razão acompanha o coração, e não o guia. Um coração puro é
por isso o requisito mais essencial para a saúde mental e física. Disse
Tolstói que se o homem tirasse Deus de seu coração mesmo por um
instante apenas, Satanás viria ocupar o lugar. O nome de Rama ex-
pulsaria Satanás. Em nós mesmos, somos vermes insignificantes, mas
tornamo-nos grandes quando refletimos sobre Sua grandeza. Os ho-
mens dão importância demasiada a seu ser físico, enquanto negligen-
ciam o Espírito imortal. Quem o tiver em seu coração tem acesso a
uma maravilhosa força ou energia, tão objetiva em seus resultados
quanto, digamos, a eletricidade, porém muito mais sutil. O nome de
Rama é como uma fórmula matemática que resumiu o resultado de
pesquisas sem fim. Que quantidade de trabalho e paciência foi gas-
ta pelos homens para adquirir a pedra filosofal que não existe! Cer-
tamente o nome de Deus é de valor infinitamente maior e existe sempre. (59)