Aurobindo

Depois de um curto período gasto na luta política pela
independência, Aurobindo Ghose (1872-1950) dedicou-se às
práticas espirituais no Ashram em Pondichéry, tendo publicado
numerosas obras de um caráter semi-religioso e semifilosófico,
merecendo destaque entre as mesmas uma reinterpretação dos
Vedas e comentários sobre os Upanichades e demais textos de
uma inspiração vedântica livre.

l. A Ressurreição do Hinduísmo

O que é a religião hindu? O que é esta religião a que cha-
mamos Sanatan, eterna? É a religião hindu apenas porque a nação
hindu a manteve, porque nesta península ela cresceu na separação
imposta pelo mar e pelos Himalaias, porque nesta terra sagrada e an-
tiga ela foi dada à raça ariana para ser conservada através das idades.
Mas não se circunscreve aos confins de um único país, não pertence
particularmente e para sempre a uma determinada parte do mundo.
Aquilo a que chamamos religião hindu é na verdade a religião eterna,
pois é a religião universal que abarca todas as outras. Se uma reli-
gião não for universal, não poderá ser eterna. Uma religião estreita,
sectária, exclusiva, só poderá viver por tempo limitado e tendo um fito
limitado. Esta é a religião que pode triunfar sobre o materialismo,
incluindo e se antecipando às descobertas da ciência e especulações
da filosofia. É a religião que faz ver à humanidade a proximidade
de Deus e abarca em seu âmbito todos os meios possíveis pelos quais
o homem pode aproximar-se de Deus. É a religião que insiste a todo
instante sobre a verdade reconhecida por todas, a de que Ele está em
todos os homens e em todas as coisas e que n’Ele nós agimos e temos
nosso ser. É a religião que nos capacita não só a compreender e acre-
ditar nessa verdade, mas também senti-la com todas as partes de nosso
ser. É a religião que mostra ao mundo o que o mundo é, a Diversão de
Deus. É a religião que nos mostra como podemos desempenhar melhor
nosso papel nessa Diversão, suas leis mais sutis e suas regras mais no-
bres. É a religião que não separa a vida em qualquer detalhe mínimo
quanto à religião, que sabe o que é a imortalidade e retirou por com-
pleto de nós a realidade da morte.
Esta é a palavra que foi posta em meus lábios para que a pro-
nunciasse hoje. O que eu pretendia dizer foi afastado de mim e além
do que me é dado, nada tenho a dizer. Apenas a palavra que me é
dada eu posso pronunciar. Essa palavra terminou agora. Falei uma
vez antes com esta força em mim e disse então que este movimento
não é um movimento político e o nacionalismo não é política, mas uma
religião, um credo, uma fé. Digo-o mais uma vez hoje, mas apresento-
o e outro modo. Não digo mais que o nacionalismo é um credo, uma
religião, uma fé, mas que o Sanatan Dharma (a) para nós é nacionalismo.
Esta nação hindu nasceu com o Sanatan Dharma, com ele marcha e
cresce. Quando o Sanatan Dharma declina, a nação declina e se o Sanatan
Dharma pudesse desaparecer, com ele ela desapareceria, o Sanatan
Dharma que é nacionalismo. Esta a mensagem que tenho para trans-
mitir. (60)
a) Literalmente, "a Lei Eterna".

2. A Vida Espiritual

Supõe-se universalmente que a vida espiritual deve obrigatoria-
mente ser uma vida de ascetismo, um abandono de tudo quanto não
ja absolutamente necessário para a estrita manutenção do corpo; e
é válido para uma vida espiritual que em sua natureza e intenção
é uma vida e retirada quanto à vida. Mesmo pondo-se de parte esse
ideal, poder-se-ia pensar que a marcha para o espiritual sempre deve
trazer uma simplicidade extrema, porque tudo o mais seria uma vida
de desejo vital e complacência física. Mas de um ponto de vista mais
amplo, esse é um padrão mental baseado na lei da ignorância, da qual
o desejo é o motivo; para vencer a ignorância, apagar o ego, uma
rejeição total não só do desejo, mas também de todas as coisas que pos-
sam satisfazer, poderá intervir como princípio válido. Mas este padrão
ou qualquer padrão mental não pode ser absoluto, nem tampouco pode
ser cominatário como uma lei sobre a consciência que se ergueu acima do
desejo; uma pureza e autocontrole completos estariam na própria cons-
tituição de sua natureza e isso continuaria a ser o mesmo na pobreza
ou na riqueza, pois se pudessem ser abaladas ou conspurcadas por qual-
quer das duas, não seriam reais ou completos. A regra única da vida
gnóstica seria a auto-expressão do Espírito, a vontade do Ser Divino;
essa vontade, essa auto-expressão, poderia manifestar-se através de sim-
plicidade extrema ou extrema complexidade e opulência, ou então em
seu equilíbrio natural - pela beleza e plenitude, uma doçura e riso
ocultos nas coisas, uma claridade e satisfação da vida, são também
poderes e expressões do Espírito. Em todas as direções o espírito in-
terior determinando a lei da natureza determinaria o arcabouço da
vida e seu detalhe e circunstância. Em tudo haveria o mesmo princi-
pio plástico; uma padronização rígida, por mais necessária que fosse
ao arranjo mental das coisas, não poderia ser a lei da vida espiritual.
Uma grande diversidade e liberdade de auto-expressão baseadas numa
unidade íntima poderia perfeitamente tomar-se manifesta; mas em toda
parte haveria harmonia e verdade da ordem. (61)