Atharva Veda

O Atharva-veda é pouco menos antigo do que o Rig-veda,
porém bem diferente em sua natureza. Trata-se de uma cole-
ção de orações ou hinos versificados, alguns de um caráter má-
gico ou alegórico, outros lidando com a cosmogonia. Essas úl-
timas composições desenvolvem material especulativo que surgiu
em alguns dos hinos "recentes" do Rig-veda, e entre as primeiras
figuram dois textos apresentados aqui - um, uma oração a Va-
runa como deus do Cosmo (oração que termina com uma im-
precação mágica), e o outro um encantamento ou sortilégio con-
tra a febre.

1 . A Varuna

O grande guardião dentre esses deuses vê como que de perto.
Aquele que pensa estar-se movendo despercebidamente - tudo isto
os deuses sabem.

Se um homem está de pé, anda ou se move sorrateiramente, se se
afasta de modo imperceptível, se vai para seu esconderijo; se duas
pessoas sentam-se juntas e planejam, o rei Varuna está presente como
se fosse uma terceira pessoa, e sabe de tudo.
Tanto este planeta pertence ao rei Varuna, como também o céu
amplo além, cujas fronteiras estão bem longe. Além disso, êstes dois
oceanos são os lombos de Varuna; sim, êle se esconde nesta pequena
gôta de água.

Aquele que conseguisse fugir para além do céu bem distante não
estaria livre do rei Varuna. Seus espiões vém para cá do céu, com
mil olhos observam a terra.

O rei Varuna vê através de tudo que está entre céu e terra e de
tudo quanto está além. Ele contou as piscadas dos olhos dos homens.
Como um jogador que vence com seus dados, assim êle estabelece
estas Ieis. (2)
(4.16)

2. Contra a Febre

Que Agni afaste daqui a Febre, que Soma, a Mó, e Varuna, de
habilidade conhecida, o altar, a palha sôbre o altar e os feixes de ma-
deira em chama brilhante a expulsem! Para o nada irão os poderes
detestáveis

Tu que fazes todos os homens descorados, inflamando-os como um
fogo cauterizante, agora mesmo, ò Febre, tu te tornarás sem fôrça -
vai embora agora, sim, para as profundas!

A febre com manchas, coberta de manchas, como sedimento aver-
melhado, a ela tu, ò planta de potência incessante, manda para baixo!

Tendo feito reverência à Febre, eu a mando para baixo - que
volte, êsse campeão de Sakarnbhara,a novamente para os Mahavrishas! (b)

Teu lar é com os Mujavants, teu lar com os Mahavrishas. Desde
o momento de teu nascimento tu és nativa dos Balhikas.

Quando tu, sendo fria, e em seguida delirantemente quente, acom-
panhada de tosse, fizeste o sofredor tremer, então, ó Febre, teus pro-
jéteis foram terríveis - livra-nos deles!

Destrói a febre que volta no terceiro dia, aquela que intermite a
cada terceiro dia, aquela que continua sem intervalo é a outonal; des-
trói a febre fria, a quente, a que vem no verão e a que chega na es-
tação chuvosa! (2)
(5.22)
a) Talvez a febre como provocadora de diarréia.
b) Este nome e os seguintes são designações de povos localizados
fora da região ariana da Índia.

3. Uma Oração Para Ganhar no Jogo

A Apsara (a) vitoriosa e hábil no jogo, aquela Apsara que traz a vitó-
ria no jôgo de dados, eu chamo aqui.
A Apsara hábil no jogo, que limpa e aumenta as apostas, aquela
Apsara que leva os ganhos no jogo de dados, eu chamo aqui.

Possa ela, que dança com os dados, quando tomar as apostas do
jogo de dados, quando deseja ganhar para nós, conseguir a vantagem
por sua mágica! Possa ela vir-nos cheia de abundância! Que êles não
ganhem essa riqueza nossa!

As Apsaras que rejubilam nos dados, que levam o pesar e a ira
- aquela Apsara alegre e exultante eu chamo aqui. (2)
(4.38)

a) Uma Divindade feminina, a "ninfa" indiana.

4. A Pérola e Sua Concha Como Amuleto

Nascida do vento, da atmosfera, do relâmpago e da Iuz, possa esta
concha de pérola, nascida do ouro, proteger-nos das dificuldades
com a concha que nasceu no mar, à frente de substâncias bri-
lhantes, abatemos os Rakshasa e vencemos os Atrins (b)

Com a concha vencemos a doença e pobreza; com a concha, tam-
bém, os Sadanvas.(c) A concha é nosso remédio universal; a pérola
nos protegerá das dificuldades!

Nascida nos céus, nascida no mar, trazida do rio, essa concha, nas-
cida de ouro, é nosso amuleto para prolongar a vida.

O amuleto, nascido do mar, um sol, nascido da nuvem, em todos
os lados nos protegerá dos projéteis dos deuses e dos Asuras!

Tu és urra das substâncias douradas, tu nasceste da Lua. Tu és
bela na carruagem, tu és brilhante na aljava.

O osso dos deuses transformou-se em pérola e esta, animada, resi-
de nas águas. É a que prendo sôbre ti para a vida, brilho, fôrça, longe-
vidade, para uma vida durante cem outonos. Possa o amuleto da pé-
rola proteger-te! (2)
(4.10)

a) Uma classe de demônios.
b) Demônios devoradores.
c) Demônios femininos.

5. Sortilégio Para Despertar o Amor Apaixonado
de Uma Mulher

Que o amor, o inquietador, te inquiete; não resistas sôbre teu Ieito!
Com a seta terrível de Kama (a) eu te perfuro o coração.

A seta, alada pelo desejo, envenenada com amor, cuja haste é o
desejo inabalável, com ela e bem certeira Kama te perfurará o coração!

Com essa seta certeira de Kama que abrasa o baço, cuja pena voa
à frente, que queima, eu te perfuro o coração.

Consumida por ardor, com bôca ressequida, mulher, vem para
mim, teu orgulho de lado, minha só, falando docemente e dedicada
a mim!

Atinjo-te com um agulhão de tua mãe e teu pai, de modo que
estejas em meu poder e venhas satisfazer meu desejo.

E todos os pensamentos dela, ò Mitra e Varuna, (b) sejam expulsos!
Tendo-a assim privado de sua vontade, ponham-na em meu poder
Apenas! (2)
(3.25)

a) O deus do amor.
b) Dois poderosos deuses rig-védicos.

6. Expiação Pela Aparência Irregular do Primeiro
Par de Dentes

Esses dois dentes, os tigres, que irromperam, na ânsia de devorar
pai e mãe, torna auspiciosos, ò Brahmanaspati Jatavedas! (a)

Comam arroz, cevada e feijões também, e ainda o gergelim! Esta,
ò dentes, é a parte depositada para seu enriquecimento. Não ma-
chuquem pai e mãeI

Como foram invocados, ò dentes, estejam em união bondosa e
Propícia! Por tôdas as outras partes, ò dentes, desaparecerão as qua-
lidades ferozes de seu corpo! Não machuquem pai e mãe(2)
(6.140)

a) Dois deuses rig-védicos (Brihaspati e Agni).

7. Sortilégio Para Deter o Fluxo de Sangue

As virgens que vão além, as veias, vestidas em roupas verme-
lhas, como irmãs sem um irmão, despidas de força, elas pararão!

Pára, tu que estás abaixo, pára, tu que estais acima; e tu que
estais no meio, pára também! As menores veias param; que pare
também a grande artéria!

Das centenas de artérias e milhares de veias, as do meio real-
mente pararam. Ao mesmo tempo os extremos cessaram de fluir.

Por volta de ti passou um grande dique de areia: a fica parado,
rogo-te calma!
(1.17)

a) Talvez uma aplicação de areia posta sobre ou ao lado do
ferimento.

8. Hino à Deusa Terra

A verdade, a grandeza, a ordem universal, a força, a consagração,
o fervor criador, a exaltação espiritual, o sacrifício, sustentam a terra.
Possa esta terra, a senhora do que foi e do que será, preparar para
nós um amplo domínio!

A terra que tem altitudes, e encostas, e grandes planícies, que
sustenta as plantas de múltiplas virtudes, livre da pressão que vem
do meio dos homens, ela se espalhará para nós e se ajustará para nós!

A terra sôbre a qual o mar, os rios e as águas, sobre a qual o
alimento e as tribos de homens surgiram, sobre a qual esta vida alen-
tada e móvel existe, nos dará precedência em beber!

A terra de que são as quatro regiões do espaço, sobre a qual o
alimento e as tribos de homens surgiram, que sustenta o alento múl-
tiplo e as coisas móveis, nos dará gado e outras posses também,

A terra sobre a qual há muito tempo os homens se espalharam,
sobre a qual os deuses venceram os Asuras,(a) nos proporcionará todas
as espécies de gado, cavalos e aves domésticas, boa sorte e glória!

A terra que sustenta todos, fornece riqueza, o alicerce, o lugar
dourado de descanso de tôdas as criaturas vivas, ela que sustenta
Agni Vaishvanara (b) e se casa com Indra, o touro, nos proporcionará
a propriedade!
A terra ampIa, que os deuses insones guardam sempre atenta-
mente, nos dará mel precioso e, mais do que isso, nos aspergirá
com glória!

Essa terra que antes era água sobre o oceano de espaço que os
videntes encontraram por seus dispositivos engenhosos; cujo coração
está no céu mais alto, imortal, cercado de verdade, nos proporcionará
brilho e força e nos colocará em soberania suprema!

Essa terra sôbre a qual as àquas acompanhantes fluem junta-
mente dia e noite sem cessar, dará leite para nós em correntes ricas
e, além disso, nos aspergirá com glória!

A terra que os Ashvins mediram, sobre a qual Vixnu saiu, que
Indra, o senhor do poder, tornou amiga de si próprio; ela, a mãe, dará
leite para mim, seu filho!

Tuas montanhas nevadas e tuas florestas, ò terra, serão bondosas
para nós! A terra marrom, negra, verrmelha, multicor, a terra firme,
protegida por Indra, nela me estabeleci e não suprimi, nem matei,
nem feri.

Em teu meio aceita-nos, ò terra, e em teu umbigo, na força nu-
triente que cresceu de teu corpo; purifica-te para nós! A terra é a
mãe, e eu o filho da terra; Parjanya (c) é o pai; também ele nos salvará!

A terra sôbre a qual os sacerdotes fazem o altar, sobre a qual eles,
dedicados a todos os trabalhos sagrados, realizam o sacrifício, sobre a qual
estão erigidos diante do sacrifício os postes sacrificados, eretos e bri-
lhantes, essa terra nos fará prosperar, prosperando ela própria!

Aquele que nos odeia, ò terra, aquêle que luta contra nós, aque-
le que é hostil para conosco com sua mente e suas armas, submete-o
a nós, antecipando-te a nosso desejo pelo feito!

Os mortais nascidos de ti vivam em ti, tu sustentas tanto os bípe-
des quanto os quadrúpedes. Tuas, ò terra, são as cinco raças de ho-
mens, os mortais, sobre quem o sol nascente Iança luz sem fim com
seus raios.
Essas criaturas, todas juntas, darão Ieite para nós; dá-nos, ò terra,
o mel da palavra!

Sôbre a terra ampIa e firme a mãe genitora de tôdas as plantas,
sustentada pela Iei divina, sôbre ela, propícia e bondosa, possamos
passar sempre nossas vidas!

Tu te tornaste um grande ponto de encontro, grande terra; gran-
de pressa, coração e agitação há sôbre ti. O grande Indra te pro-
tege sempre. Faze-nos, ò terra, alegrar como se à vista de ouro -
ninguém nos odiará!

Sobre a terra os homens dão aos deuses o sacrifício, a oblação
preparada; sobre a terra os homens mortais vivem agradavelmente pelo
alimento. Que esta terra possa dar-nos alento e vida, que possa fa-
zer-me chegar à velhice!

A fragrância, ò terra, que surgiu sobre ti e que as plantas e águas
sustentam, que os Gandharvas e Apsaras (d) partilharam, com isso fa-
ze-me fragrante - ninguém nos odiará!

Aquela tua fragrância que entrou no Iótus, aquela fragrância, ò
terra, que os imortais de antigamente reuniram no casamento de Surya, e
com ela faze-me fragrante - ninguém nos odiará!

Aquela tua fragrância que está nos homens, o encanto e sedução
que está no macho e na fêmea, aquela que está nos corcéis e heróis,
aquela que está nos animais selvagens com trombas, o brilho que está
nas virgens, ò terra, com isso tempera-nos - ninguém nos odiará!

Rocha, pedra, areia é esta terra; esta terra é sustentada e unida.
A esta terra dourada prestei reverência.

A terra, sobre quem as árvores da floresta se mantém firmes, a
terra nutriente de todos, compacta, nós invocamos.

Erguendo-nos ou sentando-nos, de pé ou andando, que não tro-
pecemos com nosso pé direito ou esquerdo sobre a terra!

Falo à terra pura, ao chão, o solo que cresceu através da exal-
tação espiritual. Sobre ti, que conténs a nutrição, prosperidade ali-
mento e manteiga, nos estabeleceremos, ò terra!

Purificadas, as águas fluirão para nossos corpos; do que flui de
nós e depositamos sôbre ele, não gostamos - com um purificador,
ò terra, eu me purifico!

Com tuas regiões orientais e tuas regiões setentrionais, meri-
dionais, ò terra, e tuas ocidentais, sê bondosa para mim quando ando
sobre til Que eu, pôsto no mundo, não caia!

Não nos expulsa do ocidente, nem do oriente; nem do norte, nem
do sul. Sê segurança para nós, ò terra - os assaltantes não nos acha-
rão, afasta sua arma assassina!

Enquanto olhar para ti, ò terra, tendo o sol por companheiro meu,
minha vista não falharà ano após ano!

Quando, deitado, volto-me para a direita ou esquerda, ò terra;
quando deitados estamos com as costelas sobre ti que nos apertas, não
nos machuques, ò terra, que estás perto de tudo.

Aquilo, ò terra, que cavo e tiro de ti, rapidamente crescerá de
novo - que eu não possa, ò tu que és pura, perfurar teu ponto vi-
tal, nem teu coração
Teu verão, ò terra, tua estação chuvosa, teu outono, inverno, ante-
primavera e primavera; tuas estações anuais determinadas, teus dias
e noites nos darão Ieite!

A terra pura que se afasta com medo da serpente, sobre a qual
estiveram os fogos que estão em meio às águas, aquela que entrega
à destruição o blasfemo Dasyus,(f) aquela que toma o lado do deus
Indra e não o de Vritra, (e) aquela terra se reúne ao deus poderoso, o
touro robusto.

Sobre quem repousou a choça sacrifical e os dois veículos que
sustentam o soma, em quem o poste sacrifical está fixado, sobre quem
os Brahmanas louvam os deus com rics e samans, sabendo também as
fòrmulas-yajus;(g) sobre quem os sacerdotes são usados para que Indra
beba o soma;

Sobre quem os videntes de antigamente, que criaram os sêres,
formaram com suas canções as vacas, êles, os sete sacerdotes ativos,
por meio das oferendas, dos sacrifícios e seu fervor criador;

Possa esta terra indicar-nos a riqueza que ambicionamos; possa
a Fortuna dar sua ajuda, possa Indra vir aqui como nosso campeão!

A terra sobre quem os mortais ruidosos cantam e dançam, sobre
quem eles Iutam, sobre quem ressoa o tambor tonitruante, expulsará nos-
sos inimigos, nos tornará livres de rivais!

A terra sobre a qual há alimento, e arroz e cevada, sobre quem vivem
estas cinco raças de homens, à terra, a esposa de Parjanya, que en-
gorda com a chuva, reverência!

A terra sobre cujo chão as cidadelas construídas pelos deuses se
desdobram, cada região dela que é o seio de tudo, Prajapati,(h) torna-
rá agradável para nós!

A terra que encerra tesouros múltiplos em Iugares secretos, ri-
queza, jóias e ouro ela me dará; ela que proporciona a riqueza li-
beralmente, a deusa bondosa, riqueza ela proporcionará a nós!

A terra que sustenta povos de múltipIas falas variadas, de cos-
tumes diferentes, de acordo com seus habitats, como uma boa vaca
Ieiteira que não escoiceia, ela ordenará para mim mil correntes de
Riqueza!

A serpente, o escorpião com presas sedentas, que hibernando en-
torpecidos estão sobre ti; o verme e qualquer coisa viva, ò terra, que
se mova na estação chuvosa, quando rastejar não o fará sôbre nós -
o que for auspicioso para ti seja gracioso para nós!

Tuas muitas trilhas sôbre as quais andam as pessoas, tuas trilhas
para carruagem e carros marcharem e sobre as quais anda tanto o bem
quanto o maI, esta estrada, Iivre de inimigos e de Iadrões, possamos
atingir - o que for auspicioso para ti seja grandioso para nós!

A terra sustenta o tolo e sustenta o sábio, suporta que bons e
maus vivam sobre ela; ela faz companhia ao javali, entrega-se ao
porco seIvagem.

Teus animais de floresta, os animais selvagens abrigados nas, ma-
tas, os Ieões que comem gente e tigres à solta; o Iobo, infortúnio,
ferimento e demônios, ò terra, afasta de nós!

A terra sobre quem os pássaros bípedes voam juntos, os flamin-
gos águias, aves de prêsa, aves inofensivas; sobre quem o vento cor-
re, erguendo a poeira e sacudindo as árvores - enquanto o vento
sopra de lá para cá a chama irrompe;

A terra sobre quem dia e noite em seguida, negro e brilhante,
foram decretados, a terra ampla coberta e envolta de chuva, nos co-
locará bondosamente em todos os abrigos agradáveis!

Ò mãe terra, bondosamente me leva a um lugar bem firme! Com
o céu cooperando, ó tu que és sábia, pôe-me na felicidade e pros-
peridade! (2) ( 12. 1)

a) Os oponentes dos deuses.
b) Deus do fogo "relacionado a todos os homens".
c) Deus da chuva.
d) Divindades masculinas e femininas.
e) A esposa de Surya, ou o sol.
f) Demônios.
g) Inimigo de Indra.
h) Um deus supremo.