Tantras

Os Tantras, ou "Tratados Sôbre a Doutrina", descrevem prin-
cipalmente um ritual muitas vêzes complexo e em geral simbó-
lico, que caracteriza aquêles aspectos do hinduísmo chamados
tantrismo. Como os Puranas, os Tantras contêm também muita
especulação acêrca dos ritos, bem como episódios míticos ordi-
nariamente ligados ao culto de Shakti, ou "Energia", concebida
como a espôsa de Xiva e como um Ser divino supremo. Obras
versificadas, das quais é conhecido um grande número hoje, os
Tantras foram compilados por volta do século VI ou VII.

1. A imagem de Tara

[Tara é sempre apresentada em sua forma medonha, com
quatro braços entrelaçados com serpentes venenosas e outras ser-
pentes em seu cabelo. Segura uma cabeça e um cálice, pois em
sua disposição amedrontadora bebe o sangue, a seiva do mundo.]

Firme, com o pé esquerdo à frente e sobre um cadáver, ela gar-
galha. Transcendentes, suas mãos seguram uma espada, um lótus azul,
uma adaga e uma tigela de esmolar. Ela solta seu grito de guerra:
Hun! Seu cabelo escuro trançado está prêso por serpentes azuis vene-
nosas. É assim que a apavorante Tara destrói a inconsciência dos três
mundos e os leva em sua cabeça para outra guarda.
(Tara-tantra )

Ela brilha sôbre um lótus branco surgido da água, presente em
tôda parte do mundo. Em suas mãos traz tesouras, uma espada, um
crânio e um lótus azul. Seus ornamentos são serpentes na forma de
um cinto, brincos, grinalda, braceletes,manilhas. Tem três olhos ver-
melhos, tranças escuras amedrontadoras, uma bela cinta, dentes horrí-
veis. Em volta aos quadris ela usa a pele de uma pantera. Traz tam-
bém um diadema feito de ossos limpos. Deve-se pensar sôbre Tara, a
mãe dos três mundos, sentada sôbre o coração de um cadáver, seu ros-
to resplandecente graças ao poder do que jamais degenera. (27)
(Tara-rahasya)

2. O Local de Adoração

Os melhores lugares são os terrenos santos, margens de rios, ca-
vernas, pontos de peregrinação, cumes das montanhas, junções de rios,
florestas sagradas, bosques solitários, a sombra da árvore Bel, vales,
lugares cheios de plantas Tulsi, pastagens, templos de Xiva sem um
touro, o pé de uma figueira sagrada ou de uma árvore Amalaki, está-
bulos, ilhas, santuários, a praia do mar, a casa própria, a morada do
mestre, lugares que tendem a inspirar à concentração, lugares solitá-
rios livres de animais. (27)
(Gandharva-tantra )

3. Purificação

A purificação da pessoa do adorador consiste no banho. A pu-
rificação dos elementos sutis do corpo é feita pelo controle da respi-
ração e pela dedicação das seis partes principais do corpo às seis dei-
dades a que correspondem. Depois disso, são executadas as outras for-
mas de dedicação.
A purificação do lugar de adoração é feita pela sua limpeza cuida-
dosa, adornando-se o mesmo com ornamentação auspiciosa composta
de pós das cinco cores, colocação de um assento, um dossel, uso de
incenso, luzes, flores, grinaldas, etc. Tudo isso deve ser feito pelo
próprio adorador.
A purificação das recitações rituais, os mantras, é feita pela repe-
tição das sílabas que os compõem na ordem regular e, depois, na ordem
inversa.
A purificação dos acessórios é feita pela aspersão de água consa-
grada com o mantra básico e pelo mantra da arma e, depois, na exi-
bição do gesto da vaca.
A purificação da deidade é feita pela colocação da imagem so-
bre um altar, invocando-se a presença da deidade através de seu man-
tra secreto e do mantra de respiração que dá vida, banhando-se a ima-
gem três vêzes enquanto se recita o mantra básico, e em seguida ador-
nando-se a mesma com roupas e jóias. Depois disso, deve ser feita uma
oferenda de incenso e luz. (27)
(Kularnava-tantra)

4. Louvor da Deidade

Não podemos conhecer uma coisa sem lhe conhecer os méritos e
qualidades. Todo o conhecimento ou ciência se baseia numa forma de
louvor. Um dicionário é apenas o louvor das palavras. As obras da
ciência estão cheias de glorificação. Tudo que é objeto de conheci-
mento é, como tal, uma deidade, e se glorifica na escritura que lida
com o mesmo. (27)
(Devata-tantra)

5. Meditação

O adorador deve-se empenhar na meditação, concentrando sua men-
te gradualmente em todas as partes do corpo de sua deidade escolhi-
da, uma após outra, dos pés à cabeça. Com isso, ele poderá adquirir
tal estado de concentração que durante sua meditação imperturbada
todo o corpo da deidade aparecerá ao ôlho de sua mente como uma
forma indivisível. Dessa maneira, a meditação da deidade em seu as-
pecto formal se tornará gradualmente profunda e firme. (27)
(Princípios dos Tantras)

6. A Cerimônia Tântrica de "Iniciação Completa",
de Acordo com a Escola Kaula

Nas três idades (a) êste rito constituía um grande segredo, e os ho-
mens costumavam executa-lo com todo o sigilo, atingindo assim a Li-
bertação.
Quando prevalecer a idade de Kali (b), os seguidores do rito de Kula (c)
deverão declarar-se como tais e, seja de noite ou de dia, deverão ser
abertamente iniciados.
O Guru, (c) no dia anterior à iniciação, deverá adorar Ganesha (d) com
oferendas, de acordo com sua capacidade em retirar todos os obstá-
culos. Acrescentando sucessivamente seis vogais longas ao mantra de
Mula, deve ser executado o Nyasa (e) sôbre as seis partes do corpo, e de-
pois de fazer os três exercícios de respiração, que se mete sobre
Ganesha (f).
Medite-se sobre Ganesha quanto à cor do cinabre, tendo três
olhos, uma grande barriga, segurando em suas mãos de lótus a concha,
o laço, o aguilhão de elefante e o sinal da bênção. Seu grande tronco
está adornado pela jarra de vinho que segura. Sobre sua testa brilha
a Lua jovem. Ele tem a cabeça do Rei os elefantes e suas faces são
constantemente banhadas em vinho. Seu corpo está adornado com os
anéis do Rei dos servidores. Ele está vestido em vermelho e seu cor-
po se acha untado de ungüentos perfumados.
Tendo meditado assim sôbre Ganesha, o mesmo deve ser adorado
com oferendas mentais e então os podêres protetores do assento devem
ser adorados. No final, o próprio assento de Lótus deve ser adorado.
Meditando novamente sôbre Ganesha, o mesmo deve ser adorado
com oferendas dos Cinco Elementos (vinho, carne, peixe, alimento sêco
e mulher). Em seguida, o adorador deve executar a cerimônia preli-
minar e depois receber e festejar os Kaulas versados no conhecimento
divino com os Cinco Elementos. No dia seguinte, tendo-se banhado e
executado seus deveres diários comuns, deverá dar sementes de gerge-
lim puro para a destruição de todos os pecados deste seu nascimen-
to. Tendo então adorado Brama, Vixnu e Xiva e os nove Planêtas, bem
como as dezesseis Mães divinas, deverá fazer uma marca como a me-
tade inferior de uma elipse.
Deverá pedir permissão a seu Preceptor espiritual e fazer então uma
declaração solene para a remoção de todos os obstáculos e atingir a vida
longa, prosperidade, fôrça e saúde.
Deverá homenagear o guru, presenteando-o com roupas e jóias e
convidá-lo a executar o rito.
O guru deverá então fazer com terra um altar de quatro dedos
em altura e medindo um côvado e meio em ambos os sentidos, num
aposento pintado com terra vermelha, etc., decorado com quadros, ban-
deiras, frutas, fôlhas e fieiras de sinêtas.
O aposento deve ter um belo pano de teto, sendo iluminado por
linhas de lâmpadas queimando manteiga para expulsar toda a treva, e
deverá ser perfumado por cânfora queimada, bastões de incenso e in-
censo, sendo ornamentado por abanos, espanta-môscas, as penas de
cauda de pavão e espelhos, etc., e êle deverá então com arroz e pó
amarelo, vermelho, preto, branco e azul escuro traçar o círculo cha-
mado Sarvato-bhadra.
Em seguida, cada pessoa deverá executar o rito preparatório à
Adoração mental, de acordo com seu próprio ritual e então purificar os
Cinco Elementos com a fórmula mencionada previamente. Depois dos
Cinco Elementos terem sido purificados, a jarra, que deve ser e ouro,
ou prata, ou cobre, ou barro, será colocada no círculo. Deverá também
ser lavada com a fórmula da Arma e besuntada de coalho, sendo então
colocada uma marca de cinabre sobre a mesma.
O guru deverá recitar então três vêzes as letras do alfabeto e en-
cher a jarra com vinho ou água vinda de algum lugar santo, ou de água
comum pura, e depois jogar dentro da mesma nove gemas preciosas
ou um pedaço de ouro.
Depois disso, êle deverá colocar sôbre a boca da jarra um ramo
folhudo de uma figueira, etc.
Deverá colocar então sôbre os ramos folhudos uma travessa de ouro,
prata, cobre ou barro, com frutas e arroz sêco. Depois disso, dois pe-
daços de tecido devem ser atados ao gargalo da jarra. Quando ado-
rando Shakti, o tecido deve ser vermelho, e na adoração de Xiva e
Vixnu deverá ser branco.
A jarra deve ser posta em seu lugar e depois de colocar na mes-
ma os Cinco Elementos, as nove taças deverão ser arrumadas em sua
ordem.
Depois da colocação das taças, libações devem ser oferecidas aos
quatro gurus e à Mãe divina, e o sábio então adorará a jarra cheia de
néctar. Luzes e incenso deverão ser agitados e sacrifícios feitos a todos
os sêres, e após a adoração das divindades dos Assentos sagrados, ele
executará o Nyasa (e) sobre as seis partes do corpo. Depois disso, fará os
três exercícios respiratórios e, meditando sobre a grande Mãe, invocá-la
e em seguida adorá-la ao máximo de sua capacidade. O guru executa-
rá todos os ritos e depois homenageará as moças solteiras e adoradoras
de Shakti (g) presenteando-as com flores, pasta de sândalo e roupas.
O guru em seguida deverá fazer o discípulo adorar a Mãe divina
na jarra e então, repetindo mentalmente a fórmula "Klim, hrim, shrim”
sôbre a mesma, mover a jarra pura com a fórmula seguinte:
"Levanta, ó jarra que és Brahman, tu és a divindade e concedes
todo o éxito. Possa meu discípulo, sendo banhado com tuas águas e
fôlhas, devotar-se a Brahman".
Tendo movido a jarra assim, o guru aspergirá misericordiosamente
O discípulo sentado e de rosto voltado para o norte, com as fórmulas
prestes a serem ditas...
Com essas vinte e uma fórmulas, o discípulo será aspergido com
água e se já obteve a fórmula da bôca de um não-iniciado, o guru o
deverá fazê-la ouvir novamente.
O guru da escola Kaula, tendo informado aos adoradores de Shak-
ti, chamará seu discípulo pelo nome e dará um nome terminando em
Anandanatha. Sendo assim iniciado na fórmula pelo guru, o discípu-
lo deverá adorar sua divindade por ele escolhida no diagrama sagrado
e depois homenagear o guru oferecendo-lhe os Cinco Elementos.
O discípulo deverá também dar como presentes rituais vacas, ter-
ra, ouro, roupas, bebidas e jóias ao guru e em seguida homenagear os
Kaulas, que são as próprias personificações de Xiva.
Os Kaulas que tiveram sido inteiramente iniciados são puros de
alma. Tôdas as coisas se purificam ao seu olhar, toque, e quando chei-
radas por êles. Todos os homens devem adorar o homem santo Kaula
com sua devoção.
(Mahanirvana-tantra, 10.109-199)

a) As três idades passadas da humanidade.
b) A idade atual (má).
c) Tantra de acordo com a escola Kaula.
d) Fórmula sagrada básica.
e) Atribuição das diversas partes do corpo e deidades tutelares.
f) O deus da sabedoria e dos obstáculos.
g) Principio feminino divino, energia personificada.

7. A Deidade Feminina Suprema

[O poeta invoca a visão de Devi, a Deidade Feminina Su-
prema, sentada em sua mansão na ilha das gemas preciosas, num
leito composto de Xiva e demais deuses. Ela sobe pelo caminho
kula para o lótus de mil pétalas, fazendo que seu poder "kun-
dalini" perfume os seis círculos do universo. Depois disso ela
regressa, descendo pelo mesmo caminho, a seu lugar na conca-
vidade "kulakunda", onde dorme na forma de uma serpente.
Sua mansão é o "shricakra", o diagrama místico. Sua beleza
está além do poder de descrição dos poetas, e ela se senta no
lótus acima dos seis círculos. A visão dela no lótus traz ale-
gria suprema aos poucos e poderosos que a conquistam. Basta
o autor ter visão de êxtase para chegar à identidade com ela.]

(8) Em meio ao oceano de Néctar, onde encoberta por grupos
de árvores celestialmente desejosas se encontra a Ilha as
Gemas Preciosas, na mansão das jóias desejosas com seu
grupo de árvores nipa, num leito composto de Xiva e de-
mais deuses, teu assento um colchão que é Xiva Supremo
- alguns poucos felizardos te adoram, cheios de consciên-
cia e ventura.

(9) A terra no muladhara, a água no manipura, o fogo situado
no svadhishthana, o ar no coração e o éter acima dele, a
mente entre as sobrancelhas - em suma, tendo perfurado
todo o caminho kula, no lótus de mil pétalas tu brincas
em segredo com teu senhor. (a)

(10) Com correntes de néctar correndo pr entre teus pés e
aspergido o universo, divertindo-te pelo poder de recitar os
textos sagrados que produzem os seis círculos, novamente
chegas à tua morada e na forma de uma serpente em três
e meio anéis (b) tu te convertes e dormes na concavidade
kulakunda.

(11) Por motivo dos quatro e dos cinco triângulos que são per-
furados pelo bindu e constituem os triângulos básicos, qua-
renta e três - juntamente com os lótus e oito e dezesseis
pétalas por fora dos triângulos, e os três círculos por fora
dos lótus e as três linhas por fora dos círculos - ângulos
de teu lugar de morada são formados.(c)

(12) Para igualar tua beleza, ó filha da montanha de neve, di-
fìcilmente os maiores poetas têm qualquer éxito; os cor-
tesãos celestiais que a entreviram, por seu desejo de des-
frutá-la passam em imaginação a se identificar com Xiva
residente da Montanha, que é difícil de atingir mesmo pe-
las práticas ascéticas. . .

(14) Na terra cinqüenta e seis, cinqüenta e dois na água, no
fogo sessenta e dois, cinqüenta e quatro no ar, no éter se-
tenta e dois e na mente sessenta e quatro - estes são os
raios; acima deles no lótus de mil pétalas está o par de
teus pés de lótus...(d)

(21) Esbelta como uma risca de relâmpago, composta de es-
sência da lua, sol e fogo, situada acima dos seis lótus, tua
manifestação na floresta de grandes lótus, aqueles com a
mente livre de ilusão que a vêem experimentam uma tor-
rente de alegria suprema.

(22) "Estende, ó senhora, a mim, teu escravo, um olhar com-
padecido!" - quando alguém te quer louvar, pronuncia
as palavras "tu, ó senhora",e e nesse momento tu lhe con-
cedes um estado de identidade contigo, com teus pés ilu-
minados (f) pelas coroas de Vixnu, Brama e Indra. (29)

a) O cosmo evoluiu em seis etapas, descritas antropomórfica-
mente como seis círculos no cosmo concebido como o corpo
de Devi. Muladhara, etc., são os nomes dos seis círculos. Ao
alto do universo, ou antropomórficamente em cima da cabeça
de Devi, acha-se o lótus de mil pétalas, em que coexistem os
princípios feminino e masculino.
b) No cosmo concebido como de Devi, o poder feminino existe
como uma serpente adormecida, chamada kundalini, na conca-
vidade kunda ao extremo inferior doa seis círculos.
c) O diagrama de Devi é chamado sua mansão, sendo descrito
como consistindo em triângulos, e em meio dos mesmos o
bindu ("gôta") que parece ser o elemento masculino. Em volta
aos ângulos existem dois lótus, Pois fora destes há três cír-
culos e finalmente três quadrados.
d) Os seis círculos mencionados acima.
e) Também quer dizer: "Possa eu ser tu".
f) Como no agitar de luzes diante da imagem de um deus,
feito à noite.