Kalidasa

Kalidasa é o maior nome na poesia lírica da Índia. Suas
obras, a serem datadas provavelmente do século IV ou V, com-
preendem muitas comédias teatrais (inclusive o famoso Shakun-
tala e pelo menos três obras do tipo "épico lírico"). Seus ver-
sos narram a vida dos descendentes do herói Raghu (o Raghu-
vamsha), o encontro do deus Xiva e Parvati e o nascimento de
seu filho Kumara (o kumarasambhava, uma elegia amorosa lí-
rica (o "Mensageiro das Nuvens" ou Meghaduta) e assim por
diante. Exaltando da mesma forma as virtudes do santo ou do
herói, suas obras são ricas em alusões mitológicas e em máximas,
representando o ideal bramânico em sua perfeição de harmonia.

1. A Luta de Kumara Contra o Demônio Taraka

Um bando temível de aves do mal,
prontas para o prazer de comer o exército de demônios,
voou sobre o anfitrião dos deuses,
e encobriu o sol.

Um vento fazia tremer continuamente seus pára-sóis e bandeiras
e confundia seus olhos com nuvens de poeira em redemoinho,
de modo que os cavalos e elefantes trêmulos,
e as grandes carruagens, não podiam ser vistos.

De repente, serpentes monstruosas, negras como a fuligem,
espalhando veneno de suas cabeças erguidas,
terríveis em forma,
surgiram no caminho do exército.

O sol vestiu um traje medonho
de cobras grandes e terríveis, enrodilhadas junto,
como para assinalar sua alegria
pela morte do demônio inimigo.

E diante do próprio disco do sol
chacais latiram juntos,
como se dispostos a lamber ferozmente o sangue
do rei dos inimigos dos deuses, tombado em batalha.
Iluminando o céu de uma ponta a outra,
com chamas lampejando por toda a volta,
e um choque terrível que estremeceu a terra de pavor,
um relâmpago caiu de um céu sem nuvens.

O céu derramou torrentes de cinzas em brasa,
a que estavam misturados sangue e ossos humanos,
até que os extremos incendiados do céu estivessem cheios de
fumaça
e apresentassem a cor pardacenta do pescoço de um asno.

Como a ameaça trovejante do raivoso deus da morte,
um grande choque rompeu as paredes dos ouvidos,
em som estilhaçante, rasgando os cimos das montanhas,
e enchendo todo o ventre do céu.

A hoste do inimigo foi amontoada.
Os grandes elefantes tropeçaram, os cavalos caíram
e todos os infantes se agarraram em medo,
enquanto a terra tremeu e os oceanos se elevaram para abalar
as montanhas.

E diante da hoste dos inimigos dos deuses
os cães ergueram os focinhos para olhar o sol
e então, ganindo juntos com gritos que rompiam os tímpanos,
eles furtivamente se retiraram. (30)
(Kumara-sambhava, 15.14)

2. A Destruição de Kama, o Rei do Amor, Por Xiva

...Mas Kama, vendo oportunidade para atirar sua seta, como uma
mariposa que queria entrar no fogo, na própria presença de Uma (a) fa-
zendo sua mira em Hara (b), disparou repetidamente suas setas.
Foi quando Gauri (c) presenteou o deus asceta residente na mon-
tanha e com mão clara como cobre, dando-lhe um rosário de sementes
de lótus do Ganges, secadas pelos raios do sol.
E o deus de três olhos (d) fez menção de recebe-lo, por bondade para
com seu adorador; e o arqueiro-flor (e) pôs em seu arco a flecha certei-
ra chamada "Fascínio".
Mas Hara (b) com sua firmeza um tanto perturbada, como o oceano
quando a luz começa a ascender, manteve o olhar fixo na face de
Uma, com lábios como a fruta bimba.(f)
E a filha da montanha (a), traindo sua emoção pelos membros como
brotos trêmulos de kadamba, permaneceu de cabeça inclinada e rosto
ainda mais encantador com seu olhar voltado para outro lado,
Foi quando o deus de três olhos, reconquistando o comando de
seus sentidos perturbados, pelo seu poder de autocontrole, lançou os
olhos em todas as direções, desejando ver a causa da perturbação de
sua mente.
Viu o deus nascido da mente (d), seu punho cerrado erguido ao can-
to exterior de seu olho direito, seu ombro encolhido, sua perna es-
querda encolhida, seu arco delicado dobrado em círculo, pronto a des-
ferir a flecha.
Sua ira aumentada pelo ataque à sua austeridade, seu rosto terrível
de contemplar com suas sobrancelhas arqueadas, de seu terceiro olho
surgiu repentinamente uma chama brilhante.
Enquanto as vozes dos deuses do vento atravessavam o céu - "Con-
tém tua ira, Senhor!”, o fogo nascido do olho de Bhava (b) reduziu o deus
do amor a um monte de cinzas.
O desmaio causado pelo choque violento, impedindo o funciona-
mento dos sentidos, quase executou para Rati (g) um serviço bondoso e
por algum tempo ela não soube do desastre ocorrido com seu marido.
Tendo esmagado rapidamente o obstáculo ao seu ascetismo, como
o relâmpago destrói a árvore de uma floresta, ele, o asceta, o Senhor
das Criaturas(b), desejando fugir à proximidade de mulheres, desapare-
ceu juntamente com suas criaturas.
E a filha da montanha (a), pensando que o desejo de seu pai po-
deroso e sua própria forma encantadora eram inúteis, sua vergonha au-
mentada pelo pensamento de que seus dois amigos tinham estado pre-
sentes, desolada marchou com dificuldade para sua morada.
E enquanto seus olhos estavam fechados de medo à violência de
Rudra (b), a Montanha tomou sua filha lastimosa em seus braços e como
o elefante do céu trazendo um lótus preso aos colmilhos, partiu para
diante, com membros grandes devido à pressa.
(Ibid., 3.64-76)

a) Esposa do deus Xiva e filha de Himavant (isto é, Himalaia)
b) Outro nome de Xiva.
c) Outro nome de Xiva.
d) Outro nome de Uma.
e) Kama.
f) Kama.
g) Um fruto vermelho.
h) Esposa de Kama, a volúpia personificada.