Ramayana

A "História de Rama", épico em 24.000 versos duplos, é
obra de Valmiki, que encontrou seus elementos numa rica len-
da pan-indiana contendo temas de folclore e talvez algumas re-
miniscências pré-históricas. Contém a narrativa das aventuras
do príncipe Rama (Ramacanda), filho de Dasharatha, e sua
nobre espôsa Sita, desde o tempo de seu exílio até seu regres-
so triunfal a Ayodhya, depois do que vem um repúdio injus-
to e a morte de Sita.
A narrativa principal se encaminha a digressões, algumas
das quais formariam um código da conduta e moralidade hin-
dus se reunidas. Embora apresente de muitos pontos de vista,
em sua composição e teor, a Índia cortesã e educada de épocas
posteriores, a obra provavelmente deve ser datada em ocasião
próxima à redação do Maha-Bharata.

1. Um Ato de Sangue Cometido Pelo Rei Dasharatha
Acidentalmente em Sua Juventude

(Assim aconteceu):

Certo dia, quando as chuvas tinham refrescado a terra e fizeram meu
coração crescer de alegria,
Quando, depois de estorricar com seus raios a terra sêca, o sol de verão
Passara para o sul; quando brisas frescas afugentaram o calor
E nuvens benfazejas se ergueram; quando sapos e pavões brincavam
e o veado
Parecia bêbado de alegria, e toda a criação alada, gotejando como se
afogada,
Limpava suas penas molhadas nos altos das árvores sacudidas pelo
vento, e chuvas torrenciais
Cobriam as montanhas a ponto de parecerem pilhas de água e tor-
rentes escorriam
Por suas encostas, cheias de pedras soltas e vermelhas como a auro-
ra, pela terra dessa cor,
Coleando como serpentes em seus cursos; foi então que nessa bela
estação eu,
Desejando aspirar aquele ar, sai, com arco e flecha em minha mão,
A busca de caça, talvez um búfalo à beira do rio,
ou um elefante, ou outro animal poderia cruzar meu caminho, ao
entardecer,
Ao vir beber água. Foi quando no crepúsculo ouvi o som de água
borbotando
E logo tomei o arco, mirei em direção ao som, e lancei a seta.
Um grito de agonia veio de lá, - uma voz humana
Se ouviu, e o filho de um pobre eremita caiu sangrando na corrente.
"Ah! Por que razão então - gritou ele - sou eu, o filho de um
eremita inofensivo, abatido?
Aqui a este riacho vim de tarde encher a vasilha com água.
Por quem fui atingido? A quem ofendi? Ó eu deploro
Não a mim mesmo ou meu destino, mas por meus pais, velhos e cego9,
Que perecem em minha morte. Ah! Qual será o fim daquele casal
amado,
Que há muito guio e amparo por minha mão? Essa flecha farpada
atravessou
Tanto a mim quanto a eles". ouvindo aquela voz lastimosa, eu,
Dasharatha,
Que não queria fazer mal algum a qualquer criatura humana, jovem
ou velha, fiquei
Paralisado de medo; meu arco e flechas caíram de minhas mãos in-
sensibilizadas,
E me aproximei do lugar com horror; e lá consternado eu vi,
Caído à margem, um inocente menino-eremita, torcendo-se em dor
e coberto
De poeira e sangue, seu cabelo atado desfeito, e uma jarra partida
A seu lado. Fiquei petrificado e sem voz. Em mim ele
Fixou seus olhos e então, como para queimar minha alma, ele disse:
"Como te ofendi, monarca? Para que tua mão cruel me derrube -
A mim, um filho de pobre eremita, nascido na floresta; pai, mãe e filho
Tu transfixaste com esta flecha; eles, meus pais, sentados em casa
Esperando minha volta, e por muito terão esperança - presas da sede
E medos agoniantes. Vai a meu pai - dize-lhe de meu destino,
A menos que sua maldição terrível te consuma, como as chamas à
madeira seca.
Mas antes, por piedade, tira esta flecha que atravessa meu coração
E segura o sangue em golfadas, como a margem segura a corrente".
Ele parou e enquanto seus olhos giravam em agonia e estremecendo
torcia-se
No chão, lentamente retirei a flecha do flanco do pobre menino.
Com um olhar lastimoso então, seus traços em expressão de terror,
ele expirou.
Perturbado pelo crime pesaroso, cometido sem querer por minhas mãos,
Tristemente pensei comigo mesmo como poderia reparar o mal feito.
Depois, tomei o caminho que me indicara para o eremitério.
Ali contemplei seus pais, velhos e cegos; como dois pássaros de asas
cortadas,
Sentados no abandono, sem seu guia, esperando ansiosos seu regresso
E, para disfarçar seu cansaço, conversando ternamente sobre ele.
Logo ouviram o ruído de passos e ouvi o velho dizer,
Em tom de reprimenda: "Por que demoraste, filho? Dá-nos logo de
beber
Alguma água. Esqueceste-nos por muito tempo na corrente fresca
onde brincaste; entra - pois tua mãe anseia por seu filho.
Se ela ou eu te causamos dor, ou te dissemos palavras apressadas,
Pensa em teu dever de perdão como eremita e não as tomes a sério.
Tu és o refúgio de nós, desabrigados - os olhos de teu pai cego.
Por que estás silente? Fala! Presas a ti estão as vidas de teus pais”.
Ele cessou e fiquei paralisado - até que por esforço resoluto,
Reunindo todas as forças de meu ser, voz trêmula eu disse:
"Piedoso e nobre eremita; não sou teu filho; sou o rei;
Vagando com arco e flecha numa corrente, buscando caça, atingi
Sem saber o teu filho e o resto não preciso dizer. Sê indulgente
comigo".
Ouvindo minhas palavras impiedosas, anunciando sua desolação, ele
permaneceu
Por algum tempo sem sentidos; depois, com suspiro profundo, sua
face toda banhada em pranto,
Ele me falou enquanto me aproximava suplicante, e disse lentamente:
"Não tivesses vindo tu mesmo, contar a história horrível, sua carga
de culpa
Teria esmagado tua cabeça em mil fragmentos. Esse feito lamentável
Foi executado por ti sem querer, Ó Rei, ou não terias sido poupado
E toda a raça de Raghavas teria perecido. Leva-nos ao lugar -
Ensangüentado como esteja ele, e sem vida, devemos cuidar de nosso
filho
Pela última vez, e abraça-lo". Depois, chorando amargamente
o casal, conduzido por minha mão, chegou ao lugar e caiu sobre o
filho.
A seu contato, o pai gritou: "Meu filho, não nos saúdas?
Não nos reconheces? Por que estais aqui tombado ao chão?
Estais ofendido? Ou não sou mais amado por ti, meu filho?
Vê aqui tua mãe. Tu sempre foste cuidadoso conosco.
Por que não me abraças? Fala uma palavra tema. A quem vou ouvir
Lendo novamente o Shastra sagrado bem cedo pela manhã?
Quem irá trazer-me raízes e frutos para me alimentar como a um
hóspede querido?
Como, fraco e velho, poderei sustentar tua mãe idosa definhando por
seu filho?
Fica! Não vás ainda para a morada da Morte - fica com teus pais
um dia mais.
Amanhã iremos ambos contigo pela estrada temida. Desamparados
E tristes, abandonados por nosso filho, sem protetor na floresta,
Logo partiremos ambos para as mansões do Rei da Morte".
Lamentando-se amargamente, ele executou os ritos funerais; depois,
voltando-se
Para mim assim falou, de pé e próximo em reverência - "Eu só tinha
Este filho e tu mo tiraste. Agora, abate
o pai - não sentirei dor na morte. Mas tua absolvição será
Que a tristeza por uma criança um dia te levará também ao túmulo". (20)
(2.63)

2. A Condição da Mortalidade

Espalhadas terminam todas as coleções;
As pilhas bem altas finalmente tem de cair;
Na despedida termina todo o encontro;
A morte tende toda a vida das criaturas.
A queda próxima à terra é certa,
Das frutas que nas árvores pendem maduras.
Dos mortais aqui contempla um tipo;
Também eles sucumbem à morte quando maduros.
Como as casas caem, quando a ação do tempo
Desgasta a madeira que formava seus esteios,
Assim afundam os arcabouços dos homens, quando o curso da idade
Solapou sua força vital.
As noites, uma vez tenham passado,
E misturado com os raios da manhã,
Não regressam, - como correntes que se fundem
Ao oceano, para terminar ali de uma vez.
Remexendo-se sem cessar, noite e dia,
As vidas dos mortais se desgastam;
Como os raios solares tórridos do verão
secam as correntes cada vez menores.
Nas horas quando em casa os homens moram,
Também a morte repousa a seu lado;
Quando saem, todos os dias,
A morte os acompanha no caminho;
A morte vai com eles quando vão longe;
E fica com eles, trá-los de volta à casa.
os homens saúdam o sol nascente com alegria,
Adoram ver seu brilho,
Mas deixam de ver que todos os dias
Em fragmentos ele lhes leva a vida.
Toda a face da natureza delicia-se em ver
As estações do ano se renovando;
Poucos vêem como cada ano renovado
Encurta rapidamente a carreira do homem.
Como toras que flutuam no oceano,
Por sorte são trazidas a se encostar,
Mas arrastadas por vento e maré,
Juntas não conseguem ficar; -
Assim as esposas, filhos, parentes, riquezas, tudo,
Seja o que for a que chamemos carinhosamente nosso, -
obtido, possuído, desfrutado hoje,
Amanhã será arrebatado.
Como de pé numa estrada um homem
Que vê uma caravana passar
Lentamente pela planície,
Grita: "Eu seguirei em sua fila",
Também os homens têm de seguir a trilha batida
Sobre a qual seus ancestrais caminharem.
Como ninguém pode fugir ao curso da natureza,
Por que meditar tristemente sobre tua sina?
(2.105, 18 ss.)