Nascido na região de Madrasta no século XI, Ramanuja ins-
tituiu uma forma de Vedanta baseada na noção do "brahman ca-
pacitado", isto é, um deus pessoal dotado de atributos que com-
preendem almas e coisas. Por conseqüência, e de acordo com
ele, a prática religiosa compreende uma forma de bhakti, ou "de-
voção", que tem em parte uma tendência intelectual. Ele in-
troduziu em sua obra a idéia de prajatti, ou "abandono" (à
vontade divina).
O pensamento de Ramanuja é adotado pela seita dos Shri-
vaishnavas, que dependem em parte dos textos teóricos do vix-
nuísmo, chamados Samhitas, e em parte do movimento dos
Alvars.
Como Deus é Encarado Pelos Ignorantes e Pelos Sábios
Impelido por esta compaixão pela humanidade, Deus assumiu um
corpo humano de modo a ser o refúgio de todos os homens, mas estes
não o conhecem corno Ele é, considerando-o um homem como eles
são, e ignoram o estado supremo de Deus, que é um receptáculo ili-
mitado de compaixão, generosidade, bondade, amor, etc., e se caracte-
riza por sua forma humana. Assim sendo, pelo simples motivo de que
Deus é seu refúgio em forma humana, consideram-no como da mesma
classe que outros seres humanos e por isso se enganam a seu respeito.
Assumiram as naturezas desnorteadoras de rakshasas e asuras (a), o que
dá fim à compaixão suprema de Deus em sua humanidade; suas aspi-
rações e empreendimentos continuam infrutíferos, seu conhecimento de
todas as criaturas de Deus e do próprio Deus é errôneo e perderam o
conhecimento positivo de tudo, porque encaram Deus corno sendo um
homem.
Aqueles cujo karmam (b) (carma) permite refugiar-se em Deus,
entretanto, e que, libertados de todos os liames do mal, tomam urna
natureza divina, sabem que Deus é a origem de todos os sêres, o Se-
nhor eterno cuja forma, nome e atos se acham além do pensamento e
fala, e que desceu à forma humana para salvar os sadhus, (c) e adoram
Deus com toda a sua mente focalizada nele apenas. Devido a seu amor
extremo a Deus, os atrnans,(d) suas mentes e órgãos externos, perdem
todo o apoio assim que deixam de adorá-lo pelo bhakti (e) ou de louvá-
-lo ou de se esforçarem por seu bem; por isso, eles meditam sobre os
nomes que designam as qualidades especiais de Deus. Num êxtase
de alegria, eles o glorificam gritando seus nomes Narayana, Krishna,
Vasudeva, etc., e esforçam-se resolutamente por agir pela glória de
Deus, pela adoração e meios de adoração, tais como a construção de
templos, jardins e bosques, e prostram-se indiferentes à poeira, lama e
cascalho, com os oito membros do corpo desejosos de união eterna
com Deus.
Outros crentes de mente elevada adoram Deus prestando home-
nagens a êle não só do modo descrito acima, mas também pela reali-
zação do sacrifício chamado jnana.(f) O que quer dizer isso? Eles ado-
ram Deus como sendo Aquêle que está presente na pluralidade indi-
vidual das coisas. Isso quer dizer que eles adoram Deus com o co-
nhecimento certo de que Deus é um, e seu corpo se constitui da cria-
ção múltipla de deuses, animais e coisas móveis, porque por ocasião
em que seu corpo consistia em substâncias espirituais e não-espirituais
infinitesimalmente sutis, incapazes de distinção individual por nome-e-
-forrna, Deus decidiu pôr sua vontade: por meu corpo constituído por
massa espiritual e não-espiritual bruta que existe numa pluralidade de
formas individuais distinguíveis por nome-e-forma. Assim, o corpo de
Deus é o universo, Deus é o sacrifício, a libação e oblação oferecidas
para nutrir os ancestrais falecidos, etc. Ele é pai, mãe, avó e criador
do mundo consistindo em criaturas móveis e imóveis. Ele é o meio
de purificação, o cerne dos Vedas, os próprios Vedas. Ele é o fim a ser
atingido, o sustentador, o governante, a testemunha imediata, a resi-
dência, o refúgio espiritual, o amigo bem intencionado. Ele é o lugar
de origem e aniquilação de tudo, em qualquer lugar. Ele é tudo que
pode ser produzido ou destruído. Ele é a causa imperecível de tudo
isso. Deus aquece na forma de fogo, do sol, etc., no início do verão;
é também ele quem prende e solta as chuvas. Ele é tanto aquilo pelo
que alguém vive quanto aquilo pelo que alguém morre. Ele é o pre-
sente, passado e futuro. Quem, através de seu conhecimento dessa
unidade essencial de Deus, compreende que todo o mundo é uma mo-
dificação de Deus, porque o corpo de Deus se constitui dos nomes-e-
-forrnas de uma pluralidade de seres individuais e adora Deus como tal,
este é o verdadeiro mahtman.(g)
Aquêles, por outro lado, que se fixam firmemente nos Vedas e não
no Vedanta,(h) que bebem a bebida soma destinada à adoração de me-
ras divindades como Indra e determinado pelos Vedas, que só estão
purificados do mal incompatível com a chegada ao céu e que, aspi-
rando ao céu, sacrificam a Deus como se ele próprio fosse as divin-
dades, porque não sabem realmente quem é Deus, essas pessoas che-
gam ao mundo de Indra, que está livre da infelicidade e desfrutam
prazeres divinos. Mas quando o bom karman (b) (carma) que os levou
ao céu estiver consumido, regressam ao mundo dos mortais. Por faltar-
lhes o conhecimento ensinado pelo Vedanta (h) eles regressarão ao sam-
sara (i) depois de terem desfrutado os prazeres imateriais e transitórios
do céu.
Os mahatmans,(g) entretanto, não regressarão, pois seu fito único na
vida é a meditação sobre Deus, pois sem ele não conseguem sustentar
seus atmans.(d) Eles adoram Deus em toda sua glória, enquanto aspiram
a uma união constante com ele, e Deus os conduzirá à ioga ou che-
gada a Deus e ao kshema, ou não-regresso. (j)
Os ignorantes, no entanto, devotam-se a meras divindades e por
isso confiam nos Vedas apenas e sacrificam fielmente a essas divinda-
des. Mas, enquanto fazem isso, na realidade sacrificam a Deus, pois
tudo constitui o corpo de Deus e como este é o eu de todos e tudo,
pode ser chamado pelos nomes dessas divindades. Mas os ignorantes
executam seus sacrifícios sem ligá-los às palavras do Vedanta, que em
sua inteireza estabelece a doutrina de que as divindades devem ser
adoradas na medida em que constituem o corpo da Pessoa Suprema,
mas na realidade é a própria Pessoa Suprema que se deve adorar, pois
ele é o seu eu. Quando realizando seus sacrifícios, os quatro hotris (k)
encontrarão a realização de seus desejos por intermédio as divindades
- que constituem o corpo de Deus - em Deus, que é o governante
interno dessas divindades; ou, em outras palavras, quando sabem que
por seus atos rendem homenagem ao próprio Deus e então executam
esses atos - que servem para reconciliar as divindades - encontrarão
em Deus o cumprimento perfeito de suas aspirações. Os ignorantes,
entretanto, não sabem disso, de modo que sua recompensa é pequena,
e está em sua natureza caírem de volta no samsara (j). (36)
(Gita - bhasya, 2)
a) Duas classes de demônios.
b) O ato humano e seus resultados.
c) Santos.
d) O eu.
e) Devocão emocional a Deus.
f) O conhecimento.
g) Literalmente, “grandes almas”.
h) A parte última e especulativa dos Vedas.
i) Literalmente, "segurança" (quanto ao samsara).
j) Regresso à terra depois da morte; transmigração.
k) sacerdotes oficiantes védicos.