Rig Veda

I. O Rig-veda

Este texto apresenta uma coletânea ou antologia de apro-
ximadamente mil hinos aos deuses principais do panteão védico.
Tais hinos são atribuídos a "autores" individuais, porém isso
não se pode sustentar. A língua é um sânscrito bastante arcai-
co e a compilação dos poemas deve ser situada entre os anos
1500 e 1200 antes de Cristo.
Juntamente com a homenagem prestada aos deuses, e as
descrições mitológicas ou rituais, encontramos fórmulas usadas
pelos poetas para convidar um deus a participar como hóspede
distinguido na oferenda sagrada. Algumas das composições são
de caráter inteiramente diferente, notadamente os muitos poe-
mas especulativos. O de número 6, por exemplo, o famoso poe-
ma sobre a criação do mundo, ou o de número 4, que descreve
o Sacrifício Primordial, consistindo da imolação do homem gi-
gantesco (Purusha) e de cujos membros surgiram todos os sê-
res, estão nesse caso.

1. A Vixnu

Afirmarei os feitos poderosos de Vixnu, que mediu as regiões da
terra,
Que sustentou o lugar mais elevado de congregação três vezes
limprimindo sua pegada, andando em passos largos.

Por êste poderoso feito Vixnu é louvado, como alguma fera sel-
vagem, temível, furtivo, varando as montanhas;
Ele, cujas passadas largas abrigam a habitação de tôdas as cria-
lturas vivas.
Que o hino suba como força a Vixnu, o Touro, que vai Ionge e
reside nas montanhas,
A êle que, sozinho, com passo triplo mediu este habitat comum,
que se estende ao longe.

A êle cujos três lugares cheios de doçura, imperecíveis, se re-
jubile ao vê-los,
E que realmente sozinho sustenta o triplo, a terra, o céu e to-
das as criaturas vivas.

Possa eu atingir para isso sua mansão bem-amada, onde os ho-
mens devotados aos deuses são felizes,
Pois ali nasce, bem próximo ao das passadas largas, a fonte de
hidromel, na pegada mais alta de Vixnu.

Contentes, iríamos ter a seus habitats, onde há muitos bois chi-
frudos e ágeis,
Pois ali brilha poderosamente sobre nós a mais sublime mansão
do Touro de passos largos.
(1.154)

2. Às Águas

Avante, do meio da enchente, as Águas - seu chefe o mar -
fluém limpando, jamais dormindo.
Indra, o touro, o trovejante, cavou seus canais; aqui, deusas,
deixem essas águas proteger-me.

Águas que vieram do céu, ou as que erram retiradas da terra,
ou correndo livres pela natureza,
claras, purificadoras, correndo para o oceano; aqui, deusas,
deixem essas águas proteger-me.

Aqueles entre os quais vai Varuna o soberano, o que distingue
nos homens a verdade da mentira -
Destilando hidromel, o claro, o purificante; aqui, deusas, dei-
xem essas águas proteger-me.

Aqueles de quem Varuna o rei, e Soma, e tôdas as deidades
sorvem força e vigor,
Aqueles em quem Vaishvanara Agni entrou; aqui, deusas, dei-
xem essas águas proteger-me.(1)
(7.49)

3 . A Aurora

Ela brilhou como uma mulher jovem, despertando para o mo-
vimento todas as criaturas vivas.
Agni veio alimentar-se no combustível dos mortais. Ela fêz
luz e espantou a treva.

Voltada para tudo isso, estendendo-se ao longe, ela se ergueu
e brilhou com clareza e vestes brancas em volta de si,
Ela se apresentou brilhando com côres douradas lindas, mãe
do gado, guia dos dias que traz,

Trazendo o olho dos próprios deuses, dama auspiciosa, guiando
seu corcel branco e belo de ver,
Distinguida por seus raios, a Aurora brilha e surge, apresenta-se
lá todo o mundo com tesouro maravilhoso.

Próxima a aurora, a riqueza e ela afugentarão o inimigo -
prepara-nos pastos amplo e livre de perigo.
Expulsa aqueles que nos odeiam, traze-nos riquezas - pobre
recompensa, dama rica, do cantor.

Manda teus raios mais excelentes brilhar e nos iluminar, dando-nos
dias mais compridos, ò Aurora, ò Deusa,
Dando-nos alimento, tu que tens tôdas as coisas preciosas, e
munificência em carruagens, gado e cavalos.

Ò Aurora nascida nobre, filha do céu, a quem os Vasishthasa (a)
com seus hinos tornam poderosa,
Dá-nos riquezas vastas e gloriosas. Preservem-nos sempre, ò
deuses, com bênçãos. (1)

a) Nome de uma família de Poetas.

4. O Purusha Sukta (Hino do Homem)

Mil cabeças tem Purusha, mil olhos, mil pés.
Por tôda parte impregnando a terra ele enche um espaço com
dez dedos de largura.

Esse Purusha é tudo que até agora já foi e tudo que será,
o senhor da imortalidade que se torna maior ainda pelo alimento.
Tão poderosa é sua grandeza! Sim, maior do que isto é Purusha.
Tôdas as criaturas são urra quarta parte dêle, três quartas par-
tes são a vida eterna no céu.

Com três quartos Purusha subiu; um quarto dêle novamente
estava aqui.
Daí saiu para todos os lados por sôbre o que come e o que
não come.

Dele nasceu Viraj (a); e novamente de Viraj nasceu Purusha.
Assim que nasceu, espalhou-se para oriente e ocidente sobre
a terra.

Quando os deuses prepararam o Sacrifício com Purusha como
sua oferenda,
Seu óleo foi a primavera; a dádiva santa foi o outono; o verão
foi a madeira.

Eles embalsamaram como vitima sobre a grama o Purusha nas-
cido no tempo mais antigo.
Com ele as deidades e todos os Sadhyas e Rishis (b) fizeram sa-
crifício.

Desse grande Sacrifício geral a gordura que gotejava foi colhida.
Ele forrmou as criaturas do ar, os animais selvagens e domesticados.

Daquele grande Sacrifício geral Rics (c) e hinos-Sama (d) nasceram;
Daí foram produzidos encantamentos e sortilégios; os Yajus (e)
surgiram disso.

Dêle nasceram os cavalos e todo o gado com duas fileiras de
dentes;
Dêle se reuniu o gado vacum, dêle nasceram cabras e ovelhas.

Quando dividiram Purusha, quantos pedaços fizeram?
A que chamam sua bôca, seus braços? A que chamam suas
coxas e pés?

O Brâmane (f) foi sua boca, de ambos os seus braços foi feito o
Rajanya (xátria).
Suas coxas tornaram-se o vaixá, de seus pés o sudra foi produzido.

A Lua foi engendrada de sua mente, e de seu olho o Sol nasceu;
Indra e Agni nasceram de sua boca, e Vayu de seu alento.
De seu umbigo veio a atmosfera; o céu foi modelado de sua
cabeça;
A terra de seus pés, e de suas orelhas as regiões. Assim eles
formaram os mundos.

Sete bastões de luta tinha êle, três vêzes sete camadas de com-
bustível foram preparadas,
Quando os deuses, oferecendo o sacrifício, manietaram sua ví-
tima, Purusha.

Os deuses, sacrificando, sacrificaram a vítima; estes foram os
primeiros sacramentos.
Os poderosos chegaram às alturas do céu, lá onde os Sadhjas,
deuses antigos, estão morando.(1)

(10.90)

a) Contrapartida feminina do principio masculino, Purusha.
b) santos e profetas de tempos antigos.
c) Estrofes do Rig-veda.
d) Estrofe do sama-veda.
e) Fórmulas rituais do Yajur-veda.
f) As quatro classes sociais.

5. A Prajapati

No início surgiu Hiranyagarbha,(a) nascido senhor único de todos
os seres criados.
Ele fixou e sustenta esta terra e céu. Que deus adoraremos
com nossa oblação?

Proporcionador de alento vital, de força e vigor, aquele cujos
mandamentos todos os deuses aceitam:
O senhor da morte, cuja sombra é a vida imortal. Que deus
adoraremos com nossa oblação?

Aquele que por sua grandeza tomou-se senhor único de todo
o mundo movel que respira e dorme:
Aquele que é senhor dos homens e senhor do gado. Que deus
adoraremos com nossa oblação?

Suas, por seu poder, são estas montanhas cobertas de neve, e
[os homens chamam o mar e Rasa (b) sua posse:
Seus braços são êstes, suas são estas regiões celestiais. Que deus
adoraremos com nossa oblação?

Por ele, os céus são fortes e a terra segura, por ele o reino da
luz e a arcada do céu são sustentados;
Por ele as regiões na atmosfera foram medidas. Que deus ado-
raremos com nossa oblação?

Para êle, apoiados por sua ajuda, dois exércitos em batalha
olham com tremor no espírito,
Quando sôbre êles o sol brilha. Que deus adoraremos com nos-
sa oblação?

Na época em que as águas poderosas vieram, contendo o ger-
me universal, produzindo Agni,
Daí passou a existir o espírito dos deuses. Que deus adora-
remos com nossa oblação?

Em seu poder, ele examinou as enchentes que continham fór-
ça produtiva e geravam a adoração.
Ele é o deus dos deuses e ninguém mais do que ele. Que deus
adoraremos com nossa oblação?

Que nunca possa ele nos ferir, ele que é o criador da terra, nem
ele cujas leis são certas, o criador dos céus,
Ele que trouxe as grandes e luminosas águas. Que deus ado-
raremos com nossa oblação?

Prajapati! Só tu compreendes todas essas coisas criadas, e nin-
guém mais senão tu.
Atende o desejo de nossos corações quando te invocamos -
que possamos ter muita riqueza em nosso poder.(1)

(10.121)

a) Germe dourada, nome dado ao deus Brama.
b) Nome de um rio mítico.

6. A Canção da Criação

Então não existia o não-existente, nem o existente - não havia
reino do ar, nem céu além dele.
o que encobria, e onde? E o que dava abrigo? Existia água
ali, urra profundidade insondável de água?

Não existia então a morte, nem coisa alguma imortal - não
havia sinal, o divisor do dia e da noite.
Aquela coisa única, sem alento, respirou por sua própria natu-
reza - a não ser ela, não existia coisa alguma.

Existia treva; de começo oculto na treva, êsse Tudo era caos
indiscriminado.
E tudo quanto existia então era vazio e sem forma - pelo gran-
de poder do calor nasceu aquela unidade.
Daí em diante surgiu o desejo no início, Desejo, a semente e
germes primevos do espírito.
Sábios que buscavam com o pensamento e seus corações des-
cobriram o parentesco do existente no não-existente.

Transversalmente sua linha de separação se estendeu - o que
estava acima, então, e abaixo?
Existiam reprodutores, fôrças poderosas, ação livre aqui e ener-
gia acima, além.

Quem realmente sabe e quem pode declarar, de onde nasceu
e de onde veio essa criação?
Os deuses vieram depois da produção dêste mundo. Quem sabe,
portanto, de onde êle veio pela primeira vez?

Ele, a primeira origem desta criação, tenha formado a mesma
tôda ou não a tenha formado,
Cujo ôlho controla êste mundo no céu mais alto, êle realmente
sabe, ou talvez não saiba.(1)
(10.129)

7. A Brahmanaspati (a)

Ele, acendendo a chama, vencerá os inimigos - forte será aque-
le que oferecer oração e trouxer sua oferenda.
Ele, com sua semente, espalha além a semente de outro, quem
quer que Brahmanaspati tomar por amigo.

Com heróis ele vencerá seus inimigos heróicos e espalhará sua
fortuna pelo gado - sábio por si próprio é ele.
Seus filhos e os filhos de seus filhos crescem em fôrça, quem
quer que Brahmanaspati tomar por amigo.

Ele, poderoso como a torrente volumosa de um rio furioso, como
um touro vence os bois, vence com a fôrça.
Como a pressa flamante de Agni, êle não pode ser detido, quem
quer que Brahmanaspati tomar por amigo.

Para ele as enchentes do céu fluem sem cessar jamais - pri-
meiro com os heróis ele vai à guerra pelo gado.
Ele abate em vigor inquebrantável e grande poder, quem quer
que Brahmanaspati tomar por amigo.

Todos os rios tonitruantes derramam suas águas para ele, e
muitos abrigos sem falha lhe foram concedidos.
Abençoado com a felicidade de deuses, ele prospera, quem quer
que Brahmanaspati tomar por amigo.(1)
(2.25)

a) Ou Brihaspati, a deidade em que a ação do adorador dos
deuses é personificada.

8. A Varuna

Canta um hino sublime e solene, grato ao glorioso Varuna,
governante imperial,
Que golpeou, como aquêle que abate a vítima, a terra, como
uma pele para espalhar em frente do sol.

No topo das arvores o ar ele estendeu, pôs leite no gado e ve-
Iocidade vigorosa nos cavalos,
Intelecto nos corações, fogo nas águas, o sol no céu e Soma so-
bre a montanha.

Varuna deixa o grande barril, aberto para baixo, derramar pelo
céu e terra e atmosfera.
Com isso as águas soberanas do universo molham a terra como
a chuva molha a cevada.

Quando Varuna deseja Ieite, ele umedece o céu, a terra e o
planêta até seu alicerce.
Logo em seguida as montanhas os vestem com a nuvem de
chuva e os heróis, usando seu vigor, as soltam.

Eu afirmarei êste poderoso feito de mágica, do glorioso Varuna,
o senhor imortal,
que de pé no firmamento mediu a terra usando o sol como
medida.

Ninguém, na verdade, jamais facilitou ou atrapalhou este mais
poderoso feito de mágica do deus mais sábio,
Pelo qual com tôdas as suas enchentes os rios de águas claras
não enchem um mar onde deságuam.

Se pecamos contra o homem que nos ama, injustiçamos um ir-
mão, amigo ou companheiro,
O vizinho sempre conosco, ou uum estranho, ó Varuna, tira-nos
da falta.

Se roubarmos no jogo e erramos inconscientemente ou pecamos
de propósito,
Arreda todos êsses pecados, como grilhões desatados e, Varu-
na, deixa-nos ser os teus amados.(1)
(5.85)

9 . A Liberalidade

Os deuses não mandaram que a fome seja nossa morte e mes-
mo ao bem nutrido a morte vem em forma variada.
As riquezas do liberal nunca se gastam, enquanto aquele que
não dá não encontra quem o reconforte.

O homem com alimento na despesa e que, quando os necessi-
tados vêm em sua miséria suplicar pão,
Endurece o coração contra eles - mesmo quando muito antes
lhes prestaram serviço - não encontra quem o reconforte.

Generoso é quem dá ao mendigo que o procura em busca de
alimento e já bem fraco.
o êxito o espera nos gritos de batalha, e faz dele um amigo nas
dificuldades futuras.

Não é amigo aquele que para seu amigo e companheiro que
vem implorar alimento, nada ofereça.
Que se vá - não é esse um lar para repousar - e deve pro-
curar um estranho para ajuda-lo.

Que os ricos satisfaçam o pobre que implora e baixe os olhos
sôbre um caminho mais longo.
A riqueza vem agora para um, depois para outro, e como as
lodas de carros está sempre rolando.

O homem tolo ganha alimento com trabalho infrutífero e esse
alimento - digo a verdade - será sua ruína.
EIe não dá a comer ao bom amigo, a homem algum para que
o ame. Esteja toda a culpa com quem come sem companheiro.

O arado, arando, faz o alimento que nos nutre e com seus pés
corta a trilha que segue.
É melhor o brâmane que fala do que o silente (a) - o amigo li-
bera tem mais valor do que o que não dá.

Aquele com um pé só ultrapassou de muito É bípede, e o de
dois pés alcança o de três.
As criaturas quadrúpedes vêm quando os bípedes as chamam
e de pé olham onde cinco se reúnem.

As mãos são iguais - seu trabalho difere. O produto de vacas
leiteiras irmãs é desigual.
Mesmo os gêmeos diferem em força e vigor - e dois homens,
mesmo parentes, diferem em sua munificência.(1)
(10.117)

a) Nome de um sacerdote, supervisor do sacrifício.

10. A Noite

Com todos os seus olhos a deusa Noite olha à frente, aproxi-
mando-se de muitos: Ela se revestiu de tôdas as suas glórias.

Imortal, ela preencheu o vazio, a deusa preencheu altura e
profundidade:
Ela vence a treva com sua luz.

A deusa ao vir pôs a Aurora, sua irmã, em seu lugar:
E com isso a treva desaparece.

Por isso favorece-nos esta noite, ó Tu cujos caminhos visitamos
Como os pássaros o seu ninho sobre a árvore.

Os aldeões buscaram seus lares, e tudo quanto ainda e tudo
quanto voa,
Mesmo os falcões desejam a presa.

Afasta a Iôba e o Iôbo; ó Noite, afasta o ladrão:
Sê fácil para que passemos.

Claramente ela veio bem perto de mim, a que ornamenta a
treva com os tons mais ricos:
Ò manhã, cancela-o como dívidas.

Trouxe-te isto como gado. Ò Noite, filha do céu, aceita
Este Iouvor, como se para um vencedor. (1)
(10.127)